Review | Bom dia, Verônica – 1ª temporada
A série Bom Dia, Verônica é uma surpreendente produção nacional original Netflix, com uma história instigante que choca e prende o espectador do começo ao fim dos oito episódios. A obra é baseada no livro homônimo lançado pelo selo DarkSide Books em 2016 – uma primorosa narrativa de ficção criminal, com pitadas de gore e suspense, escrito pela famosa criminologista brasileira Ilana Casoy e pelo jovem bem sucedido escritor contemporâneo Raphael Montes.
Na TV, a trama ganha vida, especialmente, pela entrega e competência da tríade de atores: Tainá Muller (Verônica), Camila Morgado (Janete) e Eduardo Moscovis (Cláudio Brandão). Temas como violência doméstica, assassinato em série, mistério e drama psicológico compõem a receita de sucesso da série, que desperta sentimentos conflituosos, polêmicas e eleva o potencial das produções brasileiras na era dos streamings.
Um dos grandes feitos da produção também acaba sendo o principal problema da adaptação. Ao tentar ser quase que totalmente fidedigna ao livro, a série reproduz o equívoco de expor a violência pela violência, explorando o sadismo e a fetichização das agressões e dos crimes, em sequências de horror gratuitas e que, em muitos momentos, por seus diversos gatilhos, colocam em risco oque parece ser o objetivo central do roteiro: conscientizar e alertar sobre a importância de denunciar violência contra mulheres.
Verônica, a protagonista, é escrivã de uma Delegacia de Homicídios de São Paulo, mergulhada numa entediante rotina administrativa como secretária do delegado Wilson Carvana (Antônio Grassi). Depois de testemunhar um misterioso suicídio no local, a policial é impulsionada por uma incontrolável vocação investigativa. Em pouco tempo, ela se vê completamente envolvida em duas diferentes frentes de investigação que abalam seus valores éticos, devassam seu passado e colocam em risco sua pacata vida familiar.
São poucas, pontuais, porém significativas as mudanças feitas pelo roteiro na história original, a qual é pautada pelo potente protagonismo da personalidade complexa e difusa de Verônica. A narrativa da série da Netflix, lamentavelmente, tira bastante desse potencial e poda a policial, exibindo uma versão mais conservadora da personagem, talvez na tentativa de torná-la mais “palatável” para o grande público televisivo brasileiro.
A produção quer surfar na pauta do empoderamento feminino e falha miseravelmente. E, nesse ponto, outro grande equívoco é a criação da personagem da delegada Anita (Elisa Volpatto), que não existe no livro. Ela é o clichê da “mulher machista” que disputa espaço e reconhecimento com outras mulheres e parece ter sido inserida na trama apenas para fazer o contraponto ético à Verônica, como se mulheres somente pudessem rivalizar com outras personagens femininas, por não estarem à altura de competir em pé de igualdade com homens.
[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]
Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos narrados na primeira temporada de Bom dia, Verônica.
Conspiração
Outro questionável rumo adotado pela série de TV é opção por um plano de fundo conspiratório envolvendo autoridades em diversos escalões de poder e que parecem ter fundamento e origem em uma antiga seita chamada Cosme e Damião. Com isso, a produção adentra em um território nebuloso e arriscado que sugere uma possível associação entre ritos religiosos que já são bastante marginalizados a uma estrutura criminosa – e que, provavelmente, será o foco central da possível próxima temporada da série. A temática parece tirar a atenção do que poderia continuar sendo a maior motivação da policial – agora, justiceira – na sequência da história: punir homens abusivos.
Janete que existe em nós
Por falar em relacionamento abusivo, o de Janete e Brandão é o exemplo mais brutal do ciclo vicioso de altos e baixos que envolve e oprime mulheres emocionalmente, culminando em violência física e morte. A jornada da dona de casa reflete o dia a dia de muitas mulheres que são isoladas do convívio social e familiar para se tornarem reféns completamente dependentes de seus próprios parceiros – que são ora amorosos, ora extremamente agressivos, alternando períodos de “lua de mel” com momentos de dor física e sofrimento emocional.
Na representação detalhada do universo psicológico desses personagens e com a incrível atuação de Camila Morgado e Du Moscovis, a Netflix acerta ao propiciar diversas condições para gerar identificação e, assim, despertar e conscientizar mulheres que passam por situações semelhantes. Porém, esse é um recurso narrativo controverso na série e no livro, já que é acompanhado do excesso de exibição de violência, o que pode muito mais repelir do que atrair a audiência feminina, em razão da diversidade de gatilhos.
- Fui convidada pelo Canal Farofa Geek para falar sobre as diferenças entre o livro Bom dia, Verônica e a série da Netflix. O resultado está nesse vídeo:
Bom dia, Verônica – 1ª Temporada
Criado por: Raphael Montes
Emissora: Netflix
Elenco: Tainá Müller, Eduardo Moscovis, Camila Morgado, Elisa Volpatto, Antônio Grassi, César Mello e Sílvio Guindane
Ano: 2020
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