Crítica | Game of Thrones – 8×06: The Iron Throne

Crítica | Game of Thrones – 8×06: The Iron Throne

O último episódio de Game of Thrones foi, como prometido, uma experiência agridoce. Porém, manteve a coerência interna na conclusão das narrativas de seus principais personagens e no próprio destino de Westeros.

[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]

Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados em The Iron Throne, o sexto e último episódio da oitava temporada de Game of Thrones.

#GoT (S08E06) – The Iron Throne

Terminar uma história talvez seja mais difícil do que iniciá-la. E, embora haja sempre muita expectativa envolvida, não se deve julgar uma narrativa apenas pelo seu fim; e certamente, em hipótese alguma pela satisfação pessoal.

Dito de outra forma, é possível não gostar de determinado resultado e, ainda assim, reconhecer sua qualidade. Ao revés, atrelar o julgamento estético exclusivamente ao gosto pessoal para aquilatar o valor de uma obra artística é incorrer em um sério equívoco de um subjetivismo voluntarista que parece ser muito típico do século XXI. Então, como avaliar uma obra artística? De fato, não há uma resposta certa para essa questão (embora seja certo que há muitas respostas erradas). De minha parte, na posição de crítico – que deve buscar certa objetividade que o diferencie da posição de simples espectador – busco avaliar uma narrativa, dentre outros elementos, a partir da sua coerência interna.

Em sentido geral, Game of Thrones atendeu maneira satisfatória ao critério da coerência narrativa interna. Há, sem dúvida, desenvolvimentos que colocariam essa afirmação à prova, como por exemplo, os de Jamie e Cersei; ou mesmo a criticada mudança de Arya no penúltimo episódio, bem como tantos outros envolvendo personagens menores. Trata-se do já conhecido problema de execução que assombrou as temporadas escritas sem o texto dos livros de Martin como base. Sem dúvida algo que incomoda, e com razão. Porém, quando se observa a série como um todo, a excelente execução das primeiras cinco temporadas em muito compensa os problemas das três últimas.

Também, há um imenso e compreensível sentido de frustração, por parte da audiência. Mas esse é, como sugerido acima, um outro aspecto que, necessariamente, não interfere na avaliação da coerência interna. Uma narrativa pode frustrar expectativas, inclusive intencionalmente, e ainda assim ser bem estruturada. Aliás, esse é um dos grandes trunfos da narrativa de Martin. O outro é subverter arquétipos e modelos típicos de certo gênero literário e assim deslocando a audiência da zona de conforto. E isso é demonstrado com muita sinceridade por Martin à sua audiência desde a morte de Ned Stark. As crônicas de fogo e gelo, assim, terão desde o princípio a frustração de expectativas como um de seus principais artifícios. Nem sempre a frustração dessas expectativas vem com a morte cruel de personagens – como muitos passaram a compreender o sentido da obra de Martin; algumas vezes a frustração pode vir pela não realização entregue a determinado personagem como previamente desejado pela audiência.

Outra forma de se tratar essa questão é reconhecer que, mais importante do que o fim é a jornada. E uma boa narrativa deveria ser analisada não apenas a partir de suas últimas páginas, mas pela totalidade do livro. E é também inegável que a jornada de Game of Thrones em muito supera os controversos resultados de suas duas últimas temporadas. Mais do que isso, há coerência na jornada de seus principais personagens.

Por mais que o final de Daenerys venha a provocar um sentimento de frustração em seus fãs – como eu – não é exatamente correto afirmar que o mesmo não fez sentido. Uma melhor execução talvez tenha deixado as coisas mais claras para os menos atentos – e é lamentável que os criadores tenham que recorrer a diálogos expositivos através de Tyrion para demarcar bem isso -, mas a verdade é que as pistas sempre estiveram lá. A obsessão de Daenerys pelo poder, que tem no trono de ferro sua principal forma fetichóide, foi aquilo que sempre a conduziu; e uma narrativa que tem no poder seu principal tema não poderia deixar de abordar a trágica narrativa da corrupção até dos mais puros por esse mesmo poder. Mas antes era preciso que amássemos esse personagem, para em seguida sentirmos sua perda. Quem se indigna com o destino de Daenerys provavelmente está respondendo de acordo com o que foi planejado pelo criador da série literária.

Raciocínio similar vale para Jon Snow. O arco de seu personagem sempre indicou um fim melancólico e solitário. Encerrar a série com o personagem, após olhar para trás, como se se despedisse de nós, para em seguida acompanhar sua partida com o povo livre para além da montanha foi um final mais do que digno para o verdadeiro filho de Ned Stark. Jon cometeu o maior dos erros que alguém que está imerso nas lutas pelo poder poderia cometer: ele fugiu do poder. E como se sabe, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. Jon precisou perder tudo, e pagar muito caro, para perceber o preço de sua omissão. Muitas vezes escolher ignorar o poder apenas satisfaz o ego de quem assim o fez, num estranho gesto de egocentrismo ou falsa modéstia em grande escala que, em grande medida, não se diferencia muito de um gesto megalomaníaco como aquele que acometeu Daenerys.

Tyrion teve também um fim apropriado para seu arco. Seu amadurecimento – e seus inúmeros erros, particularmente nessas últimas temporadas – o tornaram a pessoa certa para suportar o pesado fardo do poder. Olhando em retrospecto, o duende foi o personagem que teve um desenvolvimento dos mais surpreendentes, doloridos e tortuosos; mas também, o mais gratificante. Outro personagem que também se enquadra nessa categoria é Sansa Stark. Não pelo que ela sofreu, mas por sua capacidade de tomar a fortuna em suas mãos e forjar seu destino. Ela, sem dúvida, é a personagem mais forte de toda a trama e aquela que me surpreendi ao me perceber admirando-a. Talvez Westeros estivesse em melhores mãos se nas suas, do que nas de seu irmão mais novo. Mas o destino do Norte deveria ser outro e, se ela fosse rainha, ainda haveria sete reinos.

