Crítica | Aftersun (2022)

Crítica | Aftersun (2022)

É interessante quando tentamos nos lembrar de alguma memória passada, que nos traz um sentimento que mistura nostalgia, alegria e melancolia. Essa é uma boa maneira de definir “Aftersun”, filme da diretora Charlotte Wells. O longa-metragem escrito por ela é inspirado em uma viagem que ela fez na infância com o pai e é fascinante como a obra evoca muito bem a sensação de volta no tempo.

Outra forma também de enxergar “Aftersun” é como se fosse uma sessão de terapia onde através do filme a diretora assume que o espectador é o seu psicólogo e através da sua obra ela coloca para fora um sentimento pessoal do passado para entender melhor o que aconteceu. Na prática é isso que acontece com a protagonista Sophie, interpretada na sua versão jovem por Frankie Corio e adulta por Celia Rowlson-Hall, que aparece pouco na tela.

Interpretar o filme de Charlotte Wells como se fosse a evocação de uma memória ajuda a entender a estrutura narrativa da obra. Nem sempre tudo que aparece segue uma linha cronológica constante, mas na maior parte do tempo a sensação é estar vendo uma história comum. Basicamente temos uma trama que fala da relação entre pai e filha, mas a maneira como Wells conta isso é bonita, poética e minimalista. A forma como ela usa os recursos técnicos é muito eficaz em transmitir para o espectador o sentimento que ela quer passar.

A trilha sonora de Oliver Coates é brilhante em criar um clima melancolia e ao mesmo tempo um pouco de estranheza, como se a diretora não soubesse exatamente que o que está sendo exibido na tela aconteceu daquela forma, pois a ideia é justamente passar a sensação de que é uma lembrança. A escolha de músicas também é muito boa, que além de auxiliar na imersão da época, os anos 1990, elas ajudam no sentimento de nostalgia, além de contribuir para incluir elementos na narrativa através das letras.

Já a montagem de Blair McClendon é interessante ao incluir na narrativa momentos em que parece que estamos dentro de uma festa em um ambiente escuro, depois voltando para a naturalidade da história. Essas cenas servem também para criar o sentimento do estranhamento e mais uma vez ajudar na evocação da sensação de estarmos assistindo um sonho, ou melhor, uma lembrança.

Contudo, “Aftersun” só funciona mesmo por causa da dupla de atores Paul Mescal e Frankie Corio. É impressionante a química entre eles e como eles conseguem dar verossimilhança à relação de pai e filha entre os personagens. Cada um deles transmite, através de pequenos detalhes na construção de Calum e Sophie, como é o relacionamento deles.

O momento em que ela faz uma pergunta inocente sobre como o pai imaginava aos 11 anos de idade (a atual idade dela) que estaria fazendo quando fosse adulto é curioso pela reação dele, que evita responder pois quer que a viagem de férias entre eles seja apenas divertida. Descobrimos que o motivo disso é justamente a distância entre os dois e de como passam pouco tempo juntos, daí a urgência em focar apenas nos momentos alegres.

No entanto, o que percebemos é que na verdade existe algo de errado com Calum, que ele não quer deixar transparecer para a filha. Até mesmo explicar o que houve para estar com o pulso machucado ele é incapaz. Assim o que notamos é que, apesar de que para Sophie criança tudo parecia normal, ao refletir sobre o período ao se tornar adulta ela se dá conta de que algo não estava bem com o pai, mas para protegê-la preferiu omitir o que ocorria. A fotografia é inteligente nesse ponto ao mostrar o personagem muitas vezes isolado no canto da tela, oprimido pelos elementos da cena, como os móveis do quarto do hotel.

Aftersun” também usa o recurso dos personagens estarem com uma câmera analógica para misturar essas filmagens com a “realidade”, mais uma vez com o intuito de transmitir ao espectador a diferença entre o que foi filmado e o que realmente aconteceu. Dessa maneira, a diretora mostra um pouco a distinção entre a forma que lembramos de certos momentos e o que ocorreu de verdade. A fotografia se destaca mais uma vez quando vemos o reflexo dos personagens na imagem da tela da tv, justamente para retratar a dualidade dessa sensação da evocação da memória.

Em síntese, “Aftersun” apresenta uma trama tradicional e muito explorada no universo do cinema ao mostrar uma relação entre pai e filha. O grande diferencial é o ponto de vista da diretora Charlotte Wells que mostra uma sensibilidade muito boa, além de ótimos recursos técnicos somados às grandes atuações dos protagonistas que fazem um enorme diferencial no resultado final do longa-metragem.


Uma frase: – Sophie: “Você nunca se sente cansado e triste, e sente como se seus ossos não funcionassem. Como se você estivesse afundando.”

Uma cena: Quando Sophie sai sem o pai com um pessoal um pouco mais velho que ela.

Uma curiosidade: De acordo com Paul Mescal (Calum) em uma entrevista recente, ele e Frankie Corio (Sophie) passaram duas semanas antes das filmagens em um hotel resort de férias juntos para formar o vínculo necessário para retratar o relacionamento pai-filha assim que as filmagens começaram.


Aftersun

Direção: Charlotte Wells
Roteiro: Charlotte Wells
Elenco: Paul Mescal, Frankie Corio e Celia Rowlson-Hall
Gênero: Drama
Ano: 2022
Duração: 101 minutos 

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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