Crítica | Star Wars: O Despertar da Força
“Velho! Meus filhos vão ter que assistir Star Wars!”
Uma experiência transcendental
Falar sobre Star Wars é sempre um desafio, como crítico. Pois é muito difícil encarar um evento como Star Wars de um ponto de vista completamente objetivo. A magnitude que a saga ocupa no imaginário da cultura pop é, indubitavelmente, constitutivo da própria. Boa parte do que entendemos hoje como “cultura pop, cinema, literatura e games” atualmente se deve a Star Wars.
Isso porquê Star Wars é uma experiência que sempre foi, e é por excelência, transcendental. Em seus conceitos e em seu alcance. A Força como elemento narrativo e sua relação com os Jedi; a capacidade de penetração da saga no imaginário popular, se estendendo por diversas mídias; e o que é mais importante, a estrutura épica da jornada do herói. Algo que apela ao que há de mais atávico na relação do homem com a força da narrativa e que evocam aquilo que há de mais mágico em nossas relações humanas. Star Wars é capaz de resgatar aquela força ancestral que os gregos descobriram através do poder do teatro e traduzi-la para os novos tempos. Sim, como vocês podem perceber, é difícil falar de Star Wars.
Tudo isso serve para ressaltar o seguinte ponto: por ser uma experiência transcendental por excelência, não há como restringir qualquer avaliação de Star Wars a apenas os limites da telona do cinema. Star Wars deve ser, antes de mais nada, avaliado pela experiência que esta saga provoca em você. Talvez seja algo que, diriam alguns estetas, ajuda a definir Star Wars como aquilo que na verdade essa saga é: uma obra de arte.
E uma obra de arte o Desperta da Força é, diria Yoda.
Não há experiência, meus caros, que se compare há você levar seus filhos para compartilhar com você algo que é parte fundamental de sua infância. E perceber, instantaneamente, que você se tornou criança mais uma vez. Não há preço a se colocar em algo como isso. Quando as letrinhas amarelas surgem diante de seus olhos a descrença é imediatamente aniquilada. Somos transportados para uma outra realidade e nos tornamos parte dela. E ter toda uma nova geração a seu lado, compartilhando aquele mundo com você, transforma a experiência em algo ainda mais emocionante. Por isso apenas eu já serei eternamente grato à J.J. Abrams.
Uma Nova Esperança
Quando se anunciou o negócio bilionário entre a Lucasfilm e a Disney e uma nova trilogia, os tão sonhados episódios VII, VIII e IX, abalos na Força foram sentidos por todo o universo. A apreensão era grande, diante das nefastas experiências no lado negro perpetradas por Lucas nos famigerados prequels.
O diretor J.J. Abrams foi escolhido a dedo para encarar o que talvez tenha sido um dos maiores desafios da história do entretenimento. Realizar o Episódio VII. E tal tarefa implicava em não apenas fazer mais um capítulo que desse continuidade narrativa a uma das maiores sagas da história do cinema, mas também em garantir que os inúmeros erros dos prequels não se repetissem. E isso tudo de uma maneira que não apenas aplacasse as ansiedades dos fãs de longa data, mas também fosse capaz de recorrer com sucesso à linguagem cinematográfica da nova geração para enfim conquistar o público mais jovem.
Muito por isso Abrams não incorreu no risco de inovar demais. Convidou o veterano Lawrence Kasdan – responsável pelos roteiros dos episódios V e VI – para dar um novo tratamento ao roteiro de Michael Arndt. Kasdan, provavelmente, foi o responsável por trazer de volta a estrutura da jornada do herói que é uma das principais características da saga e também um dos principais motivos por trás do sucesso desse novo filme.
Muito por isso O Despertar da Força segue praticamente a mesma estrutura de Uma Nova Esperança, com traços de O Império Contra-Ataca. E consegue ser muito bem sucedido nisso. O resultado que temos é de um filme, sem dúvida alguma, à altura de todos os outros da trilogia clássica. Talvez, inclusive, melhor que alguns deles. Trata-se, enfim, de simplesmente apresentar a jornada de um novo herói, com inevitáveis – e pasmem, muito bem-vindos – paralelos com a jornada de Luke Skywalker. E, a propósito, temos, sem exageros, uma heroína muito melhor do que Luke Skywalker.
