Review | Return to Monkey Island

Review | Return to Monkey Island

Houve um período na história dos jogos eletrônicos em que habilidades com o controle e reflexos rápidos não eram assim tão importantes. Foi uma era em que os computadores pessoais não sabiam o que era frames-por-segundo, ray-tracing ou DLSS. Durante esse período, que incluiu o final da década de 80 e uma boa parte dos anos 90, um gênero se tornou bastante popular nos PCs – os point-and-click adventure games

Talvez a empresa que melhor representou essa era foi a LucasArts. Alguns dos mais clássicos e importantes adventures da história vieram deste estúdio – Day of the Tentacle, Full Throttle, Sam and Max: Hit the Road, Grim Fandango e – claro – a série Monkey Island.

É impossível falar desse novo jogo – “Return to Monkey Island” – sem contar um pouquinho da história da saga, e de seu criador, Ron Gilbert. Gilbert foi um talento contratado pela LucasArts (na época em que ainda se chamava LucasFilm Games) no alto de seus 19 anos de idade, como programador. Rapidamente cresceu dentro da empresa e em 1985 começou a trabalhar em um game que foi um marco dos jogos de aventura – Maniac Mansion. O sucesso foi tanto que deu uma espécie de carta branca para Gilbert fazer o que bem entendesse dentro da empresa. Surgiu então The Secret of Monkey Island, um adventure de piratas inspirado pelo passeio de família favorito da infância de Ron – a atração “Piratas do Caribe”, da Disney – Ron conta que se imaginava descendo do carrinho e interagindo com os personagens do brinquedo.

Já o game, lançado em 1990, foi um novo sucesso de vendas e público, e pouco mais de um ano depois, receberia a sua primeira continuação. Monkey Island 2: LeChuck’s Revenge foi lançado em Dezembro de 1991 e até hoje é considerado por muitos como o ápice dos adventure games e um dos melhores jogos da história dos computadores pessoais.

Contudo, a história de Gilbert com a franquia se interrompeu, durante um longo tempo, por aí. Ron saiu da LucasArts e fundou uma outra empresa de software e a série continuou a ser produzida por outras pessoas, sendo lançados mais três jogos (o último, Tales of Monkey Island, foi produzido pela Telltale Games, após o fim da LucasArts). Esses jogos foram bem recebidos, mas tinham um tom bem diferente dos originais. Além disso, o polêmico e controverso final de Monkey Island 2 nunca havia sido bem explicado, e muitos fãs sempre quiseram saber qual seria a visão de Gilbert para a sequência de LeChuck’s Revenge.

Eis que, pouco mais de trinta anos depois, o mundo foi surpreendido pelo anúncio de um novo Monkey Island, pelas mãos – vejam só – do próprio Gilbert, contando ainda com a participação de boa parte da equipe original – o co-escritor e designer Dave Grossman, o programador David Fox, e os compositores Michael Land e Peter McConell.

Obviamente, a notícia deixou os fãs da série em polvorosa. Não só teríamos uma nova aventura de Guybrush & cia após longos anos (o anterior, Tales, saiu em 2009), mas uma sequência pelas mãos dos artistas que idealizaram a série e nos entregaram os dois jogos originais.

A nova incursão continua a história de Guybrush Threepwood, e consegue fazer um excelente trabalho de dar uma conclusão para o final enigmático do segundo Monkey Island, ao mesmo tempo que considera todos os demais jogos da saga canônicos. Guybrush, o eterno wannabe de pirata, está mais uma vez tentando descobrir qual é o “segredo” da Ilha dos Macacos – enquanto tem que lidar com os planos maligno de seu nêmesis, LeChuck e tentar não deixar sua obsessão atrapalhar seu relacionamento com sua esposa, Elaine Marley.

O jogo segue uma estrutura narrativa muito familiar – dividido em capítulos, sendo alguns mais focados em um ambiente específico, enquanto outro envolve navegar por diversas ilhas diferentes do mar do Caribe. Alguns locais familiares estão de volta – além do epônimo arquipélago símio, lugares como Mêlée Island (ou Ilha do Sopapo, na tradução oficial) reaparecem em toda sua graça. Vários personagens importantes também voltam, como o eufórico vendedor Stan, o crânio demoníaco falante Murray, o sorrateiro Otis e diversos outros.

O jogo é recheado de fan services, e é metodicamente construído para recriar os sentimentos evocados pelos dois jogos originais. Desde a estrutura narrativa, até o estilo dos puzzles, muito do que está lá remete diretamente ao primeiro e ao segundo Monkey Island, quase um amálgama dos games antigos, com uma nova história e uma roupagem moderna.

