Review | The Flash 2×07: Gorilla Warfare
Gorilla Warfare é um dos aqueles episódios que agrada de imediato o fã do velocista escarlate por, mais uma vez, evocar uma relação com o material dos quadrinhos e por trazerem de volta um dos vilões mais ameaçadores do Flash.
O comentário a seguir contém alguns spoilers e especulações.
Se a fórmula do monstro da semana é desgastada, e seu uso em excesso, sem qualquer preocupação com a estrutura de roteiro e desenvolvimento de enredo principal e personagens, tende a comprometer o resultado final de todo um seriado, o mesmo não pode ser dito de monstros (ou vilões) recorrentes.
Vilões recorrentes, se utilizados com moderação, são legais e sempre que aparecem funcionam mais como uma atração principal do que como uma mero obstáculo a ser transposto na história. Isso porquê tendem a adquirir uma identidade, firmam relações com a mitologia de uma série e com os personagens principais e podem muito bem ajudar a enriquecer ainda mais o seriado na medida em que formam referências com diversos episódios e muito por isso reforçam e enriquecem o universo que está sendo ali desenvolvido.
Dito isso, o Gorilla Grodd é, na minha opinião, um dos mais legais vilões recorrentes da série de TV do Flash. Muito pelo fato de se tratar de uma adaptação difícil de se fazer – não é um cara com roupa de macaco ali, é um gorila imenso, feito com um CGI muito competente para um canal aberto e uma série semanal – de um dos inimigos mais interessantes do Flash. Grodd não é exatamente um membro da sua Rogue Gallery mas, em vários sentidos, é um dos mais mortais e um dos poucos capaz de fato de equiparar o Flash em poder.
Imagine um gorila, uma criatura que por si só já é mais de dez vezes mais forte e mais ágil que um homem, dotado ainda de telecinésia, telepatia, controle mental e, o que é mais perigoso, super-inteligência e um maquiavelismo de fazer inveja a Lex Luthor. Esse é Grodd. Um dos mais empolgantes adversários do velocista escarlates e um dos poucos que sabemos ser capaz de se equiparar em poder a um homem capaz de correr mais rápido que a luz.
Age of the Apes
Claro, há quem torça o nariz para um gorila gigantesco, falante e maquiavélico, andando por aí enfrentando as pessoas. Para esses pode parecer meio ridículo um personagem assim – a despeito de estarmos falando de um série de narrativas na qual o personagem principal simplesmente se move mais rápido do que a mente humana pode compreender enquanto usa um colant escarlate – mas talvez o que passe desapercebido para essas pessoas é que estamos tratando de uma linguagem que se acostumou a misturar tudo que há de mais hiperbólico no sci-fi e no pulp para produzir um resultado final coeso e de encher os olhos.
Estamos falando, enfim, da nona arte, meus caros; e principalmente da nona arte da era de prata, cheia de exageros, cores, movimento, criatividade, heroísmo, diversão e ludicidade. E há poucas coisas tão representativas da era de prata dos quadrinhos quanto o Flash e gorilas falantes. Isso porquê, por alguns daqueles mistérios do universo cuja a razão desafia uma explicação razoável, gorilas eram moda nas décadas de 50 e 60, tornando-se, inclusive, importantes representantes da cultura pop. Pense por exemplo em O Planeta dos Macacos (1968) e toda a série que dali se desenvolveu, por diversas mídias.
Nos quadrinhos a moda gorila não foi diferente. E Grodd, é importante que se diga, foi o gorila que deu certo. Muitos caíram no ostracismo, mas Grodd – e o cenário que ele carrega consigo, como Gorilla City, Solovar, e similares – se perpetuou com bastante sucesso até os dias atuais. Prova disso é a recente saga Gorilla Warfare, publicada na revista do Flash, e que serve de inspiração para o título desse episódio, funcionando como mais uma referência direta que agrada bastante os fãs dos quadrinhos.
Os irmãos Aaron e Todd Helbing, roteiristas recorrentes da série, sabem muito bem disso. Nerds de carteirinha e profundos conhecedores da linguagem dos quadrinhos e da TV, bem como do universo do Flash, sabem exatamente o que o público apaixonado pelo velocista escarlate anseia e como transpor isso com competência de uma mídia original que possui uma linguagem muito distinta da linguagem televisiva, a despeito de muitos ainda não se darem conta disso. E transpor de maneira adequada, dentre outras coisas, a linguagem dos quadrinhos para a TV significa trabalhar o desenvolvimento de personagens dentro da cadência que a mídia televisiva demanda, em um ritmo bem distinto do da nona arte.
A opção de contar a história de Grodd de uma forma bastante distinta parece indicar essa disposição de produtores e roteiristas em, acima de tudo, construir um Grodd que funcione na TV. Eles sabem afinal, que a ampla audiência que não é familiarizada com quadrinhos e principalmente com o personagem, tende a rejeitá-lo. Assim, aparentemente há um plano de construção do personagem Grodd a longo prazo, que fica bastante evidente nesse episódio.
