Crítica | Triângulo da Tristeza

Crítica | Triângulo da Tristeza

Em “Triângulo da Tristeza” o diretor Ruben Östlund apresenta uma sátira fascinante sobre o mundo dos “super ricos” em um tom bem similar ao visto recentemente na série “White Lotus”. A diferença é que a abordagem de Östlund é mais focada nos europeus e fala sobre outros temas, como o mundo da moda. Além disso, o cineasta e roteirista é mais ácido na construção da narrativa, deixando claro os elementos de crítica social da sua trama.

O filme é muito bem estruturado em três atos. O primeiro é responsável por apresentar os dois protagonistas: Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean). Os dois são modelos, mas ela também é influencer. O relacionamento dos dois tem um certo nível de toxidade de ambas as partes. Ele tem sua masculinidade abalada por questão de dinheiro, pois ganha menos e ainda assim paga a maioria das contas do casal. Quando ele tenta conversar sobre isso e moça desconversa, depois ela admite seu lado manipulador. A cena na qual eles discutem em um elevador e a porta dele continua fechando, atrapalhando os “argumentos” do rapaz que insiste que não é sobre dinheiro, é divertida e constrangedora. Esse momento define bem o tom da narrativa.

Esse início também serve para fazer uma crítica à sociedade através do mundo da moda. É curioso notar como apesar de Carl ter participado de uma campanha de marketing bem-sucedida, seu sucesso efêmero não o poupou de ter que participar de uma seleção para um novo trabalho. Notamos as diferenças entre a publicidade para uma empresa mais popular, onde os modelos devem se apresentar sorridentes, enquanto a de outra marca mais elitista é necessário mostrar os homens com uma cara blasé, indiferente ao mundo ao seu redor.

O segundo ato é o mais longo e sem dúvidas é o que deixa claro qual a temática principal de “Triângulo da Tristeza”. Ele se passa dentro de um iate de luxo e somos apresentados a um novo grupo de personagens. Logo percebemos a dinâmica onde os passageiros cheios de dinheiro estão o tempo todo fazendo reclamações absurdas ou fazendo pedidos fora do comum, como uma solicitação para que todos os funcionários tenham que “se divertir” descendo um tobogã (que é utilizado no caso de emergências para sair do iate). Mais hilário e sintomático sobre o comportamento dos “super ricos” impossível.

O clímax e grande momento do filme acontece durante o jantar da tripulação com o Capitão do Iate, interpretado de maneira excelente por Woody Harrelson. O diretor de fotografia Fredrik Wenzel utiliza muito bem o plano holandês, que é quando vemos uma angulação um pouco inclinada da imagem, para mostrar a ondulação do iate. Não demora para que os tripulantes passem mal e comecem a vomitar, onde Ruben Östlund utiliza de maneira muito inteligente elementos da escatologia.

Essa cena é angustiante, caótica e extremamente divertida na satirização dos personagens. Pois é justamente em momentos como esses que não adianta ser rico, você vai vomitar e passar vergonha da mesma forma que os outros “reles mortais”. É fascinante a forma como Östlund constrói esse momento de forma lenta e interessante, mostrando como a maioria dos hóspedes da embarcação demoram em aceitar a situação trágica que se apresenta ao seu redor, como se eles de alguma forma achassem que não seriam afetados.

Depois de tudo isso, “Triângulo da Tristeza” ainda nos apresenta um terceiro ato para fechar com chave de ouro a sua sátira e crítica social. Agora vemos um grupo reduzido de personagens em uma situação ainda mais complicada, onde eles têm que colaborar entre si para sobreviver. Mas o que, por exemplo, uma modelo e influencer tem para oferecer para os outros? Eis que surge a melhor personagem do filme que é Abigail, interpretada de forma brilhante por Dolly de Leon, que é uma cozinheira do iate. Como ela é a única que sabe fazer coisas básicas para sobreviver, como pescar e cozinhar, ela assume o posto de “capitão” do grupo. É aí que Ruben Östlund deixa ainda mais clara sua opinião sobre os “super ricos” e a famosa meritocracia. Quando tiramos o “fator dinheiro” vemos que esse tipo de “conceito” não serve para nada, apenas cria uma enorme ilusão dentro da sociedade. E assim a obra de Östlund mostra toda a sua inteligência e brilhantismo, fechando sua narrativa em alto nível.


Uma frase: – Júri de Casting: “Você pode relaxar seu triângulo de tristeza? Como entre suas sobrancelhas aqui? Um pouquinho mais. OK. E abra a boca para parecer um pouco mais disponível. OK, não muito, um pouco menos.”

Uma cena: O jantar da tripulação com o Capitão do iate.

Uma curiosidade: As cenas do iate foram filmadas no Cristina O, o antigo iate da família Onassis. A equipe teve apenas nove dias para filmar, o que custou muito dinheiro, e as filmagens terminaram um dia antes de outro lockdown entrar em vigor. O diretor Ruben Östlund admite que, se tivesse acontecido alguns dias antes, não sabe como teriam conseguido terminar o filme.


Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness)

Direção: Ruben Östlund
Roteiro: Ruben Östlund
Elenco: Harris Dickinson, Charlbi Dean, Dolly de Leon, Zlatko Burić, Iris Berben, Vicki Berlin, Henrik Dorsin, Jean-Christophe Folly, Amanda Walker, Oliver Ford Davies, Sunnyi Melles e Woody Harrelson
Gênero: Drama, Comédia
Ano: 2022
Duração: 147 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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