Crítica | Doente de Mim Mesma (Sick of Myself)
Disponível no catálogo da Mubi, “Doente de Mim Mesma” (Sick of Myself) é uma daquelas comédias intrigantes. Misturando alguns temas relacionados ao body horror, com discussões interessantes sobre a sociedade que abraça o espetáculo midiático como única salvação, o filme faz valer o seu tempo investido nele com algumas boas sacadas e um humor reservado a alguns momentos, no mínimo, absurdos.
Na trama somos apresentados ao casal Signe e Thomas. Eles protagonizam um relacionamento doentio e competitivo que atinge um ponto crucial quando Thomas emerge como um artista contemporâneo de destaque. Em resposta, Signe lança mão de uma tentativa desesperada para recuperar seu status, criando uma persona totalmente nova, determinada a atrair atenção e simpatia.
Ainda que algumas interpretações tentem enquadrar o filme como um discurso crítico sobre sociedade, padrões de beleza, mídia e fama, a verdadeira essência dessa obra reside em uma análise penetrante de comportamentos extremos. Em particular pode-se destacar o egoísmo, ciúmes e narcisismo exacerbados. A sátira proposta parece ceder espaço à inverossimilhança das atitudes da protagonista, que se desfigura brutalmente em busca de fama, sem considerar “realisticamente” as diversas consequências prováveis, como o possível término do relacionamento ou ainda a sua própria saúde física e mental.
Enquanto “Doente de Mim Mesma” apresenta momentos impactantes, como a sequência de ensaio fotográfico no museu, que cria uma tensão palpável, o estilo de edição – que faz algumas sequências parecerem não ter cortes e outras utiliza situações hipotéticas misturadas a momentos ‘reais’ – confere um toque peculiar à produção norueguesa. Contrariando a expectativa de uma comédia, o público encontrará poucos momentos verdadeiramente engraçados, sendo, em sua maioria, confrontado por um psicodrama desconfortável. Uma escolha funciona muito bem aqui e, por mais insano que possa parecer, deixa o espectador sempre ansiando por mais.
A obra, em sua crueza, expõe falhas e desequilíbrios nas relações interpessoais e na sociedade em geral. Ridiculariza o universo da Arte, da Moda, programas de TV, jornais e até mesmo a Internet, abordando amplamente as complexidades e absurdos dessas esferas. A inteligência subjacente, o humor pontual e a perturbação calculada conferem ao filme uma atmosfera peculiar, com uma distância escandinava que, para alguns, pode ser desconcertante, mas que adiciona camadas intrigantes à narrativa.
Gradualmente o humor se insinua na trama, de forma semelhante à expressão facial volátil da personagem principal. As performances são competentes, mas não extraordinárias. No final, “Doente de Mim Mesma” transcende rótulos convencionais ao juntar elementos de comédia, discussões sobre a sociedade atual, tudo isso com um certo toque de horror. O resultado disso tudo é uma história habilmente construída e iluminada com um humor que beira o surreal.
Uma frase: Que tipo de nerd mata toda a sua família?”
Uma cena: A garota tentando fazer um dócil cão morder a sua cara.
Uma curiosidade: O renomado ator norueguês Anders Danielsen Lie, que faz uma participação especial com uma única cena interpretando o médico que revela os resultados dos testes para Signe no hospital, é um médico licenciado na vida real. Ele atua regularmente como clínico geral quando não está filmando. Lie obteve seu diploma de medicina pela Universidade de Oslo em 2007.
Doente de Mim Mesma (Sick of Myself)
Direção: Kristoffer Borgli
Roteiro: Kristoffer Borgli
Elenco: Kristine Kujath Thorp, Eirik Sæther, Fanny Vaager, Henrik Mestad, Andrea Bræin Hovig, Steinar Klouman Hallert, Fredrik Stenberg Ditlev-Simonsen, Sarah Francesca Brænne e Anders Danielsen Lie
Gênero: Drama, Terror
Ano: 2022
Duração: 97 minutos