A jornada da heroína
O Despertar da Força é, assim, mais precisamente, o despertar de Rey. A estrutura da história é, propositadamente, idêntica à de Luke. Mas Rey (Daisy Ridley) é uma personagem muito mais autônoma, corajosa e forte do que Luke. Ela afinal cresceu sozinha em meio a um ambiente hostil, tanto social quanto naturalmente, e não é difícil de imaginar às agruras pelas quais ela teve que passar para sobreviver. E tudo isso sem perder uma certa inocência, doçura e mantendo um coração puro.
Rey é o modelo de heroína ao qual as garotas de hoje em dia podem seguir. Uma mulher forte, independente, que não se masculiniza para ser o que tampouco se acomoda a qualquer estereótipo. Aquela que não precisa que homens peguem em sua mão para correr, pois é bem evidente que ela é plenamente capaz de fazer isso sozinha, e que não espera pelo resgate após ser aprisionada. Sim, Rey é apoixanante e sem dúvida alguma é um dos principais motivos de o Despertar da Força ser um filme tão bom. Afinal uma jornada de um herói é apenas tão boa quanto seu herói pode ser.
E um herói, por sua vez, é apenas tão bom quanto seu vilão. O Despertar da Força, pois bem, não é apenas a jornada de um herói. Mas é também a jornada do vilão. Há quem tenha se incomodado com o personagem Kylo Ren (Adam Driver) ou se frustrado com sua apresentação. Quem assim entende falha em perceber que Kylo Ren é um personagem em desenvolvimento, com um imenso potencial a ser explorado.
Ren é poderoso, mas também é conflituado, incerto, um tanto quanto arrogante e porque não dizer mimado. Atormentado pelo legado de Lord Vader que para ele, não por acaso, representa a maior das referências. Kylo Ren não é Darth Vader. Ele sabe disso e essa é uma de suas principais fontes de frustração. E é essa obsessão em buscar no último dos Lordes Negros dos Sith a referência paterna que lhe faltou – talvez por um clássico problema de identidade de interesses com seu progenitor – que o impulsiona durante toda a história.
É muito bom encarar o estranhamento que a figura de Adam Driver nos causa e perceber como isso simboliza com propriedade tudo aquilo que Kylo Ren representa. Um novo Darth Vader em construção. Não é tarefa fácil se considerarmos que estamos falando daquele que já foi considerado o maior vilão da história do cinema. Portanto, faz todo sentido que os produtores tenham optado por construí-lo passo a passo, explorando a sua jornada, bem como essa reflete e se entrelaça com a jornada de Rey.
O segredo de uma boa história
É nítido que um dos pontos fortes de o Despertar da Força são seus atores. Abrams também sabia que precisava se destacar nesse ponto, e que a falta de um bom tratamento de personagens e boas atuações foi um dos elementos que contribuiu para o péssimo resultado dos episódios I, II e III.
Daisy Ridley sem dúvida domina o filme. Sua presença de cena é tão forte que mesmo diante ícones como Harrison “Han Solo” Ford ela em nada se diminui. O mesmo pode ser dito de John Boyega que consegue fazer o seu adorável Finn – ou FN 2187 – uma mistura delicada de herói e alívio cômico. Ridley e Boyega, a propósito, tem uma excelente química de cena. A bem da verdade se o filme contasse a história apenas de ambos já funcionaria muito bem.
Há ainda uma série de outros atores e personagens fantásticos. O elenco antigo cumpre seu papel muito bem, sem assumir qualquer protagonismo, ajudando a relacionar a trilogia clássica com os novos personagens. Não é uma simples passada de bastão, afinal os novos personagens principais sempre tomam de assalto a ação sem pedir muita licença, na maioria das vezes não dando muita opção aos outros personagens senão servir de suporte aos principais.
E é claro que você nem mesmo necessita de um grande ator para se ter um grande personagem. O droid BB8 sem dúvida alguma rouba a cena quando aparece e tem um carisma espantoso. Um sucessor a altura do mais querido droid da Galáxia – verdadeiro herói dos seis filmes – o destemido R2D2. Não há uma cena sequer que BB8 surja que um sorriso não se estampe em nossos rostos, e que acreditemos que ele existe e compreendamos tudo que ele quer dizer, ainda que ele não emita uma palavra sequer.
