Resenha de Livro | Friday Night Lights
Meu primeiro contato com a história de Friday Night Lights foi com o filme homônimo de 2004. Entusiastas do futebol americano podem encontrar coisas boas nessa experiência, mas a verdade é que ele está longe de ser um grande filme.
As coisas melhoraram bastante com o seriado de 2006. Esse sim conseguiu em 5 temporadas apresentar a essência do que é o futebol americano do high school em uma cidade do Texas. Com personagens interessantes vivendo dramas particulares, com atuações de nível de Emmy e com cenas dinâmicas dos jogos em si, tivemos algo que ainda hoje é lembrado com carinho pelos fãs e que costuma fazer parte de listas de melhores seriados de todos os tempos.
Eis que resolvi ir atrás do material original. O livro Friday Night Lights foi um projeto muito pessoal e corajoso do jornalista H. G. Bissinger. No final dos anos 1980 ele decidiu passar uma temporada com um time de futebol americano do ensino médio do Texas e o resultado se transformou numa obra que captura com maestria toda a obsessão da cidade pelo esporte.
O que vimos no seriado é basicamente só a superfície de tudo o que esse livro mostra. Bissinger se preocupa com todas particularidades imagináveis que envolvem esse esporte e as expõe de forma honesta e contundente.
Para vocês terem uma ideia, ele fez uma pesquisa sobre a História da própria cidade onde as coisas acontecem para nos fazer entender melhor a perspectiva de tudo. Conseguimos ter uma noção dos inúmeros problemas dessa cidade chamada Odessa e de como o futebol servia como uma válvula de escape para muitos.
Quer dizer, o que a torcida queria não era o mero entretenimento de um bom jogo de futebol e sim vitórias, mais especificamente o título estadual.
A pressão por um bom desempenho no campeonato era gigantesca e isso afetava os jogadores das mais diversas maneiras.
Bissinger escancara vários problemas da cidade e do colégio. A diferença de investimento entre a educação e o programa de futebol era ofensiva, comprovando o que realmente importava para eles.
Em relação a educação, muitas vezes elogiamos os americanos por fazerem seus atletas completarem o ensino médio e superior, mas a verdade é que muitas vezes tudo é feito nas coxas. Claro, é melhor ter um diploma do que nada, só que esses atletas costumam ter diversas regalias e ganham quase tudo de mão beijada, inclusive a nota necessária para serem aprovados.
Talvez a atitude mais corajosa e importante de Bissinger foi denunciar o racismo incrustrado nessa sociedade, algo que se refletia também no futebol. Naquela época muitos não tinham qualquer receio em botar para fora seus pensamentos racistas e testemunhamos situações bem dolorosas e revoltantes nesse sentido. O autor foi extremamente crítico quanto a essa característica podre de parte da população de Odessa e até correu perigo por isso.
Friday Night Lights também se concentra em alguns jogadores específicos e revela histórias pessoais comoventes que fazem parte da vida de qualquer atleta. A que mais me marcou foi a do running back estrela Boobie Miles. Ele era a alma do time e foi o responsável direto por várias vitórias, mas uma grave lesão o fez perder espaço e o levou ao ostracismo. Num dia você é paparicado por seus feitos no campo, no outro você se torna irrelevante. Esse acaba sendo o destino de muitos, infelizmente.
O livro aborda uma temporada completa do time e as descrições dos jogos são bem empolgantes, principalmente para quem conhece o esporte. Bissinger nos permite sentir o êxtase da torcida com um touchdown impossível ou o desespero causado por uma interceptação em um momento derradeiro.
Mas talvez o grande destaque de Friday Night Lights é revelar como esses jovens mimados e tratados como deuses muitas vezes se perdem na vida quando as luzes de sexta-feira à noite ficam no passado. Bissinger cita diversos exemplos de antigos jogadores tomando atitudes erradas e se ferrando no mundo real.
Friday Night Lights nos convida a fazer parte deste universo bem peculiar, cheio de falhas e tradições um tanto ignorantes, mas também com demonstrações de camaradagem e atos de altruísmo. Ao longo de suas 400 e poucas páginas experimentamos um misto de emoções e percebemos o poder que o futebol exercia naquele povo. A escrita de Bissinger, ainda que acessível e direta, faz da trama algo grandioso, quase mítico.
O fato é que é difícil entender tamanha loucura por algo que deveria ser apenas diversão. De qualquer forma, um capítulo escrito vários anos depois revela que as coisas mudaram em Odessa e o interesse do povo já não é tão grande assim. Outros esportes, a internet e um leque maior de opções de entretenimento na cidade fizeram com que muitos deixassem de comparecer no estádio na sexta à noite. Provavelmente, foram em busca de escolhas mais saudáveis.
Título: Friday Night Lights
Autor: H.G. Bissinger
Editora: Addison-Wesley
Páginas: 419
Ano: 1990