Review | His Dark Materials – 1º e 2º Temporadas
Existe uma sanha na cultura pop por encontrar séries substitutas para produções de grande sucesso. His Dark Materials foi vendida em alguns lugares como “a nova Game of Thrones” (e qual série fantástica lançada após o desfecho de GOT não foi?), mas as semelhanças com a Guerra dos Tronos é exagerada e em nada contribui com a ‘venda’ deste seriado.
Com duas temporadas já lançadas e com a terceira (e última) já em produção, o seriado que adapta a premiadíssima trilogia literária escrita por Phillip Pullman, mesmo não sendo perfeito, possui acertos e apresenta uma jornada fantástica num clima mais leve e gostoso de se acompanhar sem deixar de lado as críticas pertinentes que seus textos carregam.
As Fronteiras do Universo
Na primeira temporada, assim como no livro “A Bússola de Ouro“, somos apresentados a uma garota chamada Lyra Belacqua (Dafne Keen, “Logan“). Ela vive em um mundo paralelo e parecido com “o nosso” onde ciência, magia e religião estão entrelaçados. Nesta ‘dimensão’, todos os humanos possuem um ‘daemon‘, que são ‘entidades’ animais ligadas às pessoas. É como se a sua alma tivesse a forma ‘mágica’ de um animal falante que corresponde a alguma forte característica sua. Quando crianças, essa forma muda constantemente, fixando-se apenas quando as pessoas tornam-se adultas.
Lyra vive na Universidade de Oxford e sua jornada começa quando Lorde Asriel (James McAvoy, “Fragmentado“) retorna após uma expedição no norte. Ele chega para falar sobre um assunto que é proibido, o “Pó” (não é esse que você está pensando). Em meio a esse alvoroço, crianças começam a ser raptadas e quando o seu melhor amigo Roger (Kit Connor) é sequestrado também, ela embarca em uma aventura sem precedentes para tentar encontrá-lo.
A tal Bússola de Ouro, que serve de título ao primeiro livro escrito por Pullman, é um artefato chamado Aletiômetro entregue para Lyra antes dela partir. Com ele é possível obter respostas para todos os tipos de perguntas, mas normalmente é preciso de anos de estudo para aprender a usá-lo.
Além dos daemons, a história traz feiticeiras, ursos falantes e muitos outros elementos encontrados em livros de fantasia, um desafio e tanto para a produção e equipe de efeitos especiais. Existem algumas boas sacadas como não apresentar sempre os daemons em todas as cenas, mas mesmo assim dá para ver que não houveram economias nesse quesito. Um dos personagens mais interessantes do livro, o urso de armadura Iorek Byrnison (dublado no original pelo ator Joe Tandberg) é muito bem feito. Sua presença nas cenas é bastante convincente e não abala a fé cênica.
Por último, todos os efeitos em torno dos portais/janelas para outros universos e mundos paralelos também são muito competentes, ainda mais em se pensar numa produção para a TV. A representação dos outros mundos, no entanto, é um pouco econômica e centrada em menos cenários do que os vistos nos livros, mas é tudo arrumado de maneira a deixar as coisas mais ligadas sem prejudicar a narrativa.
Os livros eram melhores?
A primeira tentativa de adaptar os livros de Pullman nos cinemas não foi bem sucedida, mesmo com nomes fortes no elenco o filme “A Bússola de Ouro (2007)” foi um fracasso de público e crítica também. Essa adaptação foi inclusive citada como um dos motivos pelo qual George R. R. Martin quis que seus livros fossem adaptados em forma de série.
A adaptação do primeiro livro é muito bem feita na primeira temporada da série que, além disso, cria uma história de background para um outro personagem muito importante que, nos livros, só é apresentado no segundo volume chamado “A Faca Sutil“. Essa foi uma boa sacada dos produtores, apresentar Will (Amir Wilson) desde o começo da série ajudou a trazer uma empatia melhor com o personagem, e também fazer com que sua história fosse contada aos poucos e sem pressa.
Já a segunda temporada, infelizmente, peca em algumas escolhas. Uma das maiores reviravoltas, que é a apresentação da faca sutil, uma arma capaz de abrir janelas para outros mundos, não é tão impactante quanto nas novelas escritas por Phillip Pullman. Ainda que tenha sido feito todo um trabalho de desenvolvimento para a apresentação do personagem Will, o tal portador da faca, é quase que decepcionante a forma como tudo foi construído no seriado.
Existe outra coisa também que não me agradou, em comparação com os livros, que é essa necessidade visceral de se ter a atenção virada para alguns vilões mais específicos. É algo inerente à fórmula criada para produções televisivas que, infelizmente, tira um pouco do brilho da narrativa literária. O esforço para tornar a personagem interpretada pela atriz Ruth Wilson uma verdadeira nêmeses, poderosíssima, acaba por “matar” vários arcos interessantes que acontecem na história original.
Dessa forma, infelizmente, o axioma das adaptações se faz presente também em His Dark Materials: Os livros eram melhores.
Vale a pena?
O seriado talvez tenha sido originalmente pensado para durar algumas temporadas a mais, de qualquer forma, encerrar com três, ainda mais considerando que são adaptados de uma trilogia também, faz sentido. Algumas mudanças feitas são interessantes e outras são apenas vícios televisivos difíceis de serem alterados.
Duas coisas precisam ficar claras na mente de todos que assistem adaptações literárias, seja na TV ou nos cinemas. Primeiro, como o próprio nome já diz, alguns ‘ajustes’ precisam ser feitos para que se enquadre no novo modelo. Segundo, nossas mentes não possuem limites tecnológicos e nem de recursos, por tanto, viagens por universos fantásticos sempre serão melhores dentro da nossa imaginação.
Ainda assim, mesmo com algumas adaptações não tão felizes, mesmo que alguns arcos interessantíssimos dos livros tenham sido obliterados, a série conta com uma produção muito cuidadosa, traz um elenco incrível com destaque para Dafne Keen, que carrega quase todo o carisma da série nas costas e, não menos importante, a mensagem central que Pullman entregou em sua obra ainda está lá, ainda que um pouco diluída. O enfrentamento contra preceitos religiosos (seus livros chegaram a ser banidos em muitos países) e a discussão entre pecado e livre arbítrio é bastante interessante.
Essa mistura de magia, fantasia e ficção científica foi o que me atraiu a ler os livros há cerca de vinte anos atrás. A série faz um trabalho razoável e traz uma jornada leve e contagiante na medida certa. Não tenta ser nem Game of Thrones, nem Harry Potter. Não é melhor que os livros, mas ainda assim vale a pena por se tratar de um entretenimento bem produzido e cativante.
His Dark Materials
Emissora: Hulu, HBO.
Elenco: Dafne Keen, Amir Wilson, Ruth Wilson, Kit Connor, Ariyon Bakare, Lin-Manuel Miranda, Ruta Gedmintas, Frank Bourke e Will Keen.
Gênero: Aventura, Fantasia, Ficção Científica.
Anos: 2019-2020