Se uma história é tão boa quanto seus personagens, não há dúvidas de que o Despertar da Força triunfa nesse ponto em particular. Com grandes protagonistas e coadjuvantes e uma excelente direção de atores e desenvolvimento de cenas tendo-os como o centro das coisas – no lugar dos efeitos que Lucas privilegiava -, Abrams garante a essência humana de seu épico que propicia a relação da audiência com a sua obra.
Distúrbios na Força
Há, porém, um problema de bons personagens – ou aparentes bons personagens – que são subaproveitados. A já previamente muito badalada Stormtrooper cromada, a Capitã Phasma (Gwendoline Christie) e o intrépido Poe Dameron (Oscar Isaac) são bons exemplos disso. Particularmente no caso de Dameron, fica a sensação, considerando a apresentação introdutória e o charme do personagem, de que o filme ganharia muito se ele fosse melhor explorado. E Phasma também daria uma ótima antagonista no estilo henchman que apresentasse um desafio aos heróis que enchesse mais nossos olhos do que meros Stormtroopers.
Há ainda alguns problemas de roteiro, principalmente no que diz respeito a falta de um melhor tratamento dado a alguns elementos essenciais do cenário. Não fica claro no filme, por exemplo, qual é exatamente a relação entre a Primeira Ordem e a Resistência no cenário da guerra civil galáctica.
Mais ainda, se existe uma Nova República, qual o papel da Resistência no conflito? Não que se precisasse se revelar detalhes de organização interna tampouco as origens da Resistência, da Nova República e principalmente da Primeira Ordem. É perfeitamente aceitável que esta possa ser uma sucessão do Império. Mas há uma série de lacunas ali que acabam prejudicando para a apresentação de alguns pontos chaves da história, como por exemplo a grande arma Starkiller.
Talvez isso seja o resultado da opção por Abrams de ter um roteiro – como ele costuma fazer – que opte por uma ação quase que ininterrupta, sem algumas pausas entre os atos que são importantes para sedimentar e aprofundar certos panos de fundo que enriquecem a história. Opção essa que sem dúvida busca conquistar a uma nova geração que não tem muita paciência com pausas dramáticas ou coisas do gênero.
Mas não há dúvidas que a história ganharia muito mais com um melhor aprofundamento. Uma outra opção, por exemplo, teria sido utilizar justamente Poe Dameron como um veículo para explorar os detalhes das relações entre a Resistência e a Nova República, e com isso ajudar a criar um sentido de tensão progressiva que nos permitisse aceitar melhor a apresentação da estação Starkiller e a forma como ela é utilizada dentro da história.
É perceptível a preocupação dos produtores de não revelar certos segredos, e talvez o resultado disso seja essa sensação lacunosa. Claro que lacunas similares ocorrem nos filmes da trilogia clássica que se preocupam mais com a ação – como aliás é a proposta da série – do que com o cenário e certos contextos que normalmente são melhores desenvolvidos nas outras mídias. Isso em momento algum comprometeu a aceitação da história pelo grande público, tampouco seu justo sucesso.
O épico de uma nova geração
Mas nada disso tira o brilho de Star Wars – Episódio VII – O Despertar da Força que sem dúvida se afirma como um épico de uma nova geração. E com isso garantiu não apenas os já anunciados episódios VIII e IX, mas sem exageros, possíveis de que a saga se estenda até no mínimo o episódio XII. E no mundo atual das franquias, não há franquia mais merecedora disso do que Star Wars, a franquia que deu origem às franquias.
Abrams conseguiu com a competência que lhe é característica produzir talvez a melhor obra de seu currículo até hoje. Tecnicamente o filme é irretocável, com uma perfeita combinação de computação gráfica, efeitos práticos, maquiagens, bonecos e uma cenografia e fotografia que contribuem para nos lançar dentro daquele universo e, o que é mais importante, nos manter dentro dele.
