Crítica | Passagem (Causeway)

Crítica | Passagem (Causeway)

Participar de uma guerra é capaz de trazer traumas psicológicos que podem atormentar o resto da vida. Já vimos alguns filmes e séries de tv que tratam do assunto, mas a diretora Lila Neugebauer conta uma história um pouco diferente ao mostrar o ponto de vista de uma personagem feminina. Em “Passagem” acompanhamos a jornada de Lynsey (Jennifer Lawrence) em sua recuperação física e aos poucos descobrimos mais sobre sua vida.

O roteiro de Ottessa Moshfegh, Luke Goebel e Elizabeth Sanders, inspirado no livro “Red, White, and Water” de Sanders, é inteligente por não mostrar imagens sobre o período de Lynsey no exército. Além disso, prefere naturalmente apresentar durante a construção da narrativa os detalhes do que ocorreu com a protagonista. Assim descobrimos de forma orgânica sobre a personagem e sua recuperação é apresentada de maneira mais verossímil.

O que chama a atenção inicialmente e que é comum em histórias sobre pessoas que voltam da guerra no exército americano é o descaso da instituição com seus ex-combatentes. O fato dos EUA não ter um plano de saúde gratuito para a população também agrava a situação. Assim Lynsey usa seu próprio dinheiro em sua recuperação, então ela se vê obrigada a retornar para a casa da mãe e voltar a trabalhar para ter condições de seguir com o tratamento.

Esse retorno para casa é o primeiro detalhe diferencial da trama de “Passagem”. Era de se esperar que voltar para sua terra natal e ter apoio da família faria bem para Lynsey, mas não é isso que acontece. Descobrimos que na verdade a ida para o exército era uma fuga, então voltar é ter que lidar novamente com traumas passados, talvez até mais profundos e marcantes do que o ocorrido na guerra.

Por outro lado, essa volta para casa apresenta uma surpresa para Lynsey, que é o início de uma inesperada amizade com James Aucoin (Brian Tyree Henry). É no desenvolvimento da relação entre os dois que surge o grande potencial narrativo de “Passagem”. Inicialmente eles não têm quase nada em comum, contudo eles são duas pessoas com grandes feridas causadas pela vida e isso faz com que esse relacionamento se aprofunde.

Assim a história funciona graças a química entre Lawrence e Tyree Henry, que entregam grandes atuações. Jennifer mostra a evolução de Lynsey em sua recuperação, apresentando as dificuldades motores iniciais da personagem, assim sua performance é mais física. Quando a relação dela se inicia com James é que a atriz fica mais à vontade para mostrar o lado mais humano.

No entanto, é Brian quem tem a oportunidade de ir mais além ao mostrar um aprofundamento brilhante de James, apresentando um homem multidimensional onde ao expor cada nova camada o personagem ganha ainda mais vida. O ator mostra uma incrível versatilidade e que sem dúvidas é um dos mais talentosos da atualidade. O sentimento de culpa que ele carrega tem uma complexidade impressionante, que é muito bem desenvolvida tanto pelo roteiro quanto por Tyree Henry.

Passagem” é um filme que poderia facilmente cair no melodrama, mas felizmente a diretora Lila Neugebauer foge dessa armadilha e nos entrega uma história humana e emocionante. A sensibilidade da cineasta somada ao roteiro e o elenco são os grandes diferenciais do longa-metragem.


Uma frase: “Seria bom ter alguém por perto. Tomar café junto de manhã. Fumar à noite. Fazer o jantar às vezes.”

Uma cena: Quando Lynsey e James tomam banho de piscina juntos.

Uma curiosidade: O filme foi filmado no verão de 2019, mas só foi lançado em 2022.


Passagem (Causeway)

Direção: Lila Neugebauer
Roteiro: Ottessa Moshfegh, Luke Goebel e Elizabeth Sanders
Elenco: Jennifer Lawrence, Brian Tyree Henry, Linda Emond, Jayne Houdyshell, Stephen McKinley Henderson e Russell Harvard
Gênero: Drama
Ano: 2022
Duração: 92 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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