Crítica | Os Olhos de Tammy Faye
O diretor Michael Showalter faz um estudo de personagem curioso no filme “Os Olhos de Tammy Faye”, onde por um lado ele mostra a sua ingenuidade e do outro suas virtudes, sem deixar seus defeitos de lado. Ainda assim, o longa-metragem segue um formato convencional de cinebiografia, com direito a ascensão e queda da protagonista. O diferencial é a presença de Jessica Chastain que entrega uma atuação fantástica transformando Tammy em uma figura multidimensional, indo além dos trejeitos da personagem.
“Os Olhos de Tammy Faye” conta a história da televangelista Tammy Faye, que junto com seu marido Jim Bakker (interpretado por Andrew Garfield) construiu um canal de tv religioso nos EUA no final dos anos 1970 e início dos 1980 de enorme sucesso. O roteiro de Abe Sylvia foca na figura de Tammy e mostra a relação dela com a religião, com a mãe e principalmente com o marido.
A atuação de Jessica Chastain é magnética, onde junto com maquiagem e figurinos a atriz capta a essência da personagem, usando principalmente a voz — especialmente as risadas – para construir a personalidade de Tammy. A evolução desses elementos ajuda no desenvolvimento da jornada da protagonista, assim quando a maquiagem e o figurino estão mais elaborados fica clara a mudança de comportamento dela.
A fotografia em muitos momentos apresenta closes dos olhos de Tammy, não apenas para justificar o título do filme em si, mas também para focar na trajetória dela e através do olhar vemos o quanto a sua visão do que está ao redor está diferente. É fascinante notar como a sua inocência e ingenuidade dá espaço aos poucos para a ambição. Além disso, Tammy era cantora e a própria Chastain regravou algumas das músicas dela e esses momentos musicais são um dos destaques do filme, dando mais espaço para Jessica brilhar.
Os personagens secundários servem para mostrar alguns temas propostos pelo roteiro de Abe Sylvia. A relação de Tammy com a mãe Rachel Grover (Cherry Jones) serve para ilustrar a conexão com a religião, pois Rachel tem a visão mais conservadora sobre a adoração de Deus e que não parece certo lucrar em cima da fé dos outros. Por outro lado, o marido Jim tem a mesma ambição que ela de que eles devem fundar a sua própria igreja e através dela ter uma boa vida.
Nesse ponto “Os Olhos de Tammy Faye” não se aprofunda tanto, que é mostrar essa relação do dinheiro com a religião. Aqui no Brasil, por exemplo, temos igrejas como a Universal que são donas de meios de comunicação como televisão e site de notícias, e os donos têm bastante dinheiro, se beneficiando também de isenção de impostos. Podemos dizer que Tammy e Jim Bakker foram pioneiros nesse assunto, mas tiveram problemas com a justiça por causa disso. O filme de Michael Showalter não explora tanto esse lado porque era Jim o responsável pela parte financeira, mostrando apenas que ele sofria pressões por resultado e que estava gastando com luxos excessivos.
Outro tema relevante que o filme foca é na questão como a religião cristã enxerga as pessoas homossexuais e isso é explorado através do pastor Jerry Falwell (Vincent D’Onofrio), que tem uma visão conservadora da qual tem que lutar pelos “bons costumes” e contra os homossexuais. Além disso, Jerry também não aprova a abordagem de entretenimento construída na emissora de TV de Tammy e Jim. É justamente nisso que Tammy se destaca por sua visão “progressista” sobre alguns temas, como por exemplo, ao abordar em seus programas televisivos temas que são tabus como impotência masculina, entrevistando um médico especialista no assunto, ou sobre a AIDS, ao entrevistar um homem gay que sofre preconceito por causa da doença. Para ela o objetivo era ajudar as pessoas e o amor de Deus deveria ser para todos, não importando a sua orientação sexual. Se pensarmos que ainda hoje em pleno 2022 a pauta de costumes ainda é muito forte, então podemos dizer que Tammy era uma cristã diferente e bem à frente do seu tempo.
Assim, podemos dizer que “Os Olhos de Tammy Faye” aborda temas polêmicos, mas que poderia ter se aprofundado mais em alguns deles. Ao escolher por seguir um caminho mais tradicional e formulaico de cinebiografia, o diretor Michael Showalter perdeu a oportunidade de ter um resultado mais impactante do seu longa-metragem. Mas como os temas são interessantes e a figura de Tammy é intrigante, a performance de Jessica Chastain faz com que o filme fique acima do lugar comum, com um ótimo resultado final.
Uma frase: – Jim Bakker: “Você é um poço sem fundo! E você continua pedindo mais, com aquela voz chorosa e irritante de Betty Boop!”
Uma cena: Quando Tammy entrevista um homem gay que tem AIDS.
Uma curiosidade: Jessica Chastain é seis anos mais velha que Andrew Garfield, enquanto a verdadeira Tammy Faye Bakker era mais nova que Jim Bakker.
Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye)
Direção: Michael Showalter
Roteiro: Abe Sylvia
Elenco: Jessica Chastain, Andrew Garfield, Cherry Jones e Vincent D’Onofrio
Gênero: Biografia, Drama, Romance
Ano: 2021
Duração: 126 minutos
Muito boa a crítica e me levou a assistir ao filme! Parabéns, jovem!