Sem falar que é um filme de encher os olhos, não apenas pelo que representa, mas também por uma direção de fotografia belíssima que, nesse ponto, se destaca de todos os outros filmes da saga. Em suma, sim, Abrams conseguiu ter sucesso em seu desafio. Criou um dos melhores filmes da saga Star Wars e o apresentou a uma nova geração que já o toma como referência.
E num sentido geral o filme funciona muito bem. É envolvente, emocionante e épico. Encerra-se em uma batalha de tirar o fôlego que talvez seja um dos melhores duelos de sabres de luz de toda a saga Star Wars. E é claro, tem uma protagonista totally awesome who really kicks major ass. Em tempos que as mulheres precisam tanto ter seu espaço reconhecido, a Disney e a Lucasfilm mais uma vez dão um passo a frente e apresentam a heroína que com certeza inspirará toda uma geração de meninas de que elas não precisam de que ninguém as salve e que não há nada que um homem faça que ela não seja capaz de fazer.
Em suma o filme é uma experiência fantástica que vai arrebatar você. Se você ama Star Wars – e é chato – como eu, você vai se arrepiar e chorar de emoção – apesar de qualquer problema que você possa identificar no filme. Se você nunca viu Star Wars, difícil não ser imediatamente conquistado por aquele universo e aquela experiência mágica.
Afinal, como eu havia dito, experiência é a palavra chave para Star Wars. E ver uma nova geração arrebatada por essa experiência tão importante para nós, recebendo e amando esse legado, é muito mais importante do que eu poderia antecipar. Ter tido o prazer de ter tido essa experiência ao lado de minhas duas filhas foi sem dúvida marcante e eu tenho certeza que foi um momento que fez parte da formação delas do qual elas se lembrarão ao longo de todas as suas vidas. E tenho muito orgulho de lhes ter propiciado isso.
A propósito, sabe aquela aspa com a qual eu abri o texto lá em cima? Não, não foi dita por mim quando eu era jovem. Eu ouvi isso dos lábios de minha filha quando o filme acabou. “Velho! Meus filhos vão ter que assistir Star Wars!”. Isso agora faz parte de minha vida e eu continuarei o seu legado. Isso define imortalidade. Obrigado J.J. Abrams. Apenas por isso você já tem a minha eterna gratidão.
E que a Força esteja sempre com todos vocês.
Título Original: Star Wars: The Force Awakens
Título Nacional: Star Wars: O Despertar da Força
Gênero: Ação / Aventura / Fantasia
Ano: 2015
Duração: 135 min
Diretor: J.J. Abrams
Roteiro: Lawrence Kasdan, J.J. Abrams e Michael Arndt.
Elenco: Daisy Ridley, Adam Driver, John Boyega, Oscar Isaac, Harrison Ford, Carrie Fisher, Domhnall Gleeson, Lupita Nyong’o, Gwendoline Christie, Peter Mayhew, Anthony Daniels, Max von Sydow, Andy Serkis e Mark Hamill.
Graus de KB: 2 – Daisy Ridley atuou junto com Greg Grunberg nesse filme, que por sua vez esteve também em Paixão de Ocasião (1997) com Kevin Bacon.
Se não é a melhor, é pelo menos a maior crítica sobre o filme que qualquer um vai poder ler.
Sim, percebi isso na sessão que fomos e a turma mais nova está se amarrando no filme em um nível que, sim, vamos ter ainda Star Wars rolando até o fim dos tempos.
O filme é bom, mas não alcança todo o potencial que poderia. É bem feito tecnicamente, Daisy destaca-se, assim como John, mas faltou algo mais e isso se deve muito a política de investimentos da Disney à qual o filme está atrelado e termina atrapalhando. As notas no metacritic, neste ponto, estão muito mais justas e equilibradas do que as do Rotten ou IMDB que com certeza se deixaram levar demais pelo desejo por uma nova produção da franquia e se impressionaram em demasia com os acertos, esquecendo-se ou minimizando indevidamente as falhas.
Esse é o Bill que eu conheço! Hehehehe. Mas quer saber, assisti uma segunda vez ontem e gostei ainda mais do filme!
Pois é MB! Dessa vez a imagem reflete-se bem, mas acho que estou certo. 😛