Crítica | Aliança do Crime (Black Mass, 2015)
A diretor Scott Cooper não possui uma filmografia muito extensa, ainda assim é bastante competente no que faz. Infelizmente ele carece do talento necessário para imprimir a marca que se acostumou a ser característica de filmes de gângsteres.
Fazer filmes de gângsteres não é tão simples quanto se possa imaginar. Na mesma medida que não é fácil fazer um bom western. Contar uma boa história de gângster passa pela necessidade de saber narrar a trajetória de um anti-herói. É importante, ainda, evitar um estereótipo vilanesco, e preservar a humanidade daqueles homens que recorrem à brutalidade como ferramenta de trabalho, e muito por isso ampliar a responsabilidade pelos seus atos.
A imagem característica é a do homem que na vida de família é afável e amoroso, mas que no seu trabalho é um criminoso violento e inclemente. E tudo isso inserido em um contexto bastante específico que envolve o crime como uma forma de negócio, por vezes extremamente profissionalizado, mas que não deixa de recorrer à violência como instrumento cotidiano. Assim, talvez não houvesse imagem mais representativa desse homem do que a personificada por James “Whitey” Bulger (Johnny Depp).
Nascido e criado na violenta Southie – a zona sul da cidade de Boston, habitada majoritariamente por descendentes de irlandeses – Bulger foi um dos mais poderosos chefes da máfia irlandesa, dominando o crime em toda cidade durante duas décadas. Um personagem que de tão incrível parecia ter sido inventado pela mente de Mario Puzzo. Mas ele de fato existiu. Esperava-se que a partir de um material original tão rico, extraído diretamente da realidade, se produzisse um resultado ao menos tão proporcionalmente rico quanto. A Netflix produziu um documentário sobre a história de Whitey, para quem quiser saber mais.
A impressão que fica é que foi justamente essa riqueza de referências reais que comprometeu um pouco o resultado final de Aliança do Crime. Scoot Cooper, como afirmei acima, é um diretor competente e dirige o filme com mão firme, explorando aquilo que ele tem de melhor nas mãos: seu personagem principal. É claro que, isso só é possível, graças à maravilhosa interpretação de Johnny Depp, provando que ainda sabe atuar, quando quer. Ele sem dúvida alguma é o próprio filme. Os olhos azuis penetrantes do Whitey de Depp são de gelar a alma, em alguns momentos, e tocante, em outros, quando ele sofre pela morte de um ente querido.
O diretor, todavia, se equivoca ao optar por filmar de maneira quase similar a um documentário. O roteiro desenvolve diversas perspectivas acerca da vida do personagem e as apresenta na tela, diante de nós, sem muita criatividade na condução cinematográfica da narrativa. Falta um viés narrativo mais demarcado, que dê uma tom mais homogêneo à fita que a apresente como uma obra cinematográfica coesa, o que ao fim nos deixa com a impressão de que assistimos um corte único de uma mini-série de três ou quatro episódios. Em suma, apenas contar a história de Whitey Bulger de forma fidedigna talvez funcione para um documentário, mas para adaptação cinematográfica com atores interpretando aquela história, espera-se e se necessita de um pouco mais.
Hollywood aprendeu a explorar isso muito bem, e com excelentes resultados. O Poderoso Chefão (1972) ,Os Bons Companheiros (1990) , Cassino (1995) , Os Infiltrados (2006) e Estrada Para Perdição (2002) são ótimos exemplos disso e, não por acaso, obras-primas do cinema. Além de retratar da maneira mais fidedigna possível em uma obra de ficção uma realidade existente, essas obras se destacam também por discutir temas relacionados aos seus personagens e às narrativas que acabam por torna-las mais significantes enquanto trabalhos de arte.
O Poderoso Chefão trata da saga de uma família e do peso que um filho deve assumir para manter o legado de seu pai. Os Infiltrados trata de corrupção em seu sentido mais essencial, perda da identidade, desespero e morte em vida. Estrada para a Perdição trata, bem, da perdição e do amor de um pai pelo filho e da herança que ele lhe deixa. Todos são filmes fortes e que nos tocam profundamente. Pois a arte se vale da realidade brutal e estarrecedora para construir algo maior. Não necessariamente uma mensagem edificante, longe disso, mas ao menos um todo coeso que faça algum sentido. E é isso que falta à Aliança do Crime. E quando a fita é posta em contraste com seus pares do gênero, bem, ela se vê bastante ofuscada.
