A Nostalgia Era Melhor Antigamente: Luke Cage – O Destino Marcou Sua Vida
Seja bem vindo à coluna A Nostalgia era Melhor Antigamente, na qual eu covardemente analiso histórias escritas em outro contexto e aponto incongruências inaceitáveis em um gibi sobre um homem invulnerável que de alguma maneira consegue depilar o peito.
No episódio de hoje veremos que tudo bem você ser um ditador maligno e sanguinário, desde que não seja caloteiro, e descobriremos que Luke Cage cobra bem pouco pelos seus serviços.
Luke Cage – O Destino Marcou Sua Vida
Argumento: Steve Englehart
Desenhos: George Tuska
Arte-final: Billy Graham
Publicado no Brasil em Superaventuras Marvel #28, Editora Abril e Coleção Histórica Paladinos Marvel #6, Editora Panini
Nota: dedico esse texto ao amigo Lucas Poderoso Porco, que indicou essa pérola maravilhosa no Instagram e ainda ajudou me mandando uma parte importante da história que foi suprimida na versão da Editora Abril
Nossa história começa, sem maiores explicações, com uma luta entre o Quarteto Fantástico e Luke Cage, o “herói de aluguel”.
A princípio nenhuma explicação é dada ao leitor, tudo que sabemos é que 1) Reed Richards acha que Cage “parece perigoso”; 2) o Tocha Humana tem a mira de um Stormtrooper bêbado e 3) Luke Cage tem gosto duvidoso para roupas
Somente na segunda página fica claro o que de fato está acontecendo: Luke Cage foi ao edifício sede do Quarteto Fantástico pedir uma nave emprestada e foi atacado assim que saiu do elevador porque, como visto, o líder do supergrupo achou que ele “parece perigoso”.
Não quero tirar conclusões precipitadas aqui, mas à primeira vista o que está parecendo é que o Quarteto viu um homem negro, presumiu que ele fosse perigoso e partiu para o ataque. Ainda bem que ele não estava segurando um guarda chuva, ou as consequências poderiam ter sido ainda piores.
Mas por que nosso herói precisa de uma nave emprestada? A resposta é muito simples: Doutor Destino, um dos maiores vilões do universo Marvel, cientista, feiticeiro e monarca da Latvéria, contratou seus serviços e mandou pendurar a conta, então Cage pretende voar até o leste europeu para cobrar a dívida pessoalmente – mas ou a Latam não tem voo direto ou ele não quer passar doze horas numa poltrona desconfortável comendo goiabinha e amendoim.
Nada disso, contudo, parece estranho a Reed. A única coisa que ele questiona é o fato de Luke usar suas habilidades para ganhar dinheiro, porque o conceito de “trabalho” deve realmente parecer estranho quando se é um herdeiro milionário e proprietário de uma frota de naves com autonomia de, estimo, pelo menos 10 mil quilômetros.
Então, para resumir: uma pessoa que Reed Richards nem conhecia pessoalmente aparece, pede emprestada uma avançadíssima nave para viajar alguns milhares de quilômetros e enfrentar sozinho um dos homens mais perigosos da Terra, que calha de ser inimigo mortal do próprio Reed.
O líder do quarteto então faz o que qualquer um em seu lugar faria: empresta a nave sem maiores questionamentos, sem oferecer algum tipo de apoio, sem perguntar se ele tem brevê ou mesmo cadastrá-lo como condutor adicional no seguro.
Mas talvez seja picuinha de minha parte, afinal Reed é conhecido como o homem mais inteligente do universo Marvel e o restante da equipe não parece ver qualquer problema em sua decisão, à exceção do Coisa, que destrói uma mesa com um chute enquanto reclama que doidos são os outros.
Luke então atravessa um oceano e metade de um continente no jato emprestado, mas quando chega na fronteira da Latvéria a aeronave é desativada pelo sistema de defesa no estado da arte desenvolvido pelo homem que estava sem grana e deu calote no nosso herói.
Em terra, Luke precisa lutar com os guardas do Doutor Destino que, para ser justo, estão apenas fazendo seu trabalho de defender a fronteira de um estado soberano invadido sem maiores explicações por uma aeronave desconhecida.
De todo modo, enquanto lida com os irascíveis agentes da aduana latveriana, nosso herói recebe a ajuda de um exército robótico e do misterioso Sem-Face, que lidera a força de resistência contra o déspota da Latvéria e sua política de escravidão de robôs.
Assim, o Sem-Face propõe a Cage uma aliança: ambos têm questões a resolver com o Doutor Destino, então eles devem se unir, ajudar um ao outro na invasão ao castelo do ditador, em nome da justiça e da liberdade!
A aliança é formada e Luke Cage, Sem-Face e o exército de robôs conseguem invadir o castelo do déspota caloteiro. Separando-se dos demais, Cage encontra a sala do trono, onde Destino o aguarda, e nós temos uma importante revelação: nosso herói pegou emprestado um jato de última geração, atravessou metade do planeta, se meteu em uma guerra civil e enfrentou um dos homens mais poderosos de todo o universo Marvel por causa de… 200 dólares.
Por outro lado, não posso deixar de observar que o Doutor Destino é o todo poderoso monarca de um país do leste europeu cuja economia é aparentemente baseada na construção de modernos robôs humanoides, usa uma armadura com tecnologia de ponta e ainda assim quer dar calote por causa de 200 conto? Tá certo Luke Cage, é muito desaforo.
O vilão insiste em permanecer na inadimplência, então outra alternativa não resta ao nosso herói que não partir para a violência, afinal ele não vai querer que a notícia se espalhe e todos os seus clientes comecem a querer pendurar a conta.
Doutor Destino é um adversário formidável e a luta não parece correr bem para Cage, até que ele adota uma estratégia aparentemente brilhante e inovadora que consiste em… bater várias vezes no mesmo ponto da armadura.
Veja bem: nessa mesma história, o Doutor Destino conta vantagem por já ter derrotado até o Hulk. Com o Quarteto Fantástico então ele deve se engalfinhar semana, sim semana não. E ainda assim ele vem me dizer que ninguém até então havia pensado em bater várias vezes no mesmo lugar?!
É nesse momento que o misterioso Sem-Face ressurge e, aproveitando-se desse inesperado defeito de projeto, tenta assassinar Destino. Luke Cage, contudo, rapidamente percebe que teria ainda mais dificuldade de receber seu dinheiro caso o vilão morra, e assim decide protegê-lo.
O Sem-Face foge e o Doutor Destino, agradecido, propõe um novo contrato para Cage, porque o mal de esperto é pensar que todo mundo é otário. Nosso herói, é claro, recusa, e Destino enfim resolve quitar sua dívida.
Resolvida a pendência, Luke volta ao prédio do Quarteto, mas a história não deixa claro se ele devolveu a nave com o tanque cheio.
Devo dizer, entretanto, que não acho impossível que ele tenha usado os duzentos dólares para encher o tanque; o propósito de Cage com toda essa jornada muito claramente não era a grana em si, mas sim não aceitar o desaforo do vilão caloteiro.
É também uma forma de deixar um aviso a outros possíveis devedores: quando a grana apertar e o eventual devedor tiver que escolher entre pagar Luke Cage ou tirar o nome da Serasa, com certeza ele vai se perguntar “qual dos dois invadiu a Latvéria e cobriu o Doutor Destino de porrada…?”
Outro texto primoroso do melhor Lionel da América Latina.