Crítica | A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl, 2015)

Crítica | A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl, 2015)

Em um mundo onde, cada vez mais, a intolerância parece se tornar uma forma de afirmação para muitos, obras como a nova película de Tom Hooper (Os MiseráveisO Discurso do Rei) ganham em força simbólica e importância.

A Garota Dinamarquesa do título é Lili Elbe (Eddie Redmayne), a primeira transgênero a se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual para pessoas com transtorno de identidade sexual. Hooper aproveita a história real – ocorrida entre as décadas de 20 e 30 na Dinamarca, França e Alemanha – do artista Einar Wegener atormentado por uma condição que ele, ou tampouco o mundo a seu redor, compreendia para nos aproximar com delicadeza e sensibilidade de um doloroso drama humano.

Claro que o diretor não está sozinho nessa empreitada. A cinematografia do diretor de fotografia Danny Cohen (colaborador antigo de Hooper e também responsável pelo também concorrente do ano, O Quarto de Jack) se integra com precisão à narrativa – que tem como personagens principais dois artistas plásticos – evocando a todo momento enquadramentos, luminosidade e composição dignas de uma pintura. O mesmo vale dizer para o design de produção de Michael Standish e Eve Stewart e o figurino de Paco Delgado, que por sinal, receberam merecidas indicações ao Oscar.

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A Garota Dinamarquesa foi indicado ainda em duas outras categorias das mais mais importantes, melhor atriz coadjuvante e melhor ator. No papel de Lili Elbe/Einar Wegener temos Eddie Redmayne (vencedor do Oscar no ano passado por A Teoria de Tudo). Redmayne no geral está muito bem no papel. Mais uma vez ele interpreta um papel muito difícil e seu talento o leva a conseguir apresentar uma atuação que sem dúvida merece destaque.

Há alguns trejeitos que se repetem na performance do ator, quase como pequenos cacoetes, mas que no filme não chegam a atrapalhar a seu principal desafio, que ele supera e vence com significativo sucesso: nos fazer próximos dos ser humano Lili Elbe ao ponto de nos identificarmos com seu drama, por mais estranho que ele possa parecer a nós. Há quem diga, inclusive, que Redmayne é a maior ameaça ao tão merecido Oscar de DiCaprio, e, sem dúvida, a afirmação não é exagero algum.

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Mas quem mais me chamou a atenção foi mesmo a belíssima Alicia Vikander, vivendo a esposa de Einar Wegener, a artista plástica Gerda Wegener. Apenas em 2015 a atriz Sueca conseguiu emplacar três excelentes papéis em três ótimas produções: O Agente da U.N.C.L.E. e Ex-Machina: Instinto Artificial (esse último também indicado ao Oscar) além de, é claro, A Garota Dinamarquesa.

Vikander consegue imprimir força e delicadeza, determinação e temor, sempre em constante tensão, a sua personagem, que funciona como um contraponto difícil a uma personagem que, na prática, não deve se submeter à categorizações padrão de masculino ou feminino. É graças a ela somos capazes de ver Lili Elbe com os olhos de estranhamento e fascinação a um só tempo.

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O resultado final é um filme que, ao invés de meramente se escorar  em uma história real, se firma independentemente enquanto obra cinematográfica. Graças a tudo isso além de uma história verdadeiramente impressionante, somos apresentados pelo diretor a uma bela história com a qual podemos nos relacionar, a despeito de suas cores estranhas e pitorescas.

Hooper, assim, tem o mérito de nos permitir conhecer de perto uma história que para muitos seria  – como de fato ainda é – motivo de estarrecimento, e em muitos casos mesmo nojo, e ao nos colocar numa posição de intimidade, dentro das vidas daquelas pessoas. E é um mérito mesmo. Tom Hooper não estereotipa seus personagens ou sua história. A pinta, delicadamente, com cores de beleza e candura; cores algumas vezes duras, algumas vezes alegres, outras vezes suaves, mas sempre formando uma palheta absolutamente humana.

Portanto, deixe-me refrasear o que afirmei a princípio: Hooper não conta a história de um transgênero apenas. Ele conta a história de um ser humano que sofreu por ser o que era e pagou o duro preço por escolher abraçar sua essência, em um mundo completamente à dimensão de seu sofrimento e ao valor de sua luta.

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Afinal, não há dúvidas que, por um lado, é indiscutível que seja importante para milhares de pessoas trans no mundo inteiro que a história de Lili Elbe seja contada, com a delicadeza, sinceridade e beleza com que foi contada, para que enfim haja um referencial simbólico para o qual a incompreensão do mundo possa se remeter, promovendo uma melhor possibilidade de aceitação.

Por outro lado, também, é preciso compreender que o ideal seria que não houvessem rótulos, e que reconhecêssemos que antes de sermos homossexuais, heterossexuais, trans ou qualquer outra designação imaginável, somos, sempre seremos e sempre devemos ser tratados como pessoas; exatamente da forma como Hooper trata seus personagens: simplesmente como seres humanos.


Uma frase: Eu gostei de poucas pessoas em minha vida, e você foi duas delas.

Uma cena: A garota dinamarquesa se apresenta ao amigo de infância de Einar Wegener.

Uma curiosidade: Nicole Kidman chegou a ser cotada para viver Lili Elbe e Charlize Theron para viver Gerda Wegener.

 


A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl, 2015)

Direção: Tom Hooper
Roteiro: Lucinda Coxon, baseado no livro de David Ebershoff.
Elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Amber HeardBen WhishawMatthias Schoenaerts e Sebastian Koch.
Gênero: Drama, Biografia
Ano: 2015
Duração: 119 minutos.
Graus de KB: 2 – Eddie Redmayne trabalhou em Caipira (2011) com Alec Baldwin que atuou em Ela Vai Ter um Bebê (1988) Kevin Bacon.



Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

5 comentários sobre “Crítica | A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl, 2015)

  1. Achei este um filme muito importante e ele possui algumas qualidades incríveis como a questão da fotografia que emula pinturas e também as atuações muito boas da dupla da linha de frente. Ainda assim, como cinema, achei um filme morno. A classificação de 3 (Kevin) bacons de 5 é a mais justa para ele mesmo.

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