Claro, haveria quem pudesse afirmar que o sentido de Aliança do Crime é justamente mostrar as relações espúrias que se firmam entre o aparato de segurança, o estado e o crime. Temos bons elementos para isso, é fato. Um agente do FBI carreirista, um Senador dos EUA irmão de um notório criminoso e o referido criminoso como um dos mais violentes, inteligentes, poderosos e peculiares – Whitey chegou até mesmo a financiar e contrabandear armas para o IRA em apoio à causa de libertação da Irlanda do Norte – representantes do seu tempo. Mas esses elementos não são bem trabalhados, promovendo um resultado bastante linear, de pouco profundidade e sem qualquer nuance.
Isso fica evidente no subaproveitamento do excelente elenco de apoio que conta com nomes como Benedict Cumberbatch, Peter Sarsgaard, Corey Stoll, Dakota Johnson e (quem mais!) Kevin Bacon. Todos eles funcionam com pouca ou nenhuma relevância e densidade na trama. Tampouco se esclarece ou se desenvolve de maneira apropriada a relação, dentro da proposta narrativa do filme, entre duas mortes que teriam marcado profundamente a vida de Whitey.
Também fica a impressão de que o longo período que a história aborda – de meados da década de 70 a meados da década de 90 – também tenha contribuído negativamente no resultado final do filme. É necessário um narrador com a habilidade de Scorcese para conduzir um filme desse tipo que aborde tão longo período em apenas 122 minutos. Se você não é Scorcese, ou não se aproxima muito dele, é mais conveniente escolher um ponto específico da história que quer explorar e desenvolver a partir dali o que lhe interessa, como mais controle, aprofundamento e detalhamento. Assim é possível levar a uma conexão maior do público com a história, e fazê-la mais interessante e relevante.
Talvez seja o monstro da expectativa mais uma vez a me vitimar. Aliança do Crime foi, para mim, um dos filmes mais esperados do ano. Infelizmente minhas expectativas não foram muito bem satisfeitas. O fato é que objetivamente o diretor Scoot Cooper, apesar de saber filmar diálogos e dar espaço a seus atores para trabalhar, os conduzindo muito bem – como provou em Coração Louco – ainda não tem a experiência ou o talento necessário para conduzir um bom filme de gângster, a altura de outros de seu gênero.
Mas ao menos ele foi feliz na escalação do seu ator principal e foi inteligente em jogar nele todas as suas fichas. Johnny Depp segura o filme, e vale cada centavo do seu ingresso.
Título Original: Black Mass
Título Nacional: Aliança do Crime
Gênero: Biografia/Drama/História
Ano: 2015
Duração: 122 min
Diretor: Scott Cooper
Roteiro: Mark Mallouk e Jez Butterworth (a partir do livro de Dick Lehr e Gerard O’Neill)
Elenco: Johnny Depp, Joel Edgerton, Benedict Cumberbatch, Dakota Johnson, Rory Cochrane, Jesse Plemons, Peter Sarsgaard e Kevin Bacon.
Graus de Kevin Bacon: Total Kevin Bacon
O filme se vale pela história e pela atuação incrível de Depp, que estava devendo há muito tempo uma atuação convincente e fora do seu padrão bebum louco engraçaralho que vinha fazendo ultimamente.
E você disse tudo, simular Scorcese é algo impossível. 1 Bacon para Depp, 1 Bacon para a história e 1 Bacon por Kevin Bacon estar no filme.
Formou.
Eu não criei expectativa porque não sou fã de “filme de gângster”.
É um filme correto que não consegue fugir do lugar comum com destaque para a atuação de Depp.
Alguem sabe o nome do livro que deu origem ao filme? Eu procurei, mais
só achei um Black Mass que fala sobre uma sobre acontecimentos apos a
guerra fria, eu traduzi e deu nisso ( Para a década que se seguiu ao fim da guerra fria, o mundo foi embalado em um sentido que um consumista, globalizado futuro, pacífica acenou. O início do século XXI tem rudemente eliminados de tais idéias – a maioria, obviamente, a 9/11 e suas conseqüências. Mas, assim como danificar tem sido o aumento no Ocidente de uma crença de que um único modelo de comportamento político vai se tornar uma norma mundial e que, se necessário, será executada com uma arma. )
o livro é esse: http://www.amazon.com/Whitey-Life-Americas-Most-Notorious/dp/0307986551