Crítica | Matrix Resurrections
Mais de 20 anos se passaram desde que fui à uma sala de cinema assistir ao filme Matrix. Me recordo, como se hoje fosse, de afirmar categoricamente: “Não entendi nada!”. O longa, que deu um nó na minha cabeça e na de milhares de outras mentes, foi um divisor de águas entre o que eram os filmes de ação antes e depois que o roteiro das irmãs Wachowski foi parar nas telonas, no final dos anos 1990. Matrix Resurrections é o quarto longa-metragem da franquia e traz de volta personagens como Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss), além de resgatar, propositadamente, muitos momentos nostálgicos da trilogia. O filme estreia nos cinemas no próximo dia 23 de dezembro de 2021.
A sequência, do começo ao fim, é um dejà vu – termo que tornou-se parte da mitologia de Matrix. Ou seja, uma repetição quase meticulosa de momentos marcantes da saga de Neo e seus seguidores na busca por liberdade de escolhas. Lana Wachowski, diretora e roteirista, não poupou os espectadores de boas lembranças, que aparecem como flashes de memória de Neo e em histórias recontadas pelos sobreviventes – histórias essas que viraram lendas para a civilização que perdurou no pós-guerra entre homens e máquinas.
Em Resurrections, Thomas Anderson/Neo é um tiozinho nerd que inventou, há 20 anos, um jogo de videogame chamado Matrix. Assim como em Matrix (1999), Anderson não se sente confortável com a própria vida. Mesmo indo à academia, frequentando um psiquiatra e vivendo uma vida normal, Thomas sabe que há algo errado. As recordações que ele tem foram explicadas, pelo Analista (Neil Patrick Harris) em surtos psicóticos onde ele imagina, por exemplo, que costumava voar. Para evitar os surtos, o terapeuta prescreve pílulas azuis.
Dono da franquia Matrix, Thomas Anderson é instigado pelo sócio (Jonatham Groff), a criar uma sequência do game. Em uma cena impagável de brainstorming com o pessoal do marketing, a metalinguagem corre solta. “A Warner Bros vai tocar uma continuação com ou sem o nosso envolvimento”, explica alguém na sala. Várias referências e criações de Matrix (1999) são reverenciadas, como o efeito bullet time, que mudou o conceito de filmar cenas de ação.
Destaque para o ator Yahya Abdul-Mateen II, como Morpheus. Nos filmes anteriores, o personagem era interpretado por Laurence Fishburne. Em Resurrections, Yahya traz um Morpheus ainda mais refinado e com a mesma missão: resgatar Neo do controle silencioso. Com Addul-Mateen II, é possível matar as saudades do bom e velho Morpheus e também morrer de amores pela sua versão 4.0.
O gatilho emocional que impulsiona a trama foca na relação entre Neo e Trinity, cuja química entre os atores corrobora para o sucesso do roteiro. Resurrections é, sobretudo, uma história de amor, muito embora isso talvez decepcione alguns espectadores. O longa nos faz percorrer exatamente o mesmo caminho que percorremos há mais de 20 anos: no início, uma confusão, um sentimento de “o que está acontecendo nesse filme?”. As cenas de diálogo e ação foram devidamente equilibradas desta vez – ao contrário das sequências -, repetindo a fórmula de sucesso de Matrix (1999) e as cenas de luta trazem um gostinho nostálgico, com destaque para a luta entre Neo e o novo agente Smith.
Em Matrix Resurrections, Lana Wachowski deixa claro, mais uma vez, que trata-se de um filme sobre o inconformismo a um sistema repressor e a necessidade de evoluir ao despertar para mudar um mundo opressor e violento. Nos vemos, novamente, seguindo o coelho branco, em clara referência ao livro Alice no país das maravilhas, e escolhendo a subversiva pílula vermelha – invejosos dirão ser qualquer coisa relacionada ao comunismo – a qual traz a verdade em detrimento à resignação dentro da Matrix.
Impossível não comparar Matrix Resurrections com o primeiro da franquia. Resurrections não revoluciona, mas aponta para o futuro mesmo enquanto enaltece momentos inesquecíveis e faz piada de si mesmo. A genialidade de Lana nos faz voltar ao universo reflexivo de Matrix e nos recorda do legado criativo do longa-metragem que deu origem às sequências. Voltar 22 anos no tempo com esse novo filme foi uma experiência ímpar e uma grata surpresa perceber que sempre haverá quem escolha a pílula vermelha em vez do conformismo e controle conservador sistemático.
Uma frase: – “Eu ainda sei kung fu”.
Uma cena: O brainstorming do pessoal de marketing em torno do videogame Matrix.
Uma curiosidade: Hugo Weaving foi originalmente abordado para reprisar seu papel como Agente Smith, mas ele teve que recusar devido a conflitos de agenda com outros filmes.
Matrix Resurrections (The Matrix Resurrections)
Direção: Lana Wachowski
Roteiro: Lana Wachowski, David Mitchell e Aleksandar Hemon
Elenco: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Yahya Abdul-Mateen II, Jessica Henwick, Jonathan Groff, Neil Patrick Harris, Priyanka Chopra Jonas e Jada Pinkett Smith
Gênero: Ação, Sci-Fi
Ano: 2021
Duração: 148 minutos