Crítica | Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016)
Um conto de fadas sobre coisas quebradas, e um jovem idealista determinado a consertá-las a qualquer custo.
Deixe-me começar da seguinte forma: Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016) é espetacular. Uma história de fantasia simplesmente fabulosa e encantadora, fazendo mais do que jus à etimologia dos adjetivos aqui empregados.
Até bem pouco tempo não sabíamos o que esperar desse projeto. Para uns poderia significar apenas uma forma de seguir explorando uma das franquias mais rentáveis da cultura pop no cinema. Para quem não sabe, afinal, Animais Fantásticos e Onde Habitam é uma história que se passa no universo da franquia Harry Potter, desenvolvido pela britânica J.K. Rowling, que nesse filme atua diretamente como produtora e roteirista. Talvez muito por conta disso, e pela já bem sucedida parceria com o diretor David Yates (responsável por 4 dos 8 filmes da cinesérie Harry Potter), o resultado de Animais Fantásticos e Onde Habitam seja tão acima da média.
Rowling e David Yates conseguem nos apresentar a um esplêndido elegante misto de belle epoque com magia. O filme se passa em 1926 em uma Nova York que se desenvolve a todo vapor no embalo pós Primeira Guerra Mundial. Uma competente e elegante reconstrução de cenários e figurino associados a um design de produção e efeitos visuais deslumbrantes, provêm o contraste ideal entre um mundo que anseia desesperadamente por adentrar em uma nova era de pragmatismo e outro de magia e imaginação que insiste em permanecer. Em Animais Fantásticos e Onde Habitam essas antípodas parecem encontrar uma espécie, ainda que frágil, de ponto de equilíbrio.
Esse equilíbrio é incorporado na película através da representação do mundo dos bruxos estadunidense. A bruxaria nos EUA é controlada pelo Congresso Mágico dos Estados Unidos da América – MACUSA -, com todas as características que tipicamente marcam a relação do estado estadunidense com seus cidadãos. A linguagem da cultura burocrática, e da ampla presença do estado em quase todas as áreas da vida privada, que parece caracterizar os EUA a partir do século XX, é traduzida na película na forma de uma sociedade de bruxos significativamente mais controlada e paranóica do que a de seus pares britânicos.
Bruxaria nos EUA e os perigos sempre presentes de Salem
Um cenário que, muito por isso, faz terra fértil para uma guerra iminente entre seguidores do radical Gellert Grindelwald que ameaça perverter todas as leis de seu mundo e revelar a magia para os non-maj (como são chamados os trouxas nos EUA). E como no mundo dos non-maj um grupo de outros radicais, autoproclamados Segundos Salemnianos – em uma inteligente referência histórica e política ao icônico episódio das Bruxas de Salem -, busca a todo custo expor as forças místicas que operam nas sombras para destruí-las, nada mais justo que a MACUSA esteja em frequente estado de alerta, caçando qualquer coisa – ou criatura – que ameace romper esse equilíbrio.
E é em meio a esse cenário de extrema instabilidade que o magizoolista Newt Scamander chegará à maior cidade do mundo para uma missão muito especial. Newt tem uma maleta mágica na qual ele preserva inúmeras espécies de criaturas mágicas que ele estuda, cataloga e coleta através do mundo. Como é de se esperar, Newt será envolvido pelos eventos que transcorrem em Nova York e, em grande parte, ajudando-o agravá-los.
Tudo é apresentado com muito cuidado e atenção por Yates e Rowling, sem porém recorrer ao excesso de diálogos expositivos, que seriam muito comuns em filmes que se ocupam de apresentar um novo cenário. Provavelmente por conta dos realizadores partirem da premissa que o universo de Rowling já é bastante conhecido do grande público. Fica a impressão, assim, que em Animais Fantásticos e Onde Habitam não há tanto uma preocupação em atrair um público novo, mas simplesmente em seguir agradando seu público estabelecido. De uma perspectiva comercial essa talvez não seja uma das decisões mais acertadas, porém de um ponto de vista criativo, essa possa ser justamente uma das prerrogativas das quais uma das mais lucrativas franquias da história do cinema possa se valer, dando uma excelente lição a outras franquias similares.
