Crítica | O Homem Cordial

Crítica | O Homem Cordial

O Homem Cordial” fala sobre a cultura do linchamento virtual em uma sociedade dominada pelo conservadorismo. O filme de Iberê Carvalho é de 2019, mas somente agora em 2023 teve lançamento comercial nos cinemas brasileiros. Apesar do tempo da realização da produção, a obra segue atual, principalmente após os 4 anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro onde a extrema-direita assumiu o comando do país. Estamos aos poucos voltando a uma “normalidade”, contudo as questões relacionadas ao lado conservador seguem fortes no Brasil.

O protagonista de “O Homem Cordial” é Aurélio (Paulo Miklos), vocalista de uma banda de rock que está de volta aos palcos. No entanto, durante a apresentação o público se revolta e começa a jogar coisas nos integrantes do grupo. Em seguida descobrimos que um vídeo viralizou na Internet com algo ruim relacionado à Aurélio.

No início o espectador fica um pouco confuso sem entender o que está acontecendo e a fotografia de Pablo Baião ajuda a passar essa sensação com uma profundidade de campo reduzida, assim não conseguimos enxergar muito além do personagem que está em frente à câmera. Além disso, utiliza planos fechados em closes nos personagens, causando uma certa claustrofobia. A maior parte do filme é filmada usando câmera na mão, que deixa o sentimento de estarmos assistindo a um documentário, o que contribui para a verossimilhança e urgência da história.

A trama se passa durante o período de uma noite enquanto Aurélio tenta entender o que está acontecendo e busca uma solução. Assim descobrimos que o vídeo o mostra defendendo um jovem acusado de um roubo enquanto um policial militar à paisana tenta deter o menino. A questão é que esse policial depois foi morto e o garoto é o principal suspeito, assim Aurélio sofre linchamento virutal acusado de “defender bandido”.

Como o menino é negro o roteiro de Pablo Stoll e do próprio Iberê Carvalho inclui na narrativa outro tema atual: o racismo estrutural existe no Brasil. Surge a personagem Helena, uma jovem jornalista negra que se junta a Aurélio para investigar o que aconteceu e a encontrar o paradeiro do jovem. A jornada dos dois pelas ruas de São Paulo conta com outras pessoas importantes, como Béstia (Thaíde), ex-integrante da banda de Aurélio que mora no mesmo bairro onde o garoto mora.

Esses outros personagens que surgem na jornada de Aurélio são importantes para tirá-lo da sua zona de conforto e da sua própria bolha social. Ele é um homem branco, então é fundamental ele ter pessoas ao seu lado com outros pontos de vista, afinal de contas o protagonista possui uma certa “ingenuidade” ao, por exemplo, não acreditar que a polícia tenha feito algo de ruim com o garoto. Inclusive esse é outro tema importante discutido por “O Homem Cordial”: a violência policial.

Dessa forma, “O Homem Cordial” se torna um filme que discute temas atuais e importantes. O roteiro não busca fornecer respostas para as questões e sim uma reflexão do espectador acerca dos assuntos abordados. A cultura do linchamento virutal é o tópico principal, mas os elementos que surgem em segundo plano se tornam os principais, acrescentando diversas camadas ao longo-metragem.


Uma frase: – Béstia: “Meu irmão, esse mundo visto dos seus olhos de branco deve ser lindo.”

Uma cena: A abertura do filme mostrando o show da banda e as pessoas jogando coisas no palco.

Uma curiosidade: Para escrever o filme, os roteiristas pesquisaram sobre a origem e os casos contemporâneos de linchamentos (virtuais e/ou físicos), sobre os casos de violência policial que tiveram crianças como vítimas, sobre o racismo estrutural e também sobre o rock brasileiro dos anos 1980.


O Homem Cordial

Direção: Iberê Carvalho
Roteiro: Pablo Stoll e Iberê Carvalho
Elenco: Paulo Miklos, Thaíde, Dandara de Morais, Thalles Cabral, Theo Werneck, Fernanda Rocha, Bruno Torres, Murilo Grossi, Mauro Shames, Felipe Kenji, Tamirys O’Hanna e André Deca
Gênero: Drama, Suspense
Ano: 2019
Duração: 83 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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