Crítica | Blonde (2022)

Crítica | Blonde (2022)

Blonde submete Marilyn Monroe a uma vida de horror

Norma Jeane Mortenson foi encontrada morta aos 36 anos por overdose de barbitúricos no dia 5 de agosto de 1962, na sua residência, num bairro de classe média alta em Los Angeles. Naquela manhã de domingo, o mundo se despedia de Marilyn Monroe, um dos maiores nomes do star system hollywoodiano da década de 1950.

E se esse texto já começa pelo fim da vida de uma das mais famosas loiras da história é porque, em Blonde, disponível na Netflix, o diretor e roteirista Andrew Domink (O Homem da Máfia, O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford) submete Marilyn Monroe, vivida por Ana de Armas, a uma trajetória de desamor e, pior, de horror. E é muito difícil que o espectador não anseie que o final trágico chegue logo, para livrar a célebre atriz da opressão de sua própria vida.

A menção ao horror não é um exagero. O diretor utiliza-se de diversos recursos deste estilo no seu filme, baseado no livro de mesmo nome de Joyce Carol Oates. Logo no início, as cenas de um grande incêndio em Los Angeles e as chamas vistas na casa onde Norma Jeane vivia com sua mãe já são construídas para mostrar a assustadora criação da garotinha, cujo pai nunca a reconheceu.

Outro exemplo do horror na direção são as imagens em preto e branco da atriz sendo recebida pelo público, prioritariamente homens, na estreia de um dos seus filmes, cujas bocas são ampliadas e distorcidas, estabelecendo-os como criaturas monstruosas, que gritam raivosamente e, não, como quem vê um ídolo.

É preciso reconhecer que Andrew Domink é competente em criar imagens e transições marcantes, principalmente para ilustrar o constante estado de entorpecimento de Marilyn. A qualidade técnica da direção pode ser indicada também em determinada cena que alterna a presença de Monroe num avião e num auditório.

Ele também aproveita a beleza do rosto de Ana de Armas, com o cabelo loiro e o característico sinal na bochecha, em diversos closes, especialmente, para destacar a atuação em ensaios e testes de elenco, o que a jovem atriz em ascensão cumpre com competência. A exposição do corpo da intérprete, no entanto, torna-se questionável ao se mostrar muitas vezes desnecessária para contar a história.

O diretor também perde a mão na quantidade de recursos utilizados. A alternância da razão de aspecto (invocando a proporção da tela do cinema da época) e da paleta de cores, dos tons mais coloridos ao preto e branco, até encontram lógica na produção, mas acabam perdendo o efeito no decorrer do filme. A vontade de usar recursos adicionais de câmera representa uma quebra no estilo adotado, interferindo na fluidez, como no momento no qual o seu segundo marido (o primeiro não está no filme), o jogador de beisebol Joe DiMaggio (Bobby Cannavale), entra em casa à sua procura.

No entanto, o que faz de Blonde um filme realmente problemático é o seu julgamento moral. Se o objetivo era tornar o público uma testemunha dos abusos sofridos por Marylin pela sociedade machista e pela máquina trituradora de Hollywood, o que Andrew Domink consegue é submeter não só a personagem mas também a sua intérprete, Ana de Armas, a uma nova exploração, principalmente a de seus corpos. E nem os esforços para mostrar a inteligência e a competência artística de Norma Jeane, notadamente na ótima cena com o dramaturgo Arthur Miller (Adrien Brody), conseguem salvar o filme do seu moralismo punitivo.

Caso não fosse a vontade do diretor e roteirista a de punir a estrela norte-americana pelos seus erros e vícios, não haveria no filme um certo diálogo entre Monroe e um outro ser (você irá reconhecer pela impossibilidade do diálogo existir na realidade). Da mesma forma, o encontro dela com uma poderosa figura política seria retratado de maneira completamente diferente, evitando com isso criar outra cena dispensável e constrangedora. Aliás, arrisco dizer que estes dois trechos mencionados devem entrar para história dos piores momentos do cinema.

Andrew Domink até poderia ter tido sucesso ao criar Blonde como uma ficção biográfica de horror já que, em muitos aspectos, a vida de Marilyn Monroe foi certamente permeada por abandono, assédio, agressões e misoginia. Mas ao retratá-la apenas como uma vítima indefesa de uma trajetória exclusivamente de sofrimento e ainda condená-la por seus “pecados”, o filme se torna uma nova forma de violência e opressão da mulher.


Uma frase: “Ela não tem bem-estar, ela é só uma carreira. Eles sabem que eu sou Norma e não Marilyn. Eles me entendem”.

Uma cena: O teste de elenco para Almas Desesperadas (Don’t Bother to Knock)

Uma curiosidade: Um dos mistérios da vida de Marilyn era sobre quem seria o seu pai. Diante da foto de um homem muito parecido com Clark Gable no filme, a pequena Marilyn ouve sua mãe dizer que seu pai era alguém “grande” em Hollywood. Agora, em 2022, o antigo rumor de que ele, na verdade, seria um sujeito chamado Charles Stanley Gifford foi confirmado após um teste de DNA, que comparou a saliva de uma bisneta dele com uma mecha de cabelo remanescente da atriz.


Blonde

Direção: Andrew Domink
Roteiro: Andrew Domink
Elenco: Ana de Armas, Julianne Nicholson, Bobby Cannavale, Adrien Brody e Lily Fisher
Gênero: Drama
Ano: 2022
Duração: 166 minutos

Carlos Willow

Jornalista, publicitário, analista de comunicação no setor público e empresário. Nascido em Salvador (BA), criado no Imbuí, mas morando em Brasília (DF) desde 2009. Fã incondicional de cinema, viciado em séries e em TV desde menininho, assistindo aos filmes e “enlatados” da Sessão da Tarde até o Corujão.

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