Review | Jack Ryan – 1º Temporada

Review | Jack Ryan – 1º Temporada

Jack Ryan foi criado por Tom Clancy como uma tentativa de explorar um aspecto mais próximo do que seria a realidade do mundo da espionagem. A intenção, claramente, era romper com o paradigma criado por James Bond nos cinemas.

Assim, o personagem apresentado nos romances de Clancy se destacava por sua mente analítica, resolvendo crises praticamente de trás de sua escrivaninha. A ação – ou pelo menos a ação frenética que caracterizou principalmente o cinema que explorou o subgênero de espionagem – deveria ser a exceção. E quando lançado na ação, deveria ser a capacidade de Ryan de analisar perfis que faria a diferença, fazendo a escolha certa de palavras ou atos no momento preciso, e assim salvando o dia.

A primeira adaptação para cinema de Jack Ryan conseguiu ser bastante fiel à proposta de Clancy. Em Caçada ao Outubro Vermelho (1990) – talvez a melhor adaptação do personagem até hoje – Alec Baldwin personifica Jack Ryan, o analista que consegue impedir uma guerra nuclear graças a sua capacidade de prever as intenções de um comandante de submarino nuclear soviético vivido por Sean Connery (ironicamente um dos mais famosos de todos os Bond).

Jack Ryan, foto

Após isso se seguiram quatro novas adaptações de Ryan com três outros atores encarnando o personagem, nenhum deles pouco famoso. Harrison Ford viveu Ryan em Jogos Patrióticos (1992) e Perigo Real e Imediato (1994). Em seguida foi a vez de Ben Affleck em A Soma de Todos os Medos (2002), e Chris Pine em Operação Sombra: Jack Ryan (2014). Esses dois últimos, tentativas de atualizar o personagem para o mundo contemporâneo pós 11 de Setembro, foram ambos relativos fracassos. Assim, parecia loucura tentar repetir uma terceira vez a mesma empreitada.

Felizmente John Krazinski e Carlton Cuse pensavam diferente. Cuse, com farta experiência como produtor de TV se uniu a Krazinski e conseguiram ter sucesso onde outros falharam. Renovaram o mais famoso personagem de Tom Clancy e o introduziram devidamente no complicado cenário da espionagem do século XXI.

É evidente que não se trata mais do personagem pensado por Clancy. Em tempos de Homeland, The Americans, Berlin Station e Counterpart, retratar algo próximo da realidade das agências de inteligência não é mais exatamente um apelo original. Cuse sentia que embora fosse importante preservar o lado cerebral de Ryan, era também preciso colocar o personagem no centro da ação. Para isso, a escalação, ele sabia, era fundamental. John Krazinski, nesse sentido, foi um verdadeiro achado.

Conhecido por seu perfil em séries de comédia como The Office (há até uma piada feita por Stephen Colbert muito divertida nesse sentido), Krazinski vem surpreendendo em produções como Um Lugar Silencioso (2018). Em Jack Ryan ele vai além e mostra que é um ator de ação melhor do que a maioria, ao passo que é capaz de manter um perfil cerebral que poucos teriam capacidade de projetar com tanta naturalidade. Além disso, Krazinski é competente o suficiente para criar um Jack Ryan denso e atormentado pelos erros e culpas passado os quais sempre os impele a se arriscar mais e mais, sem perder, porém, uma certa leveza. Por tudo isso a encarnação do ator, embora não seja exatamente fiel ao personagem criado por Tom Clancy, é sem dúvida uma de suas melhores versões.

Jack Ryan, foto

Mas a série não é apenas isso. A trama de Jack Ryan é bem construída e, principalmente, muito bem conduzida. Os oito episódios da série tem um ótimo ritmo que mantém o espectador sempre atento e interessado pelo próximo episódio. Quase toda filmada em locações, a série passa pela Europa, Oriente Médio e pelos EUA, contando ainda com uma produção de nível cinematográfico tanto em matéria de efeitos visuais, quanto de fotografia e efeitos sonoros. Diretores de destaque na TV e cinema como Morten Tyldum (O Jogo da Imitação (2014)), Patricia Riggen (Os 33) e Daniel Sackheim (Better Call Saul, The Americans, The Walking Dead) assinam os episódios.

A série conta ainda com um excelente elenco além de John Krazinski, como Abbie Cornish, vivendo o interesse romântico e futura esposa – se os livros forem seguidos nesse sentido – do personagem título, Wendell Pierce como James Greer – papel que já foi de James Earl Jones -, o mentor de Jack Ryan, e Ali Suliman como o antagonista. Todos são um pouco responsáveis também pela qualidade e ritmo da série. Durante cada episódio nos é possível se identificar com cada um deles e se empatizar com suas interpretações.

Cabe ainda mencionar como a série busca fazer algumas representações do mundo islâmico que fujam dos estereótipos. Há personagens muçulmanos de ambos os lados, e todos com motivações distintas. Há, ainda, porém, uma certa superficialidade nessas caracterizações; personagens que estão do lado do protagonistas são apresentados como muçulmanos, por exemplo, mas não há qualquer conflito significativo explorado a partir daí que possa contribuir para reduzir a imagem vilanesca com a qual os islâmicos seguem sendo tratados pela indústria de Hollywood. Mas o esforço não deixa de ser louvável.

Jack Ryan, foto

O fato da série ter apenas 8 episódios é também outro ponto positivo. Sem precisar ficar enrolando, a série aproveita cada minuto ao longo do total de oito horas para contar a história de forma direta, dinâmica e empolgante. Uma importante lição que a Netflix e outros canais deveriam aprender o quanto antes. Ao fim, temos um arco de história bem trabalhado e resolvido sem pontas soltas, e o gostinho de quero mais para a segunda temporada já confirmada. Tudo na medida certa.

Jack Ryan, da Amazon, é diversão garantida para quem é fã do gênero de espionagem ou mesmo do personagem de Tom Clancy. Krazinski está em excelente forma – inclusive física – e é bem sucedido onde Affleck e Pine falharam, se colocando lado a lado de Alec Baldwin e Harrison Ford. E mesmo com as mudanças para atualizar Ryan e o aproximar mais da ação, não seria exagero afirmar que, onde quer que esteja Tom Clancy estaria satisfeito com essa nova encarnação de seu mais querido agente, ou melhor, oficial de inteligência da CIA.


Uma frase: – James Greer: “Continue falando assim com seu chefe, é você passará o resto de seus dias atrás de uma escrivaninha.”
– Jack Ryan: “Isso é uma promessa?”.

Uma cena: Jack Ryan tem um flashback de sua época como soldado no Afeganistão.

Uma curiosidade: Diferente de outras adaptações, a série não é baseada em nenhuma das novelas de Tom Clancy. Ainda assim, é uma adaptação e atualização bastante fiel do personagem.


Jack Ryan, foto, cartazTom Clancy´s Jack Ryan

Criado por: Carlton Cuse e Graham Roland, baseado na obra de Tom Clancy
Emissora: Amazon Prime Video
Elenco: John Krasinski, Abbie Cornish, Wendell Pierce, Ali Suliman, Dina Shihabi e Amir El-Masry
Ano: 2018
Graus de KB: 2 – John Krazinski atuou em Soldado Anônimo (2005) ao lado de Peter Sarsgaard que esteve em Aliança do Crime (2015) com Kevin Bacon.

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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