Crítica | A Praga

Crítica | A Praga

Quem diria que após a morte de José Mojica Marins em 2020 nós teríamos a oportunidade de assistir a mais um filme do cineasta? Eis que em 2023 chegou aos cinemas “A Praga”, filmado em 1980, mas que só foi finalizado em 2021. É impossível falar sobre essa nova obra de Mojica sem comentar sobre os percalços para que esse média-metragem fosse finalizado.

Isso inclusive é apresentado no curta “A Última Praga de Mojica“, exibido antes do média-metragem. Em 1967 Mojica rodou um especial de tv de mesmo nome, mas o episódio foi perdido em um incêndio. Tem quem diga que na verdade a emissora reaproveitou as fitas para gravar outros materiais. Em 1969 a história foi adaptada para os quadrinhos desenhada por Nico Rosso. Mojica tinha muito apreço pela trama, então anos depois, em 1980, ele decidiu filmar novamente “A Praga”. Filmado em Super-8, o cineasta não conseguiu arrumar dinheiro para finalizar o filme, então os rolos de filmagem ficaram perdidos até 2007.

Foi então que o produtor Eugenio Puppo através da Heco Produções decidiu pegar o material filmado e finalizar. Só que as imagens não tinham som, então tiveram que assistir e montar uma história através delas. A hq foi usada como um parâmetro na criação do roteiro. Uma pessoa foi contratada para fazer leitura labial e assim escrever os diálogos, que depois foram dublados por outros atores. E realizaram novas filmagens para complementar a história. Somente em 2021, após a morte de Mojica, que “A Praga” foi finalizado com som e efeitos. Vale a pena ler esse texto da Folha de São Paulo que conta mais sobre esse processo de produção.

O resultado mantém o estilo da filmografia de Mojica, tanto na temática quanto na estética. O estilo de filmar é visceral, apesar das restrições orçamentárias. E o tema fala mais uma vez sobre pessoas que desafiam o desconhecido. Já o personagem Zé do Caixão surge apenas como um apresentador da história e narrador da trama, que aparece em alguns momentos para pontuar e comentar sobre o que é visto na tela.

O protagonista da história é Juvenal (Felipe Von Rhine), que é casado com Marina (Sílvia Gless), e que gosta de tirar fotos. Um dia o casal passeia pelo interior e Juvenal decide tirar foto de uma senhora idosa “esquisita”. Ela não gosta e se revela ser uma bruxa, rogando uma praga no rapaz. Ele inicialmente não acredita e faz desdém dela, mas logo começa a sofrer os efeitos da maldição. Inicialmente tem pesadelos e depois mudanças de comportamento que assustam a sua esposa. Para completar, uma ferida surge em sua barriga, deixando-o ainda mais atordoado.

O tom da narrativa mistura um pouco de surrealismo com psicodelia, comuns na filmografia de Mojica. O psicodelismo é ressaltado um pouco de forma involuntária através das falhas na imagem, ocorridas devido ao desgaste do tempo. O importante era não “atualizar” o filme, para que ele não perdesse a sua essência e autenticidade. 

Já a trilha sonora é bem interessante ao usar bateria para causar um ritmo de desconforto que surge à medida que avançam os efeitos da praga em Juvenal. Em outro momento a trilha usa batidas de candomblé de forma clichê, mas necessária para a cena no qual o protagonista vai em um terreiro em busca de uma cura para a praga.

Em síntese, “A Praga” é um filme para os fãs da filmografia de José Mojica Marins, que manteve a essência da visão do cineasta para concluir a obra. O trabalho de finalização deste média-metragem é louvável para salvar um pedaço da história do cinema brasileiro. E foi uma honra ter o prazer de assisti-lo em uma sala de cinema.


Uma frase: – Zé do Caixão: “Você acredita no sobrenatural? Ou é dessas pessoas que procuram brincar e desafiar o desconhecido?”

Uma cena: Quando Juvenal come Marina.

Uma curiosidade: Filmado em 1980 era considerado perdido, mas foi encontrado no lixo. Permaneceu inacabado por quase 20 anos, até ser recuperado, restaurado e finalizado pelo produtor Eugenio Puppo em 2007. A versão definitiva de A Praga, com nova montagem e efeitos, teve estreia mundial no Festival de Sitges, na Espanha, em outubro de 2021.


A praga

Direção: José Mojica Marins
Roteiro: Rubens F. Luchetti
Elenco: José Mojica Marins, Felipe Von Rhine, Sílvia Gless e Wanda Kosmo; vozes de Luah Guimarãez, Débora Muniz e Eucir de Souza
Gênero: Terror
Ano: 1980, 2021
Duração: 52 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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