Crítica | Os Fabelmans
“Os Fabelmans” é o filme mais pessoal do diretor Steven Spielberg, mas isso não significa que durante sua carreira a sua filmografia não já contasse um pouco sobre sua própria vida. Em filmes como “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (1977), “Indiana Jones e a Última Cruzada” (1989) e “E.T. O Extraterrestre” (1982) ele já falava sobre o pai ausente, por exemplo. A diferença da sua nova obra é falar sobre seu amor ao cinema e principalmente sobre a relação com a mãe.
A discrepância entre Burt (Paul Dano) e Mitzi (Michelle Williams) fica clara logo no início do filme ao mostrar a primeira ida ao cinema do pequeno Sammy. Após a sessão, enquanto o pai explica o funcionamento da câmera, a mãe fala sobre a magia que é ver as imagens em movimento na tela. Ou seja, um é extremamente racional, enquanto o outro é emocional.
Não por acaso ele trabalha como técnico de conserto de máquinas, enquanto ela é uma pianista que largou a carreira como artista para se dedicar à família. É no meio da relação entre eles dois que Sammy cresce e se apaixona por filmar, sendo sempre reprimido pelo pai, que considera aquilo apenas um hobby, enquanto a mãe o apoia por enxergar nele a mesma veia artística que ela possui.
Assim o roteiro escrito pelo próprio Spielberg em parceria com Tony Kushner explora o amadurecimento de Sammy. Inicialmente a trama foca na relação entre Burt, Mitzi e Bennie (Seth Rogen), colega de trabalho e melhor amigo do senhor Fabelman que está sempre na residência da família e é chamado pelos filhos do casal de tio. Nessa parte vemos o garoto ganhar sua primeira filmadora e o início das primeiras filmagens caseiras usando as irmãs mais novas como atrizes. Quando ele se torna adolescente, assume o protagonismo da narrativa e acompanhamos o desenrolar a partir do seu ponto de vista, assim vemos como ele enxerga de outra maneira a dinâmica da família e do tio de consideração.
Os melhores momentos de “Os Fabelmans” são as filmagens de Sammy, do seu início em casa e depois quando sobe de nível ao usar seus amigos do grupo de escoteiros para realizar pequenos filmes. É fascinante acompanhar seu amor por filmar e em como ele aos poucos aprende na prática como realizar melhorias, seja em efeitos visuais ou na forma de montar a película de forma artesanal.
No entanto, o filme realmente mostra seu maior potencial quando explora a relação entre Sammy e Mitzi, que talvez seja a personagem mais importante de “Os Fabelmans”. O relacionamento se complica quando ele descobre a traição da mãe e é nesse ponto que Spielberg aproveita para mostrar o seu lado emocional e pessoal, quando inicialmente Sammy a culpa, mas com o tempo muda de opinião. É justamente nessa visão do ponto de vista da mãe que o diretor mostra o quanto foi injusto com ela, fazendo um mea culpa, além de explorar o tema de maneira emocionante, já que em sua filmografia ele só costumava abordar a questão com o pai.
Assim o filme mostra a importância do elenco e quem brilha é Michelle Williams, que constrói Mitzi de maneira brilhante. É fascinante acompanhar a persona de artista da personagem e o seu lado impulsivo, que não vê problemas em pegar as crianças, colocá-las num carro para ir atrás de um furacão, sem pensar na segurança delas. Ou o seu lado artista, que decide dançar de maneira espontânea enquanto seu filho capta o momento com sua câmera. A atriz desenvolve o lado humano e multidimensional da senhora Fabelman que faz o espectador se emocionar genuinamente ao imaginar a situação em que ela está em relação a sua família e o seu coração.
O filme só perde um pouco da sua força em dois aspectos. O primeiro deles é a abordagem melodramática de Spielberg, algo que é comum em sua filmografia, onde a emoção passa um pouco do ponto em alguns momentos. Em “Os Fabelmans” um bom exemplo é uma cena entre Sammy e um colega da escola após a exibição de um filme realizado por ele, que não tem muita verossimilhança.
O outro ponto é na forma como o diretor apresenta o desenvolvimento do amor ao cinema pelo protagonista. No início o vemos indo ao cinema assistir “O Maior Espetáculo da Terra“, do diretor Cecil B. DeMille, mas durante o longa-metragem vemos poucas outras referências, a não ser por alguns objetos vistos no quarto de Sammy. Dessa forma, quando chegamos na cena final que tem a participação de um famoso diretor de cinema (interpretado por outro também diretor), ela só tem impacto por quem realmente conhece sobre a história do cinema.
Mesmo com alguns pequenos percalços, “Os Fabelmans” é mais um grande filme na filmografia de Steven Spielberg. Nesse longa-metragem o diretor encontra um ótimo equilíbrio entre o espetáculo e o intimismo, mostrando seu lado pessoal e principalmente o seu amor pelo cinema e a arte de filmar.
Uma frase: – Mitzi : “Nesta família, temos os cientistas versos os artistas. O Sammy é do meu time, ele puxou a mim.”
Uma cena: Quando Sammy descobre a traição da mãe enquanto monta um filme com as filmagens de uma viagem da família.
Uma curiosidade: Steven Spielberg afirmou que embora ele e Tony Kushner tenham discutido a ideia do filme por anos, foi durante a pandemia de COVID-19 em 2020 que ele decidiu escrever o roteiro com Kushner do zero enquanto sua agenda estava livre. Os dois escreveram o roteiro de suas casas durante o bloqueio e o terminaram em dois meses.
Os Fabelmans (The Fabelmans)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Steven Spielberg e Tony Kushner
Elenco: Michelle Williams, Paul Dano, Seth Rogen, Gabriel LaBelle e Judd Hirsch
Gênero: Drama
Ano: 2022
Duração: 151 minutos