Crítica | Vamp (1986)

Crítica | Vamp (1986)

Misturando comédia e terror, suspense e romance, é nesse entremeio que Vamp talvez tenha se situado ao longo dos anos.

Para começar o mês de Outubro num clima sinistrinho mas nem tanto, uma ótima pedida para o tal do Halloween é “Vamp: A Noite dos Vampiros” (tradução para o Brasil), produção estadunidense de 1986. Sabemos que assistir a um terror antigo é cair na risada em alguns momentos, talvez pela narrativa do medo que facilmente se data através dos anos. E nem por isso precisamos rir de nervoso.

O gancho inicial é o mesmo de quase sempre: para se vincular a uma estranha fraternidade do campus, dois amigos universitários saem à noite em busca de uma stripper e se dirigem a um clube. Param o carro do amigo no estacionamento: são o típico hétero aloprado, meio engomadinho recém saído de casa, possíveis progenitores dos personagens de American Pie. A boemia promete muitas aventuras – mas não do tipo que eles estão pensando. Após uma dose suficiente de ingenuidade e descrença, recurso recorrente em filmes do gênero para fazer a presa cair no bote, descobrem que o bar está cheio de vampiros, estão numa enrascada e precisam sair de lá urgentemente.

Perseguições em túneis de esgoto, pancadaria, correrias para lá e para cá, fuga de vampiros, carros se chocando. E claro, um caso amoroso no meio de tudo. É um típico filme oitentista, e de tanto ironicamente corresponder ao clichê, de reproduzir os códigos do período, causa a impressão que foi um filme feito a posteriori – quando já é possível se distanciar do trabalho e repetir as fórmulas.

Não vá esperando uma maestria de inovação na sétima arte. O roteiro é previsível, e de tão clássico, torna-se um fácil jogo de adivinhação sobre o que sucederá. O núcleo dos personagens segue o básico: um dos dois jovens protagonistas estudantes, Keith (Chris Makepeace) e AJ (Robert Russler), se apaixona por Allison (Dedee Pfeiffer), uma garconete bonita e carismática. Há Duncan (Gedde Watanabe), o amigo oriental muito empolgado e por vezes até deslocado, a vilã misteriosa e destoante de tudo em volta, Katrina (Grace Jones), funcionários suspeitos à espreita e gangues da pesada – uma delas comandada por Snow (Billy Drago) – varando a madrugada nessa cidade que se revela mais perigosa do que parece.

A trilha sonora, principalmente em momentos de tensão psicológica, soam musicadas como as de Claudio Simonetti nos filmes de Dario Argento. Essas características sonoras do terror da época, hoje em dia não fornecem propriamente medo, mas causam a sensação de estar em um difícil jogo de aventura.

Na cara do cinema neon da década, a notívaga iluminação verde e roxa, caminhando para o rosa, ajuda a criar a atmosfera fantasiosa que o filme vai nos envolvendo. São tantas paródias reproduzidas em cena, que é como se o filme nos dissesse: isto é ficção, não leve a sério. Há um pacóvio senso de humor, piadas bobíssimas, acontecimentos previsíveis – e isso traz uma despretensão que decerto não o tenha aplacado nos anais do Cinema, mas o torna uma agradável experiência.

Misturando comédia e terror, suspense e romance, é nesse entremeio que Vamp talvez tenha se situado ao longo dos anos: nem ali nem aqui, um clássico cult, revisitado pela cultura underground – vasculhadora de improváveis lugares – por motivos que são justamente relativos às suas peculiaridades imperfeitas, denunciadoras de um legítimo produto de seu tempo. No ponto nevrálgico do culto a trabalhos de arte, são distintivas e irrevogáveis as características que fazem a obra ser o que é. E por isso certos trabalhos cultivam admiradores ferrenhos, que quase por unanimidade os reverencia por parecidos motivos. Como a participação de Grace Jones, por exemplo. Francamente? O filme nada seria sem ela e a experiência estética chega em outro nível com o papel que desempenha.

Batam palmas para Katrina. A personagem de Grace é a dona da porra toda, a magnetizante vampira-mór, proprietária de um império submundano, onde os funcionários do bar são fiéis morcegos e a casa de evento não passa de uma fachada para disseminar súditos. Sempre em looks bafônicos, vinda das profundezas faraônicas do Antigo Egito, perpetua milênios de vampirismo e performances catárticas.

Só o seu número erótico high concept no meio de atrações casuais é um show à parte, de coreografia nada convencional. Peruca vermelha em corte geométrico, white face, pinturas corporais de Keith Haring e movimentos hipnotizantes. Tal postura, que atravessa a história, a fazem detentora do poder soturno. Inclusive a música que toca enquanto ela se apresenta é composta por vocais da mesma, denotando sua pluralidade poética. A cada momento que está em cena toma a atenção. Transparece a todo o tempo sua supremacia – convenhamos, fora e dentro da diegese.

Daí o mote para boa parte do filme: um dos jovens se interessa por ela, e quer ter uma noite a sós – não importa o quanto os outros digam que pode ser perigoso. Ela, em imortal sede, o transforma em vampiro. VRAU! Já era, se estava ruim, o problema fica pior.

A filmografia de Grace Jones, seus papéis enquanto atriz, foram majoritariamente secundários destinados a estereótipos de personagens coadjuvantes como a bond girl de 007: Na mira dos Assassinos (1985) ou a condessa Conchita em Siesta (1987). Cristalizada no olhar branco do exótico e/ou do excêntrico, de fato Grace é um ser singular. Mas essa unicidade manifestada em Vamp, demarca de tal maneira a distinção perante os demais, que não apenas se torna um de seus papéis mais icônicos (a maior parte dos pôsteres do longa levam sua imagem), como é âncora para toda a narrativa. Argumento para o terror, a principal vilã, em magnitude de sedução e morte. Sem uma única fala, leva o filme inteiro nas costas.

Me questionei se fiz essa escrita só para enaltecer o trabalho de Jones. Cheguei à conclusão que fiz mesmo. Não que a obra não tenha outros trunfos como os supracitados. Por exemplo, para as cinéfilas do gênero, é possível perceber inúmeras referências em outras produções futuras, como Um Drink no Inferno (1996) e O Albergue (2006). Mas como singelo produto da indústria, na legião de fãs ou haters, o que fica é a capacidade de full entertainer de sua elementar atriz. Base integral para a trama, rainha de todo o mal, na devida importância de majestade, ladies and gentleman, Miss Grace.


Uma frase: “Não faça isso, eu não estou brincando”

Uma cena: Katrina dando o dedo do meio para Keith e Allison.

Uma curiosidade: Com a cifra de 3 milhões de dólares destinados à sua execução, o filme é considerado uma produção de baixo orçamento.


Vamp

Direção: Richard Wenk
Roteiro: Richard Wenk e Donald P. Borchers
Elenco: Chris Makepeace, Sandy Baron, Robert Rusler, Dedee Pfeiffer, Gedde Watanabe e Grace Jones
Gênero: Comédia, Fantasia, Terror
Ano: 1986
Duração: 94 minutos

Noah Mancini

Bacharel Interdisciplinar em Artes e Design pela UFJF, MBA em Comunicação e Marketing pela Faculdade Descomplica e Mestrando em Cinema e Artes do Vídeo pela UNESPAR. Arte, crítica e deboche.

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