Crítica | O Sequestro do Voo 375

Crítica | O Sequestro do Voo 375

A trama do filme “O Sequestro do Voo 375” parece tirado de uma história americana, contudo o sequestro de fato ocorreu no Brasil no final dos anos 1980. O longa-metragem de Marcus Baldini se inspira em outras obras dos Estados Unidos como “Vôo 93” de Paul Greengrass, de onde pega o clima de tensão em torno da narrativa, e “Sully” e “O Voo“, ao explorar o drama do piloto. Essa mistura funciona bem e o elemento brasileiro inclui camadas interessantes à trama.

No final dos anos 1980, no Brasil a situação estava bastante complicada. O país saiu de uma terrível ditadura militar e entrou em uma situação econômica muito ruim, onde planos surgiam sem efeito para controlar a inflação. Isso obviamente impactava negativamente na população, que sofria com desemprego e outras questões sociais. Assim, Nonato (Jorge Paz) toma a atitude desesperada de fazer algo que solucionasse o problema. Então ele resolve sequestrar um avião e obrigar os pilotos a levarem a aeronave até Brasília para matar o presidente da época: José Sarney.

O roteiro de Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque é didático ao apresentar no início um resumo sobre esse contexto político social do Brasil e em seguida inicia a tensão em torno do sequestro. O argumento acerta especialmente em explorar o lado humano dos personagens, especialmente o sequestrador Nonato e o piloto Murilo (Danilo Grangheia).

O elenco está muito bem e o destaque principal fica por conta de Danilo Grangheia. Ele explora bem as nuances de Murilo, mostrando um equilíbrio na forma de controlar a situação, se importando tanto com a segurança dos passageiros quanto na questão do sequestrador. O passado dele é importante para a narrativa, seja a relação dele com a família, assim como o fato de o piloto estar retornando ao trabalho após uma suspensão por ter se envolvido com questões sindicais. Dessa forma, “O Sequestro do Voo 375” mostra coragem de não evitar temas políticos e sociais, que são fundamentais para se entender as motivações dos personagens.

Outro destaque no elenco é a controladora de voo Luzia, interpretada por Roberta Gualda. Ela apresenta contraponto feminino dentro do excesso de testosterona vindo tanto de dentro do avião, quanto da cabine de comando. Mesmo com menos tempo em tela a atriz rouba a cena, incluindo elementos interessantes à sua personagem, como ser inteligente ao usar o ego masculino do seu chefe na argumentação para ajudar a solucionar a tensão do sequestro do voo.

Outro elemento importante de “O Sequestro do Voo 375” é na reconstrução de época, especialmente através do cenário dentro do avião, que utilizou uma aeronave real, assim como nos figurinos e cabelo. No início o filme exagera um pouco em referências visuais que gritam “anos 80”, contudo isso funciona para aumentar o sentimento de nostalgia do espectador.

Para completar temos outro ponto importante para o sucesso de “O Sequestro do Voo 375”: os efeitos visuais. O filme equilibra bem computação gráfica com efeitos práticos, especialmente na cena da manobra de “tonneau“, com poucos deslizes. O desenho de som também se destaca ao recriar os sons do avião. Assim fica mais crível para o espectador comprar as cenas da recriação do voo e suas manobras, fundamental para a imersão dentro da narrativa.

Dessa forma, “O Sequestro do Voo 375” mostra o quanto o cinema brasileiro tem qualidade e uma incrível diversidade, sendo capaz de realizar grandes obras, ainda que tenha inspiração em longas-metragens de outros países. O diretor Marcus Baldini comanda muito bem a tensão da narrativa, que funciona graças ao talento do elenco, além de apresentar ótimas cenas de ação. Tudo isso com o tempero político brasileiro, que é abordado muito bem, resultando no diferencial da trama.


Uma frase: – Nonato: “Bora pra Brasília! [..]vai matar aquele filho da puta do Sarney.”

Uma cena: Quando o piloto Murilo faz a manobra de “tonneau”, que consiste em virar o avião de cabeça para baixo e depois voltar à posição normal.

Uma curiosidade: O então presidente, José Sarney, nunca reconheceu formalmente Fernando Murilo de Lima e Silva, o piloto que evitou o pretendido desastre do Raimundo Notato. Sarney nasceu no estado do Maranhão, no nordeste do Brasil, assim como o próprio sequestrador. Isso provavelmente aumentou o suposto ressentimento do sequestrador em relação a Sarney.


O Sequestro do Voo 375

Direção: Marcus Baldini
Roteiro: Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque
Elenco: Danilo Grangheia, Jorge Paz, Roberta Gualda, Juliana Alves, Diego Montez e Adriano Garib
Gênero: Ação Biografia, Drama
Ano: 2023
Duração: 107 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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