Crítica | A Própria Carne
O Brasil tem problemas em enfrentar o próprio passado, e isso se reflete na baixa produção de filmes de terror (apesar de termos o mestre do gênero: José Mojica Marins e o seu Zé do Caixão). Isso foi algo dito pela diretora Gabriela Amaral Almeida na coletiva de imprensa do seu filme “A Sombra do Pai” no Festival de Brasília em 2018. Vemos isso também no fato de termos poucos filmes sobre a Ditadura Militar. Assim é sempre bom ver o quanto o cinema brasileiro é diverso e nos últimos anos temos visto produções do gênero. Esse é o caso de “A Própria Carne”, do diretor Ian Sbf.
Ian é um diretor versátil e apesar de vir do mundo do Porta dos Fundos, também dirigiu obras de drama como “Entre Abelhas”. É interessante vê-lo agora explorar o terror.
A trama de “A Própria Carne” usa a Guerra do Paraguai, que ocorreu entre 1864 e 1870, como pano de fundo. Acompanhamos um grupo de 3 soldados desertores do conflito que buscam abrigo. Eles encontram uma casa no meio da floresta e pedem ajuda ao fazendeiro dono do lugar, que é uma figura extremamente misteriosa. A história se desenvolve dentro do local e na tensão entre os soldados, o dono e a filha dele.
O grande destaque é o personagem do fazendeiro, interpretado por Luiz Carlos Persy (mais conhecido como seu trabalho de dublador). Ele é uma figura verborrágica e que nunca deixa clara suas reais intenções. Mas é claro que ele tem suas razões para ser desconfiado, afinal de contas ele mora com a filha e a presença de 3 homens desconhecidos é um fator de perigo para ele, ainda mais por ele ser um senhor de idade.
No entanto, acompanhamos a narrativa do ponto de vista dos soldados e fica claro que existe algo de estranho naquela casa. O design de produção ressalta bem a precariedade e o mistério em torno do lugar, como um bom filme de terror. A fotografia explora planos fechados, focando nas expressões faciais dos atores, onde vemos a tensão dos soldados. Além disso, ressalta a opressão da residência.

Outro elemento importante é a trilha sonora, que ressalta bem o clima de tensão e mistério. Ouvimos temas quase o tempo todo, com muito uso de violinos para destacar a inquietude da situação.
Assim, o filme desenvolve sua trama em torno dessa tensão entre os personagens e usa elementos da realidade brasileira como pano de fundo da história, por exemplo a já citada Guerra do Paraguai, onde os soldados desertores eram mortos se fossem capturados. O próprio horror da guerra já é o suficiente para demonstrar o desespero dos soldados em querer fugir daquilo, apesar dos riscos. Outro ponto importante é a escravidão, que só acabou em 1888, e o racismo, visto que um dos soldados é negro.
Contudo, nem sempre o roteiro desenvolve bem a narrativa. A parte envolvendo a filha do fazendeiro e sua relação com um dos soldados não contribui tanto para a trama. Além disso, no terceiro ato o filme parece um pouco perdido em como mostrar o mistério em torno do fazendeiro e principalmente em como encontrar um desfecho. Pode ser alguma metáfora em relação à guerra, mas é um pouco exagerada e quase chega a comprometer o resultado.
Mesmo assim, “A Própria Carne” é um bom filme e que funciona em criar momentos de terror e tensão através do mistério em torno da casa e a situação dos soldados. Apesar de alguns problemas o saldo é positivo. E é sempre bom ver obras cinematográficas de terror brasileiras e que usam temas da própria história do país para ancorar sua narrativa.

Uma frase: – Fazendeiro: “Todos vocês morreram no momento em que abandonaram aquele campo de batalha.”
Uma cena: Quando o grupo de soldados chega na casa.
Uma curiosidade: O filme é coprodução entre o site Jovem Nerd e Neebla Filmes e foi lançado com exclusividade na rede Cinemark de cinemas.

A Própria Carne
Direção: Ian Sbf
Roteiro: Deive Pazos, Alexandre Ottoni e Ian Sbf
Elenco: George Sauma, Pierre Baitelli, Jorge Guerreiro, Luiz Carlos Persy e Jade Mascarenhas
Gênero: Terror
Ano: 2025
Duração: 90 minutos