Porém o que a película ganha em profundidade pelo rico cenário apresentado, acaba levando Yates a não explorar tão bem quanto poderia o desenvolvimento de algumas linhas narrativas propostas. É difícil em pouco mais de duas horas de projeção explorar com o devido cuidado tantas personagens e seus dramas. Assim, os Segundo Salemnianos ficam bastante subaproveitados em Animais Fantásticos e Onde Habitam, servindo mais como um detalhe que interliga e desenvolve duas personagens; similarmente se dá com a trama que envolve o ominoso Gellert Grindelwald que paira como uma sombra ameaçadora sobre todo o filme.
Mas talvez isso tudo seja proposital, afinal, Animais Fantásticos e Onde Habitam é na verdade uma audaciosa história de origem que já possui nada mais do quatro sequências confirmadas, pelos duas dela com datas marcadas para 2018 e 2020. Se apenas os elementos que foram lançados nesse primeiro filme forem desenvolvidos ao longo dos demais, sem dúvida alguma teremos mais uma grande saga de fantasia ganhando vida no cinema. Assim, o que poderia ser melhor aproveitado na trama, em nada compromete o resultado final da história, principalmente quando se percebe que isso ocorre justamente para que dê espaço ao que mais interessa contar: o primeiro capítulo da saga história de Newt Scamander, um dos maiores bruxos que já viveu.
A magia, acima de tudo, reside em bons atores e personagens
Animais Fantásticos e Onde Habitam, porém, se destaca acima de tudo por seus personagens e pelos ótimos atores escolhidos para lhe dar vida. O núcleo principal, formado pelo quarteto Newt Scamander (Eddie Redmayne), Jacob Kowalski (Dan Fogler), Porpentina “Tina” Goldstein (Katherine Waterston) e sua irmã Queenie Goldstein (Alison Sudol) tem uma excelente sintonia e garantem o envolvimento com a audiência necessário para dar o tom certo de emoção, aventura e pessoalidade da película.
Merece uma menção especial o trabalho de Dan Fogler que consegue desenvolver um personagem que transcende o alívio cômico funcionando também como um elo entre audiência menos familiarizada e o fantástico universo de J.K. Rowling. Sua química com a encantadora Alison Sudol garante a dupla o título de par romântico principal da película, compensando a difícil relação de reservada distância que se exige da dupla protagonista, Newt e Tina. Além disso o Jacob de Fogler funciona como a cara-metade ideal do essencialmente introspectivo Newt Scamander, um herói marcado pelos custos que se paga por ser um idealista. Sem Jacob, seria mais difícil para a audiência se relacionar com o personagem de Redmayne, provavelmente condenando à indiferença ou mesmo antipatia um dos grandes heróis que o cinema – e sem dúvida alguma o maior do universo de Rowling – produziu nos últimos tempos.
E que herói é Newt Scamander! Altruísta, determinado, sensível, cuidadoso porém profundamente atormentado. Mas acima de tudo um idealista. Um jovem acadêmico em uma cruzada: mostrar aos seres mais perigosos e mortais que já caminharam sobre a face da Terra – a raça humana – que aquilo que eles não compreendem é também cheio de vida e dignidade, não merecendo a destruição como sina. A princípio a performance de Eddie Redmayne parece repetitiva, porém, logo fica evidente, que ele foi escalado justamente para viver aquele personagem. Aos poucos o heroísmo de Scamander se sobressai a sua aparente fragilidade – que Redmayne parece ter se especializado em imprimir a seus personagens -, sem que em momento algum ele permita que as circunstâncias, por mais desafiadoras que sejam, lhes desviem de seu principal propósito.
