Crítica | Um Completo Desconhecido

O diretor James Mangold retorna ao universo de cinebiografias musicais em “Um Completo Desconhecido”, quase 20 anos após contar a história de Johnny Cash em “Johnny e June”. A figura musical da vez é Bob Dylan, personagem controverso e felizmente o cineasta aprendeu com experiências anteriores e apresenta uma obra muito mais consistente e envolvente. No longa-metragem de Cash, Mangold resume a vida do artista ao abuso de drogas e como após superar isso nada de mais relevante ocorreu. Já no seu mais recente trabalho ele explora as nuances do biografado e escolhe o início da carreira para realizar um estudo de personagem de qualidade.
Quem interpreta Bob Dylan é Timothée Chalamet e o ele explora muito bem as dimensões do músico. O ator não parece tanto fisicamente com Dylan, mas explora seus trejeitos e maneirismos indo além de uma mera imitação. Além disso, Chalamet interpreta as canções e sua voz é até “melhor” que a do próprio Bob. O restante do elenco musical também canta as músicas e isso faz com que o longa-metragem seja mais autêntico.
A história começa com a chegada de Dylan à Nova York em busca do seu ídolo Woody Guthrie, artista importante da música folk americana. Ele conhece Pete Seeger (Edward Norton), outro músico importante do movimento, e com ajuda dele começa sua jornada para se tornar cantor.
Durante essa jornada outras pessoas passam pela vida de Dylan. Após Guthrie e Seeger, temos Sylvie Russo (Elle Fanning), uma mulher que o apresenta à política. Em seguida temos Joan Baez (Monica Barbaro), uma cantora extremamente talentosa, que o mostra como explorar melhor sua voz. Por último temos Johnny Cash, agora interpretado por Boyd Holbrook, que mostra a importância da rebeldia e quebra de convenções.
Esses encontros ajudam a moldar a personalidade de Bob Dylan, mas o mistério em torno da sua origem permanece. Como pode um completo desconhecido, do título do filme, ser tão talentoso e escrever grandes canções sem sabermos nada sobre o seu passado? Felizmente o roteiro do próprio James Mangold escrito junto com Jay Cocks explora bem as nuances do protagonista e não passam pano para os seus defeitos. A busca pela sua própria integridade e originalidade como artista fazem com que ele em muitos momentos soe como um “babaca” para as pessoas mais próximas. Isso também o impede de assumir relacionamentos amorosos, que afetam a forma como ele lida com Sylvie e Joan. O pior é para os próprios fãs, que ao irem para o show querem ouvir os hits, mas o cantor quer apresentar novas canções.

O filme acerta ao utilizar as próprias músicas para ajudar a contar a história e talvez o melhor momento seja durante a performance de Bob Dylan no Newport Folk Festival. Um dos desafios do artista durante o filme é lidar com as regras em torno da música folk americana. O gênero utiliza apenas instrumentos acústicos, e as letras narram histórias tradicionais da cultura do país sob perspectiva do artista. Dylan resolve utilizar guitarra elétrica, o que seria um grande sacrilégio. E apresenta a canção “Like a rolling stone”, cujo refrão diz: “…qual a sensação / de estar sem uma casa / como um completo desconhecido…”, remetendo ao título do filme, à própria personalidade e à situação do artista naquele momento.
Dessa forma, “Um Completo Desconhecido” é um grande acerto de James Mangold ao apresentar um pouco da vida de Bob Dylan e por focar na construção da figura do artista sem fazer concessões para as questões em torno da sua personalidade.

Uma frase: – Bob Dylan [para Joan Baez]: “Suas canções são como pintura a óleo no consultório do dentista.”
Uma cena: A apresentação de Bob Dylan no Newport Folk Festival.
Uma curiosidade: Timothée Chalamet, Edward Norton, Monica Barbaro e Boyd Holbrook cantam de verdade no filme.

Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown)
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold e Jay Cocks
Elenco: Timothée Chalamet, Edward Norton, Elle Fanning, Monica Barbaro, Boyd Holbrook e Scoot McNairy
Gênero: Drama, Biografia, Música
Ano: 2024
Duração: 141 minutos