Um herói quebrado
O enredo inicial mostra Grodd tentando entender a sua origem e buscando uma forma de reproduzir os eventos que o criaram, pois ele anseia pela convivência outros como ele, traço típico de um ser dotado de racionalidade. Para isso Grodd ataca laboratórios e se apossa de drogas que aumentam a inteligência, e sequestra Caitlin (com a qual ele possuía uma relação de relativo afeto, como mostrada em episódios anteriores) esperando que ela possa utilizar as drogas para criar outros iguais a ele.
Na série de TV a origem de Grodd está mais relacionada ao Flash Reverso e a explosão do reator de Matéria Negra. Isso cria um vínculo entre Grodd e Harrison Wells que é explorado de forma bem interessante, apesar de óbvia, nesse episódio. Com Barry lidando com problemas de auto-estima, o Flash não está disponível. Cabe então à Harry, o Harrison Wells da Terra -02, vestir o manto de herói. Ou melhor, o manto do vilão. Harrison Wells se veste como o Flash Reverso e traz de volta o homem do traje amarelo para tentar convencer Grodd a libertar Caitlin.
A jornada do herói tem pontos bem demarcados, para quem a conhece, e em séries longas como as televisivas esses pontos tendem a se repetir diversas vezes. Cair e levantar. Cair e levantar. Isso inclusive define bem o personagem Barry Allen. Mas me parece que ainda falta a Grant Gustin a experiência para convencer a audiência mais atenta acerca do tormento que o acomete. Contracenar com John Wesley Shipp, o eterno Flash da série da década de 90, ajuda um pouco, mas as cenas não conseguem ser tão bem sucedidas quanto deveriam para que aquele momento do Flash se mostre como relevante – pelo menos de maneira convincente – para a construção do personagem.
Ainda assim é gratificante perceber que os produtores da série decidiram explorar de forma mais detida a humilhação sofrida por Barry nas mãos de Zoom. Essa opção acaba reforçando o comportamento do implacável arqui-inimigo tanto em verossimilhança – se Barry não se sentisse humilhado, não faria sentido algum Zoom não tê-lo matado – quanto no aprofundamento da íntima relação de rivalidade que deve sempre ser o elo fundamental entre um herói e seu nêmesis.
Homens (de traje amarelo) e Primatas
É interessante perceber como a narrativa do Barry combalido, mais psicologicamente do que fisicamente, e com sua confiança bastante abalada, é mais o pano de fundo do que o enredo principal, deixando que Grodd e Harry comandem o show. Não que tal destaque tenha sido talvez a opção original dos roteiristas e produtores. Mas não há dúvida alguma de que Tom Cavanagh é o melhor ator em cena, e seu personagem é de longe o mais complexo, interessante e carismático. Claro, merece destaque a presença de Grodd e, mais uma vez, o excelente trabalho do diretor Dermott Downs por saber integrar tão bem um personagem criado por CGI ao episódio, fazendo-o contracenar de maneira convincente com os atores reais.
Afinal, como disse antes, é também a história de construção de Grodd, e as soluções utilizadas pelos personagens para vencer o vilão evidentemente servirão apenas para levá-lo um passo além em sua jornada. Não restam dúvidas que Grodd ficará mais inteligente e que retornará trazendo, de alguma forma, Gorilla City e talvez Solovar juntamente com ele, em um episódio vindouro, nos apresentando enfim de forma convincente para a TV, o Grodd maquiavélico e verdadeiramente perigoso que todos conhecem e amam nos quadrinhos. Mas Grodd não deixa de ser essencialmente, em termos de estrutura de narrativa, um coadjuvante e nesse episódio, não para o Flash, mas sim para o personagem que verdadeiramente rouba a cena, o Dr. Harrison Wells.
A cada episódio conhecemos uma nova camada do sempre tortuoso, irascível, impetuoso, genial… enfim, definitivamente humano, Dr. Wells da Terra-02. Toda a sua motivação é mais convincente do que a de qualquer outro personagem ali, suas reações as mais humanas possíveis e, acima de tudo, a interpretação de Tom Cavanagh é capaz de passar tudo isso de forma incrivelmente convincente, para uma série que não tem eminentemente tais tipos de pretensões artísticas. Harry é um personagem cheio de nuances e surpresas, e a cada cena dele no seriado, nos danos conta disso.
Assim, se a jornada do herói não funciona tão bem para Barry Allen nesse episódio, ela funciona muito bem para o Dr. Harrison Wells. Sua disposição em, mesmo sem poderes, colocar um traje de super-heróis e entrar em um prédio abandonado sozinho para encarar um gorila de mais de 300kg e 2,5 metros de altura, capaz de parti-lo ao meio como um palito, com seus braços ou sua mente, enquanto controla sua mente, acaba reforçando seus laços com a equipe. Se a atitude em questão foi produto de um plano maligno ou não, pouco importa para o resultado final. O importante é que o personagem cresceu muito na série nesse episódio, e se tornou um membro essencial do team flash.
Não é por acaso, a propósito, que Harrison Wells e Jay Garrick tiveram comportamentos tão similares no que tange a atitudes heróicas. Ambos vestiram seus trajes, mesmo sem poderes, e partiram para a luta. O que só reforça que, estruturalmente falando, ambos os personagens são, em alguma medida, a antípoda um do outro. E a depender do que os produtores da série planejam no longo plano para o personagem de Tom Cavanagh – se ele é apenas mais um vilão se fazendo passar por mocinho, e entra em uma aparente jornada de redenção para enganar seus inimigos, para mais tarde se revelar apenas o vilão de antes; ou se de fato estamos testemunhando o desenvolvimento de um excelente personagem, daquilo que o Harrison Wells da Terra-01 poderia ter sido se não tivesse sido morto por Eoabard Thawne; a depender da linha que se opte por seguir, bem, isso tende a dizer muito sobre a posição que Jay Garrick ocupará no que diz respeito às relações com Zoom.
E ainda sobre Zoom…
A propósito, sobre a identidade de Zoom, vale a pena compartilhar uma teoria maluca – além daquela que já compartilhei semana passada – que me veio assistindo ao episódio. Claro, é bem improvável, mas não deixa de ser bem legal. Assim, não custa nada falar. (Já se eu estiver certo, de outra sorte, é o equivalente a ganhar na mega-sena acumulada!).
Assistindo a cena entre Barry e o Dr. Allen, e levando em consideração toda a estrutura narrativa da jornada do herói – e também o fato de estar muito imerso na nossa Maratona Star Wars – fiquei imaginando o pai do Flash tirando a máscara de Zoom e mandando um célebre: “Barry, I am your father.“
Ok, num primeiro imaginei isso apenas como uma ideia divertida. Mas depois comecei a ponderar uma série de questões, principalmente o fato de estarmos lidando com terras paralelas e também de que nem uma referência ainda foi feita à família Allen da Terra-02. Ora, imaginemos então o seguinte: e se na Terra-02 quem morreu foi Barry, e isso por algum motivo levou seu pai de lá a se tornar o obcecado Zoom. Pode até ser meio forçado, mas até que faz sentido.
E aquele apertar de mãos entre o Dr. Allen e o Dr. Wells (essas figuras paternas de Barry…) apenas fortaleceu essa sensação. Como se ali estivessem dois homens que ocupam espaços diametralmente opostos na vida do Flash, apesar de um deles não saiba disso, ainda.
Série: The Flash
Temporada: 2ª
Episódio: 07
Título: Gorilla Warfare
Roteiro: Aaron Helbing e Todd Helbing
Direção: Dermott Downs
Elenco: Grant Gustin, Candice Patton, Jesse L. Martin, Carlos Valdes, Danielle Panabaker, Shantel VanSanten, Tom Cavanagh, Ciara Renee e John Wesley Shipp.
Exibição original: 10 de Novembro de 2015 CW
Graus de KB: 2 – John Wesley Shipp atuou em The Sector (2015) com Gail Cronauer que esteve em JFK – A Pergunta que Não Quer Calar (1991) com Kevin Bacon.
Belo texto… ainda não vi os episódios seguintes, então se estiver ultrapassado, desconsiderem. Mas a teoria do Zoom ser o equivalente do pai do Barry na outra dimensão tem um problema (ainda que eu tenha adorado a possibilidade): ele seria tão frio assim com o que seria uma versão de seu filho, a ponto de mandar um monte de gente matá-lo e, depois, humilhá-lo como o fez no episódio anterior? Será que ele seria tão irredutível assim?
Obrigado pelo comentário, Paulo. Bom, vamos lá, ele pode ter enlouquecido. E na mente distorcida dele ele estaria de alguma forma ajudando o filho, fazendo-o ficar mais forte, com os ataques e desafios. Mas reconheço que é uma especulação bem frágil. Já tenho outras teorias. Siga lendo! Gostoso mesmo é especular. Hehehehe. Abraços.
Pode ser, seria uma boa justificativa mesmo, ainda que arriscada, já que o Tubarão-Rei, por exemplo, poderia ter matado o Barry em uma condição normal. Só um cara muito doido mesmo pensaria que estaria ajudando, mas são todos assim… hehehe. Preciso ver o novo episódio ainda, mas vou continuar acompanhando seu trabalho sim. Mais uma vez, parabéns!
O chiqueiro agradece. Apareça mesmo e traga também suas especulações para nos divertirmos todos. Abraços.