O filme ainda conta com uma grande fauna espetacular de seres fantásticos, muitos deles que, sem dúvida alguma, conquistarão imediatamente os corações da audiência. Cada criaturinha ali apresentada além de aparentar ter uma personalidade própria, é evidentemente resultado de um bem estabelecido processo de desenvolvimento que parece ter se aprofundado em elementos como habitat, anatomia, comportamento e detalhes morfológicos dignos do trabalho de um magizoolista como Scamander e que nos fazem crer que o conteúdo de uma enciclopédia de seres mágicos literalmente saltou para a tela de cinema.
Por fim, Percival Graves (Colin Farrell), acaba exercendo uma importante função de antagonista. É difícil até classificá-lo como um inimigo, afinal ele sequer enxerga Scamander dessa forma. Graves tem sua própria agenda que, apenas eventualmente, acaba cruzando com o caminho de Newt, para o infortúnio de ambos. Porém seu estilo e imponência dão ao filme um personagem sedutor e cheio de poder, como raramente se viu na franquia Harry Potter.
No fim das contas, Animais Fantásticos e Onde Habitam, consegue superar todas as expectativas, mesmo ante o significativo peso que a relação com a franquia Harry Potter lhe impõe, e consegue nos presentear com um conto de fadas e aventura envolvente, divertida, emocionante e de encher os olhos. David Yates acerta a mão mais uma vez, mostrando que sabe como poucos transpor para o cinema o universo fantástico de J.K. Rowling. Mas acima de tudo, a história consegue cumprir exatamente o papel a que se propõe: nos apresentar novos e fascinantes personagens, nos encantar por eles, e nos fazer desejar conhecer um pouco mais da história de cada um ali. Seja bem vindo Newt Scamander!
Uma frase: Ontem, um mago entrou em Nova York com uma mala. Uma mala cheia de criaturas mágicas. E, infelizmente, algumas delas escaparam.
Uma cena: Jacob conhece o interior da mala de Newt.
Uma curiosidade: No universo de Harry Potter, o livro de Newt Scamander “Animais Fantásticos e Onde Habitam” teve sua primeira edição em 1927 – um ano após os eventos mostrados nesse filme – e logo transformou-se num sucesso colossal, bem como em um livro didático adotado por Hogwarts. Em meados da década de 1990, quando a série Harry Potter foi lançada, estava em sua 52ª edição. Scamander também tem a distinta honra de aparecer na mais famosa coleção de cartas do universo de Harry Potter, a Chocolate Frog Card.
Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016)
Direção: David Yates
Roteiro: J.K. Rowling
Elenco: Eddie Redmayne, Dan Fogler, Katherine Waterston, Alison Sudol, Ezra Miller, Ron Perlman, Colin Farrell e Johnny Depp.
Gênero: Aventura, Fantasia
Ano: 2016
Duração: 133 min.
Graus de KB: 1! – Johnny Depp e Kevin Bacon estiveram juntos em Aliança do Crime (2015)!
Poxa Pox, não achei o filme espetacular, mas talvez a carga “Harry Potter” que carrego tenha prejudicado ao resultado final.
A verdade é que foi muito mais algo relacionado às minhas expectativas do que a qualidade do filme em si. Esperava outra coisa totalmente diferente.
Tem também o seguinte: você viu no avião. Esse é o tipo de filme que funciona muito melhor no cinema.
Talvez isso tenha prejudicado sim um pouco, concordo. Mas eu realmente esperava algo relacionado mais forte aos tais animais fantásticos e um sujeito que ira “catalogá-los” do que uma aventura no melhor estilo Harry Potter. Sem Harry Potter.
Pelo menos o Choque de Cultura acertou duas vezes, primeiro em dizer que o figurino era digno de Oscar, essa foi na mosca, e segundo e não mesmo importante:
Só tem Magia Top!
Só magia top, Rogerinho.