Crítica | Anora (2024)

Crítica | Anora (2024)

Anora” poderia facilmente ser uma simples comédia romântica sobre uma mulher que é um stripper e é “salva” por um homem rico. Felizmente não é isso que o diretor e roteirista Sean Baker apresenta em seu novo longa-metragem. Quem assistiu “Projeto Flórida”, sabe que o cineasta tem uma visão peculiar em apresentar sua própria versão sobre certos tipos de fantasia. Na obra de 2017 o alvo era Orlando e a Disney, dessa vez o alvo é o sonho americano, só que o filme tem muitas outras camadas envolvendo luta de classe, machismo, patriarcado e o estilo de vida dos super ricos.

A protagonista interpretada por Mikey Madison é Anora, uma jovem que ganha a vida como stripper e que prefere ser chamada de Ani, ao invés do seu nome de batismo. Ela mora em um bairro de Nova York de imigrantes da Rússia e sua família tem origem russa. Um dia ela conhece Ivan, um jovem russo interessado que chega no local do trabalho dela em busca de alguém que fale a sua língua e que faça uma “dança erótica” (lap dance). O rapaz se encanta por ela e a chama para um programa em sua residência, mas não demora para que ele resolva se casar com ela, buscando assim um visto americano e não ter que voltar para sua terra natal para trabalhar com o pai milionário. O estilo de vida dele impressiona a moça, e claro, que ela enxerga uma maneira de mudar sua vida, aceitando o convite. A situação se complica quando uns “capangas” da família do cara surgem com a missão de acabar com essa união.

O filme poderia se transformar facilmente em um drama pesado, mas felizmente Sean Baker é inteligente e desenvolve “Anora” como uma comédia de absurdos extremamente divertida e tensa. Com a chegada dos “capangas”, Ivan foge e então a própria Ani é obrigada por eles a se juntar na busca pelo rapaz. É nessa parte que o longa-metragem apresenta seus melhores momentos.

Na superfície temos esse lado cômico, mas o filme apresenta muitas camadas de simbolismos dentro da narrativa. A primeira coisa que se destaca é a atuação de Mikey Madison e “Anora” só funciona por causa dela. Sua performance é cheia de nuances e exige muita entrega. Principalmente física, como em suas reações diante dos “capangas” e nas cenas de sexo. A protagonista é reativa, como ao não aceitar ser chamada de “prostituta”, como uma forma de inferiorizá-la. Ela reage com gritos e chutes como uma forma de defesa, algo que poderia classificá-la como uma “louca”, mas na verdade ela sabe muito bem como funciona uma sociedade machista. Se ela não esboçar nenhum tipo de reação será ignorada. A atriz é talentosa e carismática, é impossível não torcer por ela durante o desenrolar da história. Ou seja, suas atitudes defensivas simbolizam essa luta diária das mulheres em torno desses tipos de agressões. O fato dela ser uma profissional do sexo e descendente de imigrantes só agravam a situação.

Uma outra camada tem a ver com a visão do sonho americano do ponto de vista de um estrangeiro, no caso uma descendente. A protagonista vive essas dificuldades, então esse casamento com um homem rico pode ser sua única oportunidade de ter uma vida melhor. Sean Baker explora isso ao transformar a fantasia romântica de Ani facilmente em um pesadelo. A jornada dela junto com os “capangas” pode ser divertida pelas situações absurdas e cômicas, mas serve para ela aos poucos se dar conta de que em breve sua vida talvez tenha que voltar ao normal, e isso é assustador.

Por último, vale citar a questão da luta de classes, representada em como o estilo de vida de Ivan como um “super rico”, com o dinheiro dos pais, que é capaz de fazer qualquer coisa sem medo das consequências. Não por acaso os “capangas” citam o tempo todo que já tiveram que resolver vários problemas causados pelo rapaz. É a “ilusão dinheiro” que serve para mimar o jovem, pois se não tem o amor e atenção dos pais, pelo menos pode seguir fazendo besteira que vai aparecer algum subalterno para solucionar. Só que o moralismo fala mais alto, então, quando descobrem que o rapaz se casou com uma “prostituta” é que finalmente enxergam que ele passou dos limites. Enquanto o pai e a mãe não chegam, cabe ao “funcionário” Toros (Karren Karagulian) resolver. O homem é obrigado a abandonar um evento de família para lidar com esse problema do “trabalho”, como se fosse uma babá.

Inclusive vale citar também a performance de Karren Karagulian, que é excelente. As cenas entre ele, Ani e os outros dois capangas em busca de Ivan têm momentos hilários graças ao seu timing cômico, onde a tensão e urgência da situação são aliviados pelo humor físico do seu conflito com a protagonista. A química dele com Mikey Madison é muito boa. E vale ressaltar que o tom de comédia em nenhum momento tira a seriedade da trama de “Anora”.

Dessa forma, “Anora” resulta em mais um grande trabalho do diretor Sean Baker, que assina também o roteiro e a montagem do longa-metragem. O artista mostra mais uma vez sua visão singular dos EUA e explora muito bem a fórmula de uma comédia romântica, transformando-a em um “pesadelo”. O elenco é um dos diferenciais, com destaque principalmente para Mikey Madison e Karren Karagulian. Os simbolismos dentro da narrativa nos trazem reflexão, sem deixar de ser uma obra cinematográfica extremamente divertida.


Uma frase: – Anora: “Eu sou a mulher do Ivan!”

Uma cena: Quando Garnik e Igor chegam na casa de Ivan e começa uma confusão entre eles e Anora.

Uma curiosidade: Na conferência de imprensa do Festival de Cinema de Cannes, Mikey Madison disse que o diretor Sean Baker representava diferentes posições sexuais com sua esposa, a produtora Samantha Quan, para demonstrar aos atores o que ele queria que eles fizessem.


Anora

Direção: Sean Baker
Roteiro: Sean Baker
Elenco: Mikey Madison, Mark Eydelshteyn, Yura Borisov, Karren Karagulian, Vache Tovmasyan e Aleksei Serebryakov
Gênero: Comédia, Drama, Romance
Ano: 2024
Duração: 139 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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