Crítica | Ainda Estou Aqui

Crítica | Ainda Estou Aqui

É sempre bom relembrar sobre a ditadura militar, ainda mais com o avanço da extrema direita no Brasil e no mundo. “Ainda Estou Aqui”, novo filme do diretor Walter Salles (12 anos após seu último trabalho: “Na Estrada”), adapta livro de mesmo nome escrito por Marcelo Rubens Paiva. Nele acompanhamos a luta de Eunice (Fernanda Torres) em busca do marido sequestrado pelos militares, enquanto cuida dos seus cinco filhos.

O início do filme é inteligente ao explorar o cotidiano da família Paiva. Assim o espectador cria uma empatia pelos personagens e vemos principalmente a relação de marido e mulher entre Eunice e Rubens (Selton Melo), além do relacionamento afetuoso do pai com os filhos. Sutilmente, o espectador vê sinais do regime militar imposto no Brasil, como quando a protagonista vê, enquanto toma um banho de mar, um caminhão cheio de soldados passando pela orla.

Pouco tempo depois, uma das filhas dos Paiva é abordada por militares em uma blitz, enquanto voltava do cinema com um grupo de amigos. Dessa forma, fica claro o quanto a ditadura impactava a vida das pessoas. Esse foi um período em que a truculência alcançava a todos, sem distinções.

A reconstrução de época é muito boa, tanto na cenografia e figurino, quanto na escolha da fotografia em filmar com uma saturação de cores que lembra os longas-metragens dos anos 1970, período no qual a trama se passa. Temos também uma ótima escolha de canções. Esses elementos técnicos ajudam na imersão na época, além de dar um sentimento de nostalgia e melancolia ao filme.

A situação se agrava quando um grupo de homens chega à residência dos Paiva e leva o patriarca da família para um interrogatório. Até então, apenas sinais sutis da ditadura cercavam os personagens, cuja tranquilidade é completamente quebrada com a presença dos intrusos e a ausência de Rubens.

A cena é brilhante ao mostrar o impacto do do autoritarismo em ação. Enquanto Rubens é levado, uma parte dos homens (que não usa farda) fica na casa tomando conta do restante da família. O clima de tensão é aterrorizante. Resta à Eunice tentar manter um clima de “tranquilidade” aos filhos, enquanto ela mesma mantém o sangue frio.

Não demora para que ela também seja levada junto com uma das filhas. Esse é, sem dúvidas, o momento mais marcante de “Ainda Estou Aqui”. Uma dona de casa é interrogada e apesar de não ser torturada fisicamente, o é psicologicamente, ao ficar presa em uma cela, sem ter noção da passagem do tempo, separada da filha. 

Para aqueles que acham que a ditadura perseguia apenas “bandidos” e “terroristas”, a realidade é que o regime militar não poupava ninguém. 

Nas cenas em que Eunice Paiva está presa, a parte técnica se destaca mais uma vez. As cores quentes da praia e da residência dos Paiva dão lugar a uma mistura de escuridão e luzes fortes, além da ausência de cores.

Após o desaparecimento de Rubens cabe à Eunice cuidar da família, enquanto ela procura por pistas do paradeiro do marido. Acompanhamos a jornada dela nesse drama, enquanto ela reúne forças para dar conta de toda essa responsabilidade sozinha. O impacto da ditadura nos Paiva é enorme, esse mesmo regime que desaparecia com os “inimigos” para se manter no poder, sem se preocupar com a vida dos familiares e pessoas ao redor.

Sem dúvidas o grande destaque de “Ainda Estou Aqui” é a atuação de Fernanda Torres. A atriz está maravilhosa e desenvolve Eunice de maneira brilhante. Ela mostra todas as nuances da personagem, mostrando tanto a sua fragilidade, quanto sua força. Uma mulher que não teve medo de enfrentar um regime opressor e exigir respostas sobre o desaparecimento do marido e que conseguiu seguir em frente, sem deixar de lutar. 

Selton Melo, mesmo com pouco tempo de tela, deixa a sua marca, apresentando bem a figura paterna da família Paiva. A participação especial de Fernanda Montenegro na cena final, que interpreta a versão mais velha de Eunice, é fantástica. Mesmo sem nenhuma fala, ela emociona.

Por último, é importante falar que o Brasil, infelizmente, produziu poucos filmes sobre a ditadura militar. Quem sabe, por meio do cinema, seja possível manter a memória sobre esse período terrível da história do país, para alertar os que acham que não aconteceu nada de mais ou, pior, que desejam a volta do autoritarismo. 

Talvez por acharem que ela irá perseguir apenas quem consideram inimigos, mas que não é bem isso que acontece. “Ainda Estou Aqui” nos lembra que um regime ditatorial persegue e violenta qualquer um, de qualquer classe social, idade, gênero ou cor. Em uma ditadura não há amigos do regime, mas apenas opressão e medo. Junto com obras recentes como “Marighella”, o novo trabalho de Walter Salles nos lembra mais uma vez que “DITADURA, NUNCA MAIS!”.


Uma frase: – Eunice: “Nós vamos sorrir. Sorriam!”

Uma cena: Quando Eunice é levada para interrogatório junto com a filha.

Uma curiosidade: O filme foi lançado no Brasil no que marcaria os 95 anos de Eunice Paiva, em 7 de novembro de 2024.


Ainda Estou Aqui

Direção: Walter Salles
Roteiro: Murilo Hauser e Heitor Lorega
Elenco: Fernanda Torres, Selton Melo e Fernanda Montenegro
Gênero: Drama, Biografia
Ano: 2024
Duração: 135 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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