Crítica | Nosferatu (2024)

Crítica | Nosferatu (2024)

Você talvez já tenha ouvido falar do personagem Nosferatu e de como o diretor alemão F. W. Murnau em 1922 resolveu fazer sua própria versão de Drácula, só que mudando os nomes dos personagens e alguns outros detalhes para não ter que pagar pelos direitos da obra Bram Stoker. Em 1979 foi a vez de Werner Herzog fazer uma adaptação do filme de Murnau. Agora em 2024 o cineasta Robert Eggers apresenta a sua visão da história, reconhecendo tanto o longa-metragem de 1922 quanto o livro de Stoker como referências.

Robert Eggers é um cineasta novo e apresentou um novo frescor para filmes de horror com obras como “A Bruxa” e “O Farol”. No longa de 2019, o diretor apresentou um grande primor técnico utilizando o preto-e-branco, além de um tom de narrativa meio onírico e fantasioso, que se repete na versão de “Nosferatu”. Sem dúvidas é a parte técnica que mais se destaca em seu novo trabalho.

Nosferatu, ou Conde Orlok (Bill Skarsgård), é uma criatura misteriosa, uma personificação de algo demoníaco. Ele atormenta os sonhos de Ellen Hutter (Lily-Rose Depp) quando o seu marido Thomas (Nicholas Hoult) parte para uma viagem de trabalho, enquanto isso ela fica na casa do casal de amigos Friedrich (Aaron Taylor-Johnson) e Anna Harding (Emma Corrin). O que ele não esperava é que sua jornada envolvia justamente um encontro com o Conde, que pretende comprar uma residência na cidade em que o casal Hutter vive. Enquanto isso, Ellen sofre surtos psicológicos e os Harding pedem ajuda para o Dr. Wilhelm Sievers (Ralph Ineson), responsável pelo hospital psiquiátrico da cidade. Quando a ameaça de Nosferatu aumenta e a condição da senhora Hutter piora, eles recorrem ao Prof. Albin Eberhart Von Franz (Willem Dafoe), um homem controverso e especialista em misticismo e ocultismo.

O fato de transformar Nosferatu em um ser misterioso faz com que ele fique em um lugar dúbio, pois não se personifica como uma ameaça real e nem como psicológica. Tem o lado positivo em que o roteiro do próprio Robert Eggers faça com que ele represente de alguma forma uma metáfora para os males que atormentam Ellen, como se fossem seus desejos (principalmente sexuais) totalmente reprimidos. Só que isso trás como negativo que o personagem não tenha um lado humano e dessa forma não existe qualquer empatia do espectador em relação ao vilão. Assim, ele representa apenas o mal supremo, tornando a figura unidimensional. O trabalho de Bill Skarsgård é curioso nas escolhas, pois se o fato dele fazer um trabalho de voz interessante ao criar uma voz com um tom mais baixo, que o torna uma figura esquisita, por outro a maquiagem e o excesso de mistério em torno do seu visual só o tornam extremamente caricato.

Outra questão negativa em relação à representação do Nosferatu como os desejos vindos de Ellen é a “culpabilização feminina”, como se fosse culpa da própria vítima sofrer esse tormento do vilão pelo simples fato dela ser mulher. Ou como se fosse errado ela ter qualquer desejo sexual. Isso é algo muito problemático e que se fazia sentido em 1922, com certeza é algo absurdo em 2024. Tudo bem, talvez o diretor quisesse manter a caracterização da época em que a história se passa, mas se trata de uma fantasia onde um vampiro é a representação do mal na Terra, então não estamos diante de uma obra em busca de realismo.

O principal destaque no elenco é Willem Dafoe e a figura do Prof. Albin é extremamente carismática, roubando a cena quando está na tela. Ele é o único personagem que encontra o tom certo da narrativa, onde abraça o absurdo e o mistério da situação, sabendo que nem sempre o racional e o sério é o melhor caminho para a resolução do problema. Nicholas Hoult está bem, mas seu personagem é mais complicado por ter menos tempo em tela e por só servir como algo reativo em relação à figura do Nosferatu. Outro destaque é Simon McBurney, como Herr Knock, chefe de Thomas, que é o primeiro a ser possuído pelo vilão, dando ao ator a oportunidade de explorar seu lado demoníaco de forma mais verossímil e assustadora.

Lily-Rose Depp não consegue fazer muita coisa com sua Ellen, pois o roteiro exige pouco dela e apesar de ela ser carismática, sua personagem parece o tempo todo estar com cara de melancolia (ou de paisagem) ou então está possuída com os olhos revirados. É uma pena, pois ela é a personagem principal de “Nosferatu”, mas é deixada totalmente em segundo plano e com pouco desenvolvimento da sua história.

Dessa forma, os principais destaques de “Nosferatu” ficam por conta da parte técnica. Sem dúvidas a fotografia de Jarin Blaschke é muito bonita e explora bem a paleta de cores escuras, que em muitos momentos parece ser um filme em preto-e-branco. A influência do expressionismo alemão é bastante visível. Quando vemos a luz do dia a ausência das cores permanece, dando uma sobriedade ao que é visto em tela, contrastando com o tom onírico, quase de um sonho, visto na escuridão. A ideia é justamente retratar isso, a constante alternância entre o pesadelo e a realidade, que também é muito bem explorada pela cenografia.

Outro elemento importante a ser comentado é a trilha sonora de Robin Carolan, que mistura muito bem temas mais minimalistas, criando um clima de tensão e suspense, com outros mais grandiosos, aumentando o impacto assustador do que é apresentado na tela. Com certeza suas composições contribuem muito para a imersão dentro da narrativa criada por Robert Eggers, mesmo quando o roteiro escrito pelo cineasta não ajuda.

Dessa forma, ainda que “Nosferatu” seja um filme irregular, e talvez o longa mais fraco do diretor Robert Eggers, é difícil ficar indiferente em relação ao seu longa-metragem. É claro que a parte técnica é o mais interessante, mas cinema é justamente essa mistura de vários elementos e que mesmo com suas imperfeições resultam em uma boa obra cinematográfica, mostrando que o cineasta tem talento, mas que talvez seja melhor que futuramente ele volte a investir em suas próprias ideias originais, do que tentar dar uma nova vida à algo do passado.


Uma frase: – Prof. Albin Eberhart Von Franz: “Essa criatura é uma força mais poderosa do que o mal.”

Uma cena: Quando Thomas Hutter encontra com o Conde Orlok pela primeira vez.

Uma curiosidade: Bill Skarsgård treinou com um treinador de ópera para abaixar a voz uma oitava para tornar a voz do Conde Orlok o mais profunda possível.


Nosferatu

Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers
Elenco: Bill Skarsgård, Nicholas Hoult, Lily-Rose Depp, Aaron Taylor-Johnson, Emma Corrin e Willem Dafoe
Gênero: Fantasia sombria, horror sobrenatural, horror de vampiro, fantasia, horror, mistério
Ano: 2024
Duração: 132 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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