A interface, outrora carregada de verbos na tela que deveriam ser combinadas com itens ou objetos do cenário, agora é mais limpa, basta aproximar o curso de um lugar em que é possível interagir, que ele já apresenta uma ou duas frases com ações possíveis de Guybrush. Além disso, existem várias melhorias de qualidade de vida, como um diário de aventura, muito similar aos usados em jogos de RPG, que mostra quais são os seus próximos objetivos, e um livro de dicas, que fica presente no inventário e pode ser acessado a qualquer momento (porém, recomenda-se que use só em último caso, quando o jogador estiver de fato completamente encurralado). Os puzzles são muito inteligentes e bastante lógicos, ao contrário de alguns puzzles de jogos clássicos, que exigiam uma abstração muito grande (puzzle da “chave inglesa/monkey wrench” do Monkey Island 2, estou olhando pra você), e além disso o jogo tem dois níveis de dificuldade – “casual” e “difícil” recomenda-se jogar no “difícil”, que é o jogo da maneira que foi pensando, como todos os puzzles, e mesmo nos momentos um pouco mais difíceis tem-se a opção de usar o guia.

Artisticamente, o jogo é incrível. A direção de arte arriscou-se em um estilo muito diferente do habitual e foi injustamente criticado durante a produção. Aliás, “habitual” não é uma palavra que faz muito sentido pra falar da arte dos jogos da série, já que cada um tem um visual bem único e distinto – os dois primeiros foram feitos em pixel art (sendo o segundo consideravelmente mais bonito), o terceiro (Curse of Monkey Island) parecia um desenho da Disney, “Escape from Monkey Island” tinha aquele 3D mais cru do início da era do PlayStation 2, e o Tales vinha com um 3D mais cara de jogo indie dos meados dos anos 2000. Já Return, trouxe um trabalho muito colorido, criativo e carismático, com uma arte que evoca, ao mesmo tempo, os cartoons da Nickelodeon dos anos 90 e jogos mais clássicos da LucasArts, como Day of the Tentacle. A trilha sonora também está excelente, com várias reinterpretações dos temas clássicos, além de algumas ótimas músicas novas.

Porém, o ponto alto do jogo é mesmo a escrita. O humor do jogo volta às suas origens e eu me peguei rindo feito bobo várias vezes com as tiradas de Guybrush (alguns dos melhores momentos vêm de suas interações com Murray, o crânio falante). Os personagens são extremamente carismáticos, como sempre (inclusive – e especialmente – o vilão, LeChuck). Mas, acima de tudo, o jogo tem muito coração, e um subtexto final que conversa muito com o momento que Gilbert – e que nós, jogadores – estávamos quando os jogos clássicos foram lançados, e com o momento que estamos agora

Existem alguns problemas com o desenvolvimento de certos personagens, que parecem que estão seguindo um certo rumo, mas acabam ficando com essa sua subtrama inconclusa. A impressão que dá é que na prancheta os designers tinham planos mais ambiciosos para o jogo, mas algumas coisas precisaram ser cortadas, por questões de tempo ou orçamento.

O final provavelmente não agradará a todos (tal qual – vejam só – Monkey Island 2), mas aqueles que de fato procurarem entender a proposta e a mensagem que Gilbert tenta passar com este jogo, e – por que não – com a saga, potencialmente apreciarão e se emocionarão ao rolar os créditos. Inclusive, alguns detalhes do final podem mudar, conforme algumas ações e escolhas de diálogo do jogador – e eu acho que isso ajuda a enriquecer o subtexto que o Gilbert e a equipe tentaram passar. O histórico do próprio Gilbert, a sua relação com a saga e com a jornada de Guybrush não poderiam terminar de maneira mais coerente – ainda que isso talvez decepcione alguns.

No final das contas, esse jogo foi criado para um público muito específico – que é o fã de adventure das antigas, e, mais ainda – o fã de Monkey Island. Nada impede de pessoas sem experiência pregressa com a saga apreciarem – como já disse, é um jogo muito bonito, com um design de puzzles inteligente e bem gostoso de jogar – mas para aqueles que experienciaram e os jogos originais e estavam ávidos por essa continuação, o game irá ressoar em uma nota muito diferente – e especial.

Return to Monkey Island é uma perfeita ode a uma era em que os jogos (e os tempos?) eram mais simples, uma carta de amor a um período histórico, que possivelmente não volta mais, ao menos não na popularidade de outrora. O canto do cisne dos jogos de aventura gráfica, e recomendadíssimo para todos que viveram, ou que se interessam, pelo gênero.


Classificação:


Return to Monkey Island

Plataformas: macOS, Nintendo Switch e Windows
Desenvolvedora: Terrible Toybox
Produtora: Devolver Digital
Diretor: Ron Gilbert
Gênero: aventura, quebra-cabeça, Graphic adventure, point-and-click adventure
Ano: 2022

Dario Lima

Dario Lima, além de ser faixa branca em todas as artes marciais e modalidades de combate conhecidas pelo homem, é também formado em Cinema. Mas sua verdadeira paixão são os joguinhos eletrônicos, desde que ganhou um Atari de presente do pai em uma época longínqua em que Menudo tocava nas rádios, Chevette era carro de playboy e McGyver passava na TV nas manhãs de domingo. Escreve sobre games na POCILGA e de vez em quando perturba os outros em algum episódio do Varacast.

Um comentário em “Review | Return to Monkey Island

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *