Review | The Witness
O ano era 2008, e a “sétima geração” dos consoles de videogame começava a esquentar. Foi um ano que ficou marcado não só pelos grandes lançamentos triplo A, como GTA IV ou o novo Metal Gear Solid, mas também como o início da “era de ouro” dos jogos independentes. O carro chefe dessa era? Um singelo jogo de plataforma 2D chamado Braid.
Para você que não estava no planeta naquele ano, ou não tinha o menor interesse por games e não sabe o que é Braid: um simpático joguinho que se disfarçava de mais um clone de Mario na casca, mas por dentro era um suculento emaranhado de jogabilidade engenhosa (a mecânica principal do jogo era retroceder no tempo para resolver puzzles), temas complexos e adultos (como obsessão e relacionamentos), e um extremo esmero artístico (até hoje é um dos mais lindos jogos em duas dimensões). E além disso, foi a fagulha que incendiou o movimento indie: sucesso de crítica e de vendas, elevou ao status de celebridade e gênio seu criador, Jonathan Blow.
A arrecadação que Blow teve com seu primeiro jogo o permitiu dar um passo além e trabalhar em um projeto muito mais ambicioso. Anunciado em 2009 e levando sete anos para ficar pronto, The Witness passou por diversas alterações em seu ciclo de desenvolvimento, sendo constantemente alterado e refeito para chegar ao produto que o perfeccionista Blow havia vislumbrado originalmente. Durante este ciclo, muito pouco foi revelado sobre a obra.
Mas o que é, exatamente, The Witness? Como Braid, essencialmente pode-se dizer que é um jogo de quebracabeças. Da mesma forma que, em uma observação mais superficial, seu jogo anterior poderia ser comparado com um primo distante do encanador da Nintendo, este aqui parece prestar tributo ao Myst, clássico dos PCs dos anos 90. Nessa obra dos primórdios do CD-ROM, o jogador explorava uma ilha deserta resolvendo puzzles, e é exatamente isso que você faz no novo trabalho de Blow. Mas as semelhanças param por aí: The Witness é um dos jogos mais profundos e cheios de camadas que já vi – e olha que se trata de um jogo que mal tem uma narrativa tradicional para tentar te contar uma história.
A premissa dele é que você está solto nessa ilha estranha, sem saber como foi parar lá ou qual seu objetivo, e à medida que explora, vai se deparando com vários “painéis” eletrônicos, que parecem telas de LCD, onde você precisa traçar uma rota do ponto A ao ponto B em um plano quadriculado.
Sim, é isso mesmo: todos os quase setecentos puzzles espalhados pela ilha tem este mesmo princípio, e sua interação com eles limitase a clicar com o primeiro botão do mouse no começo do traçado e ir desenhando a rota com o curso até o final do grid. E, por favor, acreditem quando eu digo: é um dos jogos mais complexos e cativantes que já tive a oportunidade de jogar.
Essencialmente porque todos os quebra-cabeças tem alguma espécie de variação, ou regra, que modificam a maneira que você deve pensar e resolver os enigmas. Algumas regras são bastante simples, outras extremamente sofisticadas. Mas aí vem o grande twist do jogo: não existem tutoriais, manuais, textos ou help. Você tem que aprender sozinho como cada quebra-cabeça, cada regra, cada mecânica funciona. E vou dizer pra vocês: é uma das experiências mais prazerosas que já encontrei em um videogame.
Blow revelou em uma entrevista que o jogo foi desenhado para que o player tenha epifanias ao encontrar as soluções. E é exatamente isso que The Witness te proporciona em todas as trinta e poucas horas que levam para completar o jogo principal. Os painéis, muito simples no começo, mas que vão ficando mais complexos aos poucos, são criados de propósito para fazer o jogador “empacar” em vários momentos. Nessas ocasiões eu não fazia a menor ideia nem sequer de como começar a traçar a rota. Mas os conceitos do jogo ficam na sua cabeça, e quando você menos espera a ideia para a solução te atinge como um raio. Houve situações em que eu, no meio da jornada de trabalho (desculpa, chefe) tive um insight e comecei a rabiscar uma solução, para chegar em casa e ver que era exatamente aquilo que eu tinha pensado; em outras, acordei no meio da madrugada compreendendo uma nova regra obscura que o jogo estava tentando me ensinar. É quase como aprender alemão da noite para o dia.
Esses momentos de eureka, que não são poucos, são o cerne do jogo. É indescritível a sensação de prazer de resolver um enigma que há duas horas atrás parecia completamente insolúvel e incompreensível. The Witness teve a façanha de me fazer me sentir mais inteligente do que realmente sou.
Além disso, o jogo traz pra si e para os jogadores a discussão de temas como: “o que é conhecimento?”, “qual a importância do aprendizado?”, “por que as pessoas devem abrir mais a cabeça, tentar enxergar além do óbvio?”. O jogo também tenta discutir religião, ciência, perseverança e fé, mas sem adotar uma postura explicitamente pró ou contra. Em inúmeros audio logs, vídeos e mesmo ambientes encontrados no jogo, esses temas e essas ideias são apresentadas, mas sem tentar impor nada. Você, como jogador, deve absorver o que é dito e tentar tirar suas próprias conclusões. Eu mesmo tenho pensado bastante em algumas ideias que o game apresentou, mas ainda não tenho um conceito totalmente formado.
Finalmente, encerro dizendo que The Witness não é um jogo para qualquer um. É complexo, difícil, exigente. Porém, em momento algum é frustrante. Não houve nenhum dos quase quinhentos puzzles obrigatórios que solucionei que não o tivesse conseguido fazer sozinho. Hora nenhuma precisei recorrer a uma solução na internet ou “roubar” de alguma forma. E em momento algum fiquei frustrado – todo o processo até a busca de determinada solução foi bastante edificante.
Porém, se você não se intimida com puzzles difíceis e busca uma experiência diferente. The Witness é pra você. É um dos jogos mais belos, profundos e intrigantes que já tive o prazer de experimentar. E é absolutamente inesquecível.
***Classificação***
The Witness
Plataformas: PC, PS4. Gênero: Indie, Puzzle, Aventura Desenvolvedor: Thekla, Inc. Lançamento: 26 de janeiro de 2016 Modo de jogo: 1 jogador (single player).
Dario Lima não sabe cozinhar feijão, andar de bicicleta e nem assobiar usando os dedos, mas pode ser ouvido quinzenalmente no podcast Cavaleiros Que Dizem Lista
Vai entrar na lista, depois de Ori and the Blind Forest e Life is Strange hehehe.
Diria que na minha lista ainda teria que terminar Braid antes de ver este, mas já estava interessado há tempos.
Depois de ler esse texto vou ter que alterar a prioridade na minha interminável lista de games que preciso conhecer.
Eu sou um sujeito meio tapado e, como tal, fico intimidado com puzzles.
Porém, curto jogos indie e o texto está tão empolgado que eu não tenho como não dar uma olhada nesse The Witness.
Pois é, Alberto. Infelizmente, o passe de Dario é muito caro e não conseguimos contratá-lo em definitivo!
Qual dos comentaristas regulares Alberto? Me informe que preciso demití-lo antes de contratar o Dario
Chefe, não sei se o orçamento comporta pagar um aviso prévio e mais a contratação de Dario. Tem que ver com o Departamento Financeiro.
hahahahaha calma, era só pro Alberto achar que a gente ia mesmo levar em consideração
Rapaz, tem um tal de mario bastos ai que não gostou do deadpool. Tb teve gente falando mal de Willow, já podia começar por ai 🙂
Ah sim, estes 2 já estão com o famoso bilhete azul aqui na POCILGA, é apenas questão de tempo. Um está errado na vida, Willow é minha magia de infância e Deadpool, é desde já, um dos filmes mais divertidos de 2016. Difícil alguém superar