Crítica | A Baleia (The Whale)
Charlie (Brendan Fraser) é um professor acometido por depressão e compulsão alimentar que está prestes a perder a vida por complicações de saúde após ter alcançado um estágio grave de obesidade. Assombrado pelo passado de rompimentos familiares e devastado pela perda brutal de um grande amor, o protagonista dessa história decide tentar se reconciliar com a filha adolescente Ellie (Sadie Sink). Em “A Baleia“, o diretor Darren Aronofsky – famoso por produções como Cisne Negro e Mãe – retrata os últimos dias do solitário Charlie, ao lado de sua única amiga Liz (Hong Chau), com a participação inusitada do missionário religioso Thomas (Ty Simpkins) e da ex-mulher Mary (Samantha Morton).
O drama visceral é um estudo profundo de personagem que alterna cenas grotescas e impactantes com diálogos duros e sensíveis. Indicado em três categorias do Oscar 2023, a produção deve ser consumida com cautela devido aos diversos gatilhos que pode gerar na audiência. Com cenas propositalmente incômodas e exageradas, que detalham a rotina de um corpo com mais 250kg, o filme parece querer transmitir, sem sutileza, todo o pesar (sem trocadilhos), a angústia emocional e grande parte da dor física vivenciada no dia a dia por pessoas com obesidade severa.
A produção é controversa no tratamento do tema e, a depender da interpretação, flerta com a gordofobia, mesmo que a pretexto de humanizar o personagem. O formato quadrado do filme e a ambientação claustrofóbica conectam fotografia com a narrativa, expandindo para fora da tela o psiquismo de Charlie, indo além da fobia social, da ausência de autoestima pela dissociação de corpo e mente, da culpa pelos erros do passado. O longa propõe um debate moral que perpassa questões sobre fé, caráter, humanidade e gênero. São muitas camadas de sofrimento que tangenciam a mente ora ingênua ora perversa do professor, algoz e vítima de si mesmo e da sociedade.
Numa cultura que idealiza corpos inalcançáveis e marginaliza pessoas fora desses cruéis padrões estéticos, uma frase de Charlie faz refletir. Quando perguntado sobre como acabou engordando a um ponto de não retorno, ele responde de forma simples e direta que “as coisas saíram do controle”. Cai por terra, nesse diálogo, o discurso falicioso de que basta “ter vontade” para se ter um corpo magro, equivocadamente, associado à saúde. O filme escancara como a sociedade invisibiliza e desumaniza pessoas gordas. A mortalidade desse grupo também se dá em razão da falta de acolhimento.
A emoção verossímel da interpretação de Brendan Fraser transborda, principalmente, quando o ator contracena com a equilibrada e experiente Hong Chau e se fortalece no frescor surpreendente da entrega da jovem Sadie Sink. Em seus melhores momentos, o protagonista busca na literatura e na poesia o refúgio para suas crises de falta de ar, parecendo negociar silenciosamente com sua inevitável finitude, clamando por um fôlego extra a tempo de conseguir localizar na personalidade cruel e rebelde de sua filha um sopro de afeto e compaixão.
O medo de Charlie não era da morte. Ele receava, na verdade, que sua única “obra” deixada no mundo, a sua única filha, herdasse somente o desamor e a raiva por ter sido abandonada pelo pai. A aparente fraqueza e falta de coragem do personagem acuado emocional e fisicamente é colocada à prova em seus últimos momentos de vida. O professor encontra forças para, literalmente, se reerguer pela salvação de sua filha. E assim o roteiro frio, denso e devastador faz a redenção de seu protagonista, a partir da metafórica releitura do clássico romance Moby Dick.
Representação do corpo gordo
A principal problemática do longa é a forma depreciativa com a qual a câmera do diretor lança seu olhar sobre o corpo gordo. Há certo exagero de cenas escatológicas. Darren Aronofsky tem tradição em ser controverso nesse aspecto e em A Baleia, o cineasta persegue com certa obsessão uma caracterização monstruosa e repugnante do personagem, que pode incitar e reforçar ainda mais o preconceito contra pessoas gordas, indo na contramão do politicamente correto.
Uma frase: “Preciso saber que fiz uma coisa certa na minha vida!”
Uma cena: O diálogo final de Charlie com sua filha.
Uma curiosidade: Para caracterização de Charlie, o ator usou próteses que variavam de 22 a 136kg. Também foi usado CGI em algumas cenas.
A Baleia (The Whale)
Direção: Darren Aronofsky
Roteiro: Samuel D. Hunter
Elenco: Brendan Fraser, Sadie Sink, Ty Simpkins, Hong Chau e Samantha Morton
Gênero: Drama
Ano: 2022
Duração: 117 minutos
Esse filme pra mim é mais um tipo de obra que nos faz lembrar da importância de um país ter um plano de saúde gratuito para a população. E a atuação do elenco é brilhante, é o grande diferencial do filme.
Ler sua análise me fez compreender porque o nome dessa página é “Pocilga”.
Não cometerei o erro de voltar aqui outra vez!
Pocilga é de onde vc escreve, meu chapa… se liga