Crítica | Fragmentado (Split)
Apesar de M. Night Shyamalan ser um diretor de talento, o estrondoso sucesso de seu primeiro filme minou sua capacidade de realizar bons filmes. Isso fica claro em “Fragmentado“, cujo principal problema é o roteiro. Ainda que este tenha uma boa premissa, a história não consegue ter um final interessante.
Já dizia Francis Ford Coppola: “a pior coisa que pode acontecer a um diretor de cinema é fazer um filme pretensioso que não consegue alcançar sua pretensão”. Shyamalan lida com esse problema até hoje. Em “Sexto Sentido”, ele criou o inesquecível plot twist “I see dead people”, em “Corpo Fechado” ele também conseguiu um ótimo resultado mas, infelizmente não conseguiu repetir o sucesso em outras produções, apesar de usar a mesma fórmula para filmes: criar uma expectativa e, no final, mostrar que a verdade é outra, com uma reviravolta derradeira.
Na história, James McAvoy vive um homem com um transtorno de personalidades múltiplas: 23 para ser mais exato, sendo que a 24ª está querendo aparecer. Ele sequestra 3 meninas sem que o espectador saiba, ao certo, o que ele pretende. Para a psiquiatra de McAvoy, Dra. Karen Fletcher (Betty Buckley), a condição do rapaz é um dom. O trauma que causou a doença não é revelado, mas o transformou em uma espécie de “super humano”. Cada personalidade é independente e isso fica visível quando uma delas é alérgica a alguma coisa e a outra não. As identidades permanecem lutando entre si na busca de controlar completamente todas as outras e, enfim, sobressair-se.
Esse conceito é a única coisa interessante que é explorada dentro da mente do personagem. O ótimo trabalho de McAvoy faz com que as personalidades sejam muito bem distinguidas pelo público, inclusive quando uma identidade tenta imitar a outra. Trabalho difícil, especialmente porque o ator conta apenas com um figurino simples. Por isso, a voz é o principal detalhe na diferenciação de cada personalidade. Ainda que com alguns exageros, a performance do ator é um dos destaques do filme.
Apesar de ter um ótimo protagonista e uma boa premissa, Shyamalan – que também é o roteirista – tenta enganar o espectador ao criar um clima artificial de suspense. Até certa medida isso funciona e gera uma expectativa no público, mas essa expectativa nunca se concretiza, infelizmente.
O melhor exemplo disso é a cena na qual o personagem de McAvoy sequestra as meninas. As três garotas entram no carro, enquanto o pai guarda coisas no porta-malas. Uma delas está sentada no banco do carona e percebe, ao olhar pelo retrovisor, que aconteceu algo com o homem. A câmera dá um close nela, que está olhando para frente enquanto uma pessoa entra no veículo, no lado do motorista. A menina vira lentamente para o lado, criando uma expectativa artificial, para então termos a “surpresa” de ver que não é o pai que está sentado ao seu lado. Para completar, ainda acontece algo patético. A menina move, bem devagar, a mão, no intuito de abrir a porta do carro, mas surge o som que indica que a mesma está sendo aberta. Vemos a expressão de descrença do vilão – como quem diz “sério que você queria fugir assim?” – e ele aplica um sonífero na garota. Tudo isso com uma trilha sonora que só piora a situação.
Coisas parecidas acontecem durante toda a projeção. Sem jamais entregar o que pretende, o filme parece uma total enganação. Ao assisti-lo, o espectador pode sair com a sensação de tensão e suspense, mas sem saber exatamente o motivo.
A conclusão do filme é ainda mais problemática. <SPOILER> Durante o desenrolar dos fatos, é mostrado, em flashback, a infância de Casey (Anya Taylor-Joy) e revelado que a garota sofreu abuso de um parente. O vilão consegue descobrir que ela é “pura” ao notar marcas em seu corpo, e assume que a garota sofreu um grande trauma em sua vida, assim como ele. Isso faz com que ele poupe a vida da moça. A mensagem é que o sofrimento de abuso, na infância, foi algo bom, no fim das contas. Ou, ainda, que Casey é tão “danificada” quanto ele. Em qualquer uma das opções, a narrativa é simplesmente bizarra.
Para completar, a grande surpresa do filme é a aparição de Bruce Willis, reprisando seu papel em “Corpo Fechado”. A cena elucida que “Fragmentado” se passa no mesmo universo do longa citado. Confesso que sempre esperei por uma continuação do filme, mas, após esse último trabalho de Shyamalan, talvez não seja uma boa idéia. <FIM DO SPOILER>
* Texto revisado por Elaine Andrade
Uma frase: – Dr. Fletcher: “Um indivíduo com múltiplas personalidades pode mudar a química do seu corpo com seu pensamento.”
Uma cena: Quando uma das personalidades do personagem interpretado por James McAvoy tenta se passar por outra.
Uma curiosidade: Na vida real, um homem chamado Billy Milligan foi diagnosticado com múltiplas personalidades, assim como Kevin (James McAvoy). Suas múltiplas personalidades – 24 para ser exato – foi usada na defesa de crimes que ele havia cometido.
Fragmentado (Split)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: James McAvoy, Anya Taylor-Joh, Betty Buckley, Haley Lu Richardson, Jessica Sula, Izzie Coffey, Brad William Henke, Sebastian Arcelus e M. Night Shyamalan
Gênero: Terror, Thriller
Ano: 2016
Duração: 117 minutos
Shyamalan é um caso emblemático, pra mim: um grande diretor e um ótimo roteirista, mas que se perdeu no seu ego. Faz tempo que não assisto a um filme dele, confesso, mas, após assistir ao trailer de “Fragmentado”, fiquei curiosa, porque a história parece interessante. Devo assistir, mas sem criar muitas expectativas.
Porra Ramão, poucas vez discordei tanto de você quanto nessa sua crítica aqui sobre Fragmentado.
Primeiro: Acho Sinais muito bom e um dos meus favoritos do Shyamalan é o filme “A Vila” que veio bem depois.
Eu acho que aqui ele voltou a ser o que era de uma forma muito interessante. Não achei o suspense falso não, como sempre, tudo estava ali a nossa frente e não era difícil de descobrir para onde ele queria chegar.
Adorei. E a notícia sobre a continuação só melhora. Que venha mais Shyamalan!