Crítica | Angela (2023)
O podcast Praia dos Ossos, produzido pela Rádio Novelo, explorou de forma impressionante o caso do assassinato de Ângela Diniz, que ocorreu no dia 30 de dezembro de 1976. Um detalhe interessante constatado pela apresentadora Branca Vianna era encontrar a voz de Ângela, pois não existia vídeos dela, a não ser o áudio de um comercial. Assim o filme “Angela” de Hugo Prata funciona como uma maneira de dar voz e imagem a Diniz, mesmo que de maneira ficcional.
O roteiro de Duda de Almeida acerta ao escolher um recorte da vida de Ângela Diniz e foca em como ela conheceu Raul Street e o relacionamento entre eles até o desfecho trágico. Isis Valverde está muito bem no papel de Diniz e mostra toda a passionalidade da mulher, assim como seu lado melancólico e frágil, e do sentimento de culpa por não estar perto dos filhos de seu primeiro casamento. Já Gabriel Braga Nunes apresenta Street também como uma pessoa passional e que se apaixona rapidamente por Ângela, mas ao mesmo tempo não consegue controlar sua impulsividade e sentimentos de ciúmes exagerados e obsessão, reflexos de uma sociedade extremamente machista.
“Angela” explora bem o relacionamento dos dois, especialmente essa parte passional, com cenas de sexo bem quentes, mostrando o desejo forte entre eles. Contudo, a fotografia desses momentos não usa cores quentes, preferindo utilizar tons azuis e iluminação escura, lembrando ao espectador que apesar do sentimento forte existe algo de errado com a relação entre Ângela e Raul.
Outro ponto importante é mostrar Ângela como uma mulher que gostava de aproveitar a vida e do quanto era julgada por seu comportamento libertário. As cenas nas festas que a mostram dançando são interessantes, pois a forma como Raul a olha deixa claro essa mistura de sentimento entre o desejo e o repúdio.
O filme também explora a relação de Ângela com outras mulheres, passando por sua melhor amiga, a empregada da sua casa e a sua mãe. Isso é importante para mostrar como cada uma delas enxerga a protagonista de uma maneira diferente. A mãe sabe que ela está sofrendo e sendo injustiçada pelo ex-marido, mas não luta por ela porque não quer deixar de ter contato com os netos. Já a amiga a vê como um exemplo por ser uma mulher desejada pelo parceiro, algo que ela não tem. A doméstica é a que encontra mais sororidade, apesar do início arredio da relação entre as duas e é justamente por se identificarem que se entendem.
A montagem torna o ritmo do filme ágil e com cortes secos dita a passagem do tempo de forma natural, muitas vezes fazendo com que o espectador nem sinta. O importante é focar na relação de Ângela com Raul e o tempo serve para que ela aos poucos perceba que o desejo que existe entre eles não é saudável pelo comportamento machista e agressivo dele.
Em síntese, por mais que “Angela” acrescente pouco à história de Ângela Diniz, o filme de Hugo Prata coloca um pouco mais de luz e importância sobre esse crime cometido contra ela. E é um ótimo exercício de dar uma voz a ela (e tantas outras mulheres), mesmo que de maneira ficcional.
Uma frase: – Ângela: “Não bota a mão em mim.”
Uma cena: A abertura do filme que mostra Ângela Diniz chegando em uma festa.
Uma curiosidade: Os produtores decidiram não se referir ao personagem de Raul, que na vida real levava o apelido de Doca Street, como “Doca” no filme. De acordo com o roteirista Duda de Almeida, seu famoso apelido pode ter soado uma forma muito amigável de se referir a ele.
Angela
Direção: Hugo Prata
Roteiro: Duda de Almeida
Elenco: Isis Valverde, Gabriel Braga Nunes, Bianca Bin, Emílio Orciollo Netto, Chris Couto e Carolina Manica
Gênero: Biografia, Drama, Policial
Ano: 2023
Duração: 99 minutos