Crítica | Shiva Baby
Marcando sua estreia em longas-metragens de maneira especial, a cineasta Emma Seligman traz em “Shiva Baby” uma daquelas comédias constrangedoramente sufocantes e que sabe brincar com o contexto familiar e religioso. O filme, que foi adaptado de seu curta-metragem homônimo, traz uma premissa inusitada e todo um jogo de enquadramentos de câmera, cores e trilha-sonora que casam muito bem com a proposta da comédia e tornam a experiência ainda mais gratificante.
Na trama somos apresentados a uma universitária chamada Danielle (Rachel Sennott) que se depara com uma série de encontros e situações constrangedoras em um Shivá, um período de luto dentro do judaísmo. Além de um monte de parentes inconvenientes e pais autoritários, ela vai ter que lidar durante o velório com o desconforto de ter que se encontrar com o seu sugar daddy — que aparece “do nada” com sua esposa e filho — e, para completar a cartela do bingo do inferno, também a sua ex-namorada.
Toda a história acontece num período de cerca de 24 horas e, tirando a cena inicial, ele se passa quase todo dentro de uma casa onde está acontecendo o Shivá que a protagonista foi obrigada pelos seus pais. Mesmo dentro de um contexto religioso judaico, as situações de constrangimento entre familiares e pessoas aleatórias com toda aquela gama de perguntas desconcertantes que vão desde carreira até namoradinhos, acaba sendo bem universal em alguns pontos, o que ajuda a cativar o espectador de maneira mais fácil.
Na parte técnica, Emma Seligman e sua equipe — e aqui vale ressaltar que os membros mais importantes são em maioria mulheres, desde o elenco, até os grupos mais técnicos — amplia todo o desconforto em algumas cenas trazendo cores quentes e enquadramentos claustrofóbicos acompanhados de uma trilha-sonora quase sempre irritante, o que torna a experiência deliciosamente mais “dolorosa” e divertida. A pegada do humor é mais ácida e foca em discussões importantes sobre sexualidade (a protagonista é bissexual), família, carreira e, obviamente, religião.
O elenco todo trabalha muito bem, mas o destaque fica mesmo com a protagonista Rachel Sennott, que se tornou amiga da diretora já que, após o curta, o processo de desenvolvimento do longa-metragem levou dois anos até estar pronto e, durante todo esse tempo, as duas estiveram muito próximas e o resultado pode ser visto em tela.
Apesar de ser uma comédia, não é uma daquelas produções em que você irá se contorcer de rir ou rolar no chão, ainda assim é um filme muito divertido por trazer situações que quase todo mundo já passou pelo menos uma vez na vida. Ainda que encontrar seu sugar daddy e sua ex num mesmo evento de luto seja algo um tanto quanto raro de se acontecer (talvez eu esteja sendo ingênuo nessa parte), dá para sentir na pele a dor que a protagonista passa durante quase todo o filme que se encontra disponível no catálogo do MUBI e que vale o seu tempo investido nele.
Uma frase: “Ainda bem que o café de Sheilla é sempre morno, se não você teria queimaduras de terceiro-grau”.
Uma cena: O encontro entre Danielle e Maya do lado de fora da casa, tudo acontece, ninguém vê e a câmera passeia pela janela, pelo fundo da casa, criando uma tensão divertida numa cena “quente”.
Uma curiosidade: Kim (Dianna Agron) é chamada de “shiksa” no filme que significa mulher não judia. O curioso é que Dianna Agron é judia na vida real, ao contrário da protagonista interpretada por Rachel Sennott.
Shiva Baby (2020)
Direção: Emma Seligman
Roteiro: Emma Seligman
Elenco: Rachel Sennot, Danny Deferrari, Fred Melamed, Polly Draper, Molly Gordon, Glynis Bell, Rita Gardner, Cilda Shaur, Jackie Hoffman, Richard Brundage, Sondra James e Dianna Agron.
Gênero: Comédia, drama
Lançamento: 2020