E Bran? O que dizer dele? Não nego que me surpreendeu a escolha do mesmo como rei de Westeros. Mas, se mais uma vez analisarmos com cuidado, há certo sentido. Há, sem dúvida, um sentido metalinguístico que outro diálogo expositivo do mesmo Tyrion fez questão de sublinhar: é a memória do que somos que nos define; sem ela não se constrói sabedoria ou se exercita razão. Mas há também uma coerência da perspectiva do personagem. Pois se Game of Thrones é a história do final de uma era do continente de Westeros contada do ponto de vista da família Stark, desde o primeiro episódio Bran é um mecanismo determinante para mover toda a trama. Tivesse ele escutado sua mãe, jamais surpreenderia Jamie e Cersei e não teria sido empurrado pela janela. Enquanto olhávamos para cavaleiros, feiticeiras, mortos-vivos e dragões, um aleijado lentamente seguia seu caminho para se tornar um rei. Sem dúvida que a atuação de Isaac Hempstead Wright não colabora muito para o quesito convencimento, mas, não chega também a ser uma tragédia.

Assim, o ponto é que, longe de ser perfeito, tampouco unânime no quesito gosto – da bastante difusa audiência – o último episódio de Game of Thrones foi bastante adequado, assim como foi seu título. O trono de ferro era, afinal, o objeto central da série. A materialização do poder dos Targaryen forjada pelo sopro de um dragão. E apenas o poder é capaz de destituir o poder. Assim, nada mais simbólico do que Drogon derreter o trono de ferro e partir com o corpo de sua mãe, marcando o fim de uma era. Um novo poder deveria nascer, não mais do fogo irascível, mas da razão e da derrota. Não mais determinado pelo sangue, pela hereditariedade, mas pela escolha dos senhores e senhoras de Westeros. Um poder nascido de um aleijado, uma coisa quebrada, e um bastardo (que embora nunca o tivesse verdadeiramente sido, também, verdadeiramente, nunca o deixou de ser).

Sim, finais são sempre difíceis. E muito raramente agradam a todos. E nem deveriam agradar. O que conta é se uma história foi bem contada, tanto observando sua execução quanto a sua coerência. E embora Game of Thrones tenha falhado em alguns momentos em sua execução, a sua coerência na maior parte do tempo foi bem preservada. E seu último episódio entregou – embora haja um legítimo campo de debate nesse sentido – um final que, embora não seja perfeito, foi bastante digno de tudo aquilo que Game of Thrones veio a representar: um dos maiores fenômenos da cultura pop e, sem dúvida, ao lado da obra de Tolkien, um marco para o gênero de fantasia na teledramaturgia.



Série: Game of Thrones
Temporada:
Episódio: 06
Título: The Iron Throne
Roteiro: David Benioff e D. B. Weiss
Direção: David Benioff e D. B. Weiss
Elenco: Peter Dinklage, Nikolaj Coster-Waldau, Lena Headey, Emilia Clarke, Kit Harington, Sophie Turner, Maisie Williams, Liam Cunningham, Carice van Houten, Nathalie Emmanuel, Alfie Allen, John Bradley, Isaac Hempstead Wright, Gwendoline Christie, Conleth Hill, Rory McCann, Jerome Flynn, Kristofer Hivju, Joe Dempsie, Jacob Anderson, Hannah Murray e Iain Glen

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

5 comentários sobre “Crítica | Game of Thrones – 8×06: The Iron Throne

  1. Concordo quando você diz que é preciso analisar o todo quando se pensa na série e, levando em conta isto, é sem dúvidas uma das maiores realizações e não sei quando outro seriado vai fazer todo mundo sentar pra ver os episódios em conjunto, ainda mais se pensarmos que estamos na era do “toma tudo de vez e assistir quando quiser”.

    Não acho, entretanto, que a solução de Bran faça algum sentido no que foi apresentado na Tv. Talvez faça quando, quando não, SE os livros forem lançados. Acredito que muitos destinos sejam os mesmos (talvez agora Martinho queira mudar alguns só pra sacanear) mas esse caminho nas duas últimas temporadas foi tortuoso e de pirar o cabeção.

    Essa temporada me trouxe poucas alegrias (e não falo no sentido de finais felizes) e muito mais decepções. Muito longe do que foi a série que gostei anos atrás e me tirava a respiração.

    Pelo menos é um capítulo encerrado e já estava mesmo precisando de um desfecho.

  2. É uma pena ver uma série que sempre teve no tempo e desenvolvimento umas das suas principais forças, precisando recorrer á pressa para ser mal finalizada. Eu não sei se realmente é culpa da falta de tempo, mas com certeza a qualidade caiu bastante e talvez por isso eu consiga aceitar um desfecho tão mal executado.

    Algumas coisas me fizeram pensar que seria mais “digno” ter encerrado a participação de alguns personagens antes, tipo Jamie (acho que seria mais digno ter morrido quando tentou assassinar “My Queen”). Já outras foram detalhes que parecem falta de atenção ou zelo, sei lá (os Dohtraki que foram “extintos” em uma batalha e retornam massivamente no último episódio).

    Levando em consideração toda a jornada, valeu a pena assistir desde o piloto vazado até aqui. Levando em consideração a última temporada que teve bons momentos, mas… achei decepcionante.

    Talvez no futuro eu tenha vontade de assistir novamente e mude de opinião

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