A Nostalgia Era Melhor Antigamente: Quarteto Fantástico – Baderna no Edifício Baxter
Seja bem vindo à coluna A Nostalgia era Melhor Antigamente, na qual eu covardemente analiso histórias escritas em outro contexto e aponto incongruências inaceitáveis em um gibi sobre um sujeito capaz de incendiar o próprio corpo sem queimar as roupas.
Quarteto Fantástico – Baderna no Edifício Baxter
Roteiro: Stan Lee
Desenhos: Jack Kirby
Arte-final: Vince Colletta
Tradução: Rodrigo Barros e Rodrigo Guerrino
Letras: Maurício Wallace
Publicado no Brasil em Quarteto Fantástico – A vinda de Galactus, editora Salvat
Nossa história começa com um dos mais poderosos vilões do Universo Marvel, o Dr. Destino, segurando um enorme calhamaço de papel, que alguns de vocês reconhecerão como “jornal”. Se for o seu caso, lembre-se de marcar seu checkup anual e, sendo homem, o exame proctológico. Câncer de próstata não é brincadeira não.
Para os mais jovens, explico: “jornal” era como as civilizações antigas recebiam notícias sobre esportes, política e fofocas, além de anúncios de venda de linhas de telefone fixo. Enfim, é como se o Google tivesse checagem de fatos e fosse impresso em papel de baixa qualidade. Pergunte aos seus pais.
Em todo caso, o Dr. Destino rasga o jornal no que o narrador da história qualifica com certo exagero como um “surto incontrolável de raiva”, mas me parece que poderia bem pior, considerando que ele é um monarca absolutista de um país do leste europeu e não tem, até onde se sabe, gaiola de passarinho para forrar.
A suposta fúria do vilão decorre do fato de que Reed Richards, seu arquirrival e líder do Quarteto Fantástico, está prestes a contrair matrimônio com a também membro da equipe Susan Storm, porque nos anos sessenta não se falava tanto em assédio no ambiente de trabalho ou nepotismo.
Além de exagerado, o narrador parece estar mal-informado, porque o Dr. Destino não está de fato enfurecido, mas sim empolgado com a ideia de se vingar dos heróis arruinando sua festa de casamento.
O plano do malfeitor, no entanto, vai muito além de desandar a maionese do bufê ou subornar o DJ para tocar Capital Inicial: usando avançados conhecimentos aritméticos ele conclui que a forma de derrotar um quarteto seria reunir uma equipe com mais de quatro integrantes.
Para tanto, ele desenvolve um “amplificador emocional”, que em resumo é uma máquina que faz com que as pessoas que já odeiam o Quarteto Fantástico passem a odiar um pouco mais o Quarteto Fantástico. Assim, esses vilões atacarão a equipe sem que Destino precise sujar as próprias mãos, que de fato deve ser um transtorno para lavar quando se usa luvas de metal.
O primeiro vilão a ser atingido pela máquina do Dr. Destino é – e eu juro que não estou inventando esse nome – o Mestre dos Bonecos. Seu plano é bem simples: controlar a mente de um dos convidados da festa, que então cumprimentará o herói Coisa, inoculando-lhe um veneno na palma da mão.
Para sorte do herói, agentes da SHIELD aparentemente estavam testando todos os transeuntes com uma “câmera de ondas cerebrais”. Após detectar que o sujeito estava sob controle mental, eles correram para neutralizá-lo, assim salvando o herói de receber uma espetadinha de uma agulha capaz de furar pedra.
Ao se evadir do local, o Mestre dos Bonecos pondera que está sentindo algo estranho no ar, reflexão que faz enquanto passa sem qualquer estranhamento por um gorila, um orangotango e um babuíno soltos no meio de Nova Iorque.
Os três símios são na verdade auxiliares de um outro vilão de segunda linha, o Fantasma Vermelho, que consegue ter um nome ainda mais imbecil que “Mestre dos Bonecos”, porque ele não é fantasma nem tampouco vermelho.
Contudo, antes que o Calvo Verde possa fazer qualquer coisa, um terceiro vilão da divisão de acesso do Universo Marvel surge na história, que a uma altura já está parecendo especial de fim de ano da Record. Trata-se do Toupeira, que invade a sede do Quarteto após escavar um buraco no concreto da fundação do prédio.
Por sorte, dentre os convidados e coincidentemente bem no local da invasão está o professor Charles Xavier, mentor dos X-Men, que por mais sorte ainda calham de estar passando ali na frente devidamente uniformizados e prontos para a ação.
A equipe então manda o Toupeira e seus asseclas de volta para o buraco, que é então selado com gelo para evitar que eles voltem, porque aparentemente a máquina escavadora do sujeito é capaz de perfurar concreto, mas não água congelada.
Enquanto isso, o Fantasma Daltônico e seus supermacacos conseguiram invadir os aposentos onde Susan se aprontava, obrigando o noivo a ir ao seu resgate e, por consequência, ver a noiva antes do casamento – não que este casório precise de mais azar a uma altura dessas.
Aliás, vamos combinar que o mais sensato seria cancelar tudo, né? Talvez tenha a festa sido muito cara e não dê tempo de desmarcar, mas se toda a série D dos vilões Marvel aparece do nada em um evento eu acho que vale pelo menos uma ligação para o cerimonial pra perguntar se a cerveja foi pega em consignação e se dá pra devolver.
Sem contar que Reed e Sue já têm uma união estável, moram juntos etc. e tal, não é como se o casamento fosse mudar lá muita coisa: eles sabem que se amam, dividem uma vida, já juntaram as escovas de dentes há um bom tempo… será que precisam tanto assim de um pedaço de papel falando que eles são casados?
Tenho lugar de fala nisso aí, porque eu também vivo em união estável há uns bons anos com minha senhora sem nunca ter de fato casado. Quero dizer, que diferença faz? A gente sabe que se ama, cuidamos um do outro e já temos o compromisso da fidelidade. Enfrentamos uns perrengues financeiros, estresse com provas de concurso sem direito a férias, um diabo de uma PANDEMIA… e continuamos juntos. Independente de qualquer coisa eu sei que pretendo passar o resto da minha vida ao lado dela, sei que sempre vou querer cuidar dela, sei que ela esteve ao meu lado quando eu mais precisei e sei que…
Sei que…
Engraçado, eu precisei escrever vinte parágrafos para perceber algo estava na minha cara o tempo todo. Eu realmente consigo ser bem tapado de vez em quando.
Júlia, você quer se casar comigo?