Review | Inventando Anna
Eu estava lendo críticas – negativas, por sinal – sobre “Inventando Anna” e me surpreendi com uma indignação genuína: as críticas eram todas feitas por escritores homens. Nos textos, era relatado um seriado “entediante”, “sem ritmo” e “sem roteiro”. Me ocorreu que um bando de homens – provavelmente brancos – não vão conseguir deixar impune uma minissérie sobre uma jovem mulher que enganou com maestria milionários e banqueiros da elite norte-americana. Inventing Anna, da showrunner Shonda Rhimes, traz um outro ângulo da história real de Ana Sorokova e expõe a hipocrisia de homens e mulheres que foram fisgados pelo “somebody love” da falsa herdeira.
“A história apresentada é real, exceto pelas partes completamente inventadas”. Essa é a frase que aparece em todos os episódios da minissérie de 9 capítulos “Inventando Anna”. a partir dessa frase, colocada de forma criativa em todos os episódios, sente-se a temperatura do mundo das aparências de uma alta sociedade podre de rica, onde mostrar vale muito mais do que ter. Anna Delvey, interpretada pela maravilhosa Julia Garner, leva uma vida glamourosa, na cidade de Nova York, em 2017. Anna é uma jovem de 25 anos que se diz herdeira de um fundo fiduciário e cujo sonho é construir um espaço de artes dedicado à elite nova-iorquina.
O que a alta sociedade não sabia é que Anna Delvey era, na realidade, Anna Sorokova, filha de pai e mãe russos, de classe média e sem um puto no bolso. Falta grana mas sobra atitude em Anna e a garota chega a morar na casa de uma ricaça por meses e a frequentar iates, hotéis e restaurantes por meio de favores de pessoas que a cercavam e que imaginavam que, um dia, poderiam coletar tanta “gentileza”. A Anna de Shonda Rhimes não é tão somente uma golpista interesseira e louca por roupas e sapatos prestes a ser colocada em uma fogueira, chamada de bruxa e queimada por ousar fazer de trouxa esse patriarcado maldito que insiste em nos rotular.
A anti-heroína é retratada como uma personagem complexa, ambiciosa e que percebe o quanto é constantemente subestimada tão somente por ser jovem e mulher no mundo dos negócios. Julia Garner empresta à personagem toda a credibilidade que Anna precisa e entrega uma atuação singular e até visceral da moça que manipula amigos, amantes, banqueiros e socialites. Em um mundo de likes e selfies, o que conta é a narrativa que Anna mostra em suas redes sociais. Se a protagonista gosta de levar uma vida milionária, aqueles que a cercam também sonham em fazer parte do mundo de alguém com tanto calibre.
Shonda nos mostra uma Anna quase como um Robin Hood, que extorque grana dos endinheirados, rouba de bancos e faz de tolos os pobres coitados que veem nela uma possibilidade de ascensão social. Ninguém é inocente, nem Anna e nem tampouco as amigas cuja conveniência em frequentar restaurantes estrelados e fazer viagens internacionais às custas de uma jovem herdeira só durou, é claro, enquanto os cartões de crédito de Anna tinham de fato crédito. Se você ficar com raiva de Anna em algum momento, lembre-se que ela deu o cano em bancos e em hipócritas que, certamente, eram bem mais interesseiros que ela.
Inventando Anna (Inventing Anna)
Criado por: Shonda Rhimes
Emissora: Netflix
Elenco: Anna Chlumsky, Julia Garner, Arian Moayed, Katie Lowes, Alexis Floyd, Anders Holm, Anna Deavere Smith, Jeff Perry, Terry Kinney e Laverne Cox
Ano: 2022
Finalmente terminei de assistir e também gostei bastante. O estilo de Shonda Rhimes atrapalha em alguns momentos ao tentar elementos “modernos” na montagem, mas não compromete o resultado final. A ideia de mostrar a história do ponto de vista da jornalista também foi muito bom. O formato de cada episódio ser focado em algum “personagem” também funciona bem para explorar as nuances de protagonista. A atuação de Julia Garner é curiosa, porque Anna parece ser mesmo uma figura bem peculiar.