Crítica | Anna (2019, de Heitor Dhalia)
Qual o limite da relação entre um diretor e seu elenco, com o objetivo de tirar dos atores o melhor de suas atuações? O filme “Anna”, de Heitor Dhalia, aborda esse tema através da figura de Arthur (Boy Olmi) e Anna (Bela Leindecker). Ele é um diretor de teatro consagrado, mas que tem fama de ser difícil de trabalhar, enquanto ela é uma atriz iniciante. A peça escolhida por ele é uma das famosas e adaptadas no mundo: “Hamlet”, de William Shakespeare. A trama também faz diversas referências à obra do dramaturgo inglês, enquanto acompanhamos os ensaios para a peça e o desenvolvimento da relação entre a dupla de protagonistas.
O filme de Heitor Dhalia não apresenta grandes inovações em sua história, já que no cinema o limite dessa relação entre diretor e ator (ou professor e aluno) já foi abordado diversas vezes. “Anna” também discute o conceito de arte e da busca obsessiva pela perfeição através da figura de Arthur, que não mede esforços para tirar o melhor do seu elenco. O problema é que para isso ele abusa do poder de diretor para em muitos momentos humilhar as pessoas, mas segundo ele apenas em nome da arte.
O foco principal é a relação entre Arthur e Anna, logo um relacionamento de poder entre um homem e uma mulher. As coisas que ele faz são bastante questionáveis e reprováveis, então é nesse ponto que surgem questões conflitantes no filme de Heitor Dhalia. Para o diretor de teatro é necessário que os atores entreguem um sentimento verdadeiro em suas atuações, dessa forma é preciso que exista dentro deles algo que faça com que isso se torne verossímil. Por exemplo, ele diz que Anna tem a ingenuidade de Ofélia, da peça Hamlet, mas não teve nem a desilusão, nem uma obsessão amorosa por alguém. Assim, o homem resolve construir isso na moça, tudo em nome dessa “perfeição artística”.
Dessa forma, Heitor Dhalia constrói sentimentos conflitantes no espectador. Por um lado ele tenta entender o esforço de Arthur em busca do melhor para sua peça, mas por outro suas atitudes são totalmente reprováveis. Em pleno 2021 ainda vemos diversas mulheres presas em relacionamentos abusivos, sejam amorosos ou no trabalho, então abordar esse tema não é algo fácil. Em “Anna” não fica claro o que Dhalia quer dizer, se ele aprova ou não o comportamento de seu protagonista, além de contribuir para outros problemas como a objetificação feminina.
Por outro lado, na parte técnica o filme é interessante ao explorar planos fechados que focam na importância do trabalho corporal dos atores. Cada detalhe de suas expressões é captado, valorizando suas atuações. Dhalia faz um filme sobre teatro e dentro desse universo explora as técnicas de cinema para valorizar a narrativa. Então o movimento de câmera e a montagem dão um ritmo mais ágil, para que não parecesse ser apenas uma peça filmada.
Outro ponto importante é o trabalho dos atores, principalmente Boy Olmi e Bela Leindecker. Olmi transforma Arthur em uma figura multidimensional, então apesar de seu comportamento abusivo tentamos entender o seu lado humano e suas motivações. Já Leindecker mostra todo o desenvolvimento de Anna, começando como uma mulher tímida e frágil, se transformando através da relação com o diretor da peça.
Em síntese, “Anna” tem um resultado positivo ao apresentar uma discussão interessante sobre a obsessão em torno da perfeição e quais os limites da arte. Ainda que não fique claro na obra de Heitor Dhalia que o comportamento de Arthur seja reprovável, o filme deixa a cargo do espectador chegar a essa conclusão. Talvez tenha faltado na trama explorar melhor o passado do personagem e o motivo da nova tentativa do diretor de teatro em montar novamente a peça “Hamlet” e porque a anterior não deu certo.
Uma frase: – Arthur – “Lembre-se, você é o príncipe, mas o rei sou eu.”
Uma cena: A festa na casa de Arthur.
Uma curiosidade: Filme selecionado para a competição de longa de ficção da Première Brasil no Festival do Rio 2019.
Anna
Direção: Heitor Dhalia
Roteiro: Nara Chaib Mendes e Heitor Dhalia
Elenco: Boy Olmi, Bela Leindecker, Gabriela Carneiro da Cunha, Tulio Starling, Nash Laila, Lucas Andrade, Naruana Costa, Gabriela Miziara, Sílvio Restiffe, Giulia Ouro, Nara Chaib Mendes, Carcarah, Carlos Morelli, Eduardo Pelizzari, Artur Maia, Aurea Maranhão, Daniel Aureliano, Daniel Passi, Duda Carvalho, Flow Kountouriotis, Inês Soares Martins, Isamara Castilho, Renan Ferreira, Tainá Medina, Tássia Dur e Vinicius Teixeira
Gênero: Drama
Ano: 2019
Duração: 106 minutos
É lamentável que atualmente os “críticos” de cinema sejam mais militantes que qualquer outra coisa, e querem impor sua ideologia nos filmes que são produzidos
É lamentável que atualmente o “público” do cinema na Internet seja mais “militante” que qualquer outra coisa, e quer impor sua “opinião” nos textos que são produzidos que não condizem com sua “ideologia”.