Por que Star Wars continua errando com suas personagens femininas?
Ascensão Skywalker, último filme da nova trilogia Star Wars, consolidou a equivocada execução de um projeto superficial de representatividade feminina anunciado em O Despertar da Força. Os novos episódios da saga tinham tudo pra ser um retrato no novo século, mas se contentou em reproduzir fórmulas desgastadas e ultrapassadas no desenvolvimento de suas personagens mulheres.
É compreensível que o desafio da Disney com a conclusão do arco histórico da linhagem Skywalker era enorme. Era preciso agradar fãs de diferentes gerações, afinal, foram quatro décadas de influência de Star Wars na cultura pop. Por isso, entregaram um roteiro acanhado, com resoluções simplistas e repleto de clichês. Uma pena que falharam, principalmente, com Leia, Rey, Rose e Capitã Phasma.
A general Leia Organa (Carrie Fisher), o maior símbolo da Aliança Rebelde, da resistência – a personagem feminina mais forte e significativa da trilogia original – teve seu desfecho obviamente comprometido pelo falecimento da atriz em 2016, antes do início das gravações do último longa. Nos filmes de 2015 e 2017, no entanto, o seu potencial seguiu ofuscado pelo excesso de protagonismo conferido a Luke e Han, assim como nos longas da década de 70.
Sem incorrer em revisionismo da saga, nem retomar à questão da objetificação e sexualização de Leia com seu biquíni dourado em O Retorno do Jedi, é incontestável que a personagem segue reduzida ao papel de mulher da equipe, embora possua importante função decisória no contexto da guerra contra a Primeira Ordem. A general acaba mais identificada por seu papel de mãe na trama do novo vilão Kylo Ren. Sentimento maternal esse que se estende à Rey e até mesmo ao seu irmão Luke. A incrível guerreira Leia encerra sua jornada no lugar reducionista que há anos é atribuído à mulher: o de esposa e mãe.
Já Rey (Daisy Ridley), a catadora de lixo que se descobre sensitiva à força, tinha imenso potencial para ser a maior e mais complexa heroína de todos os tempos no universo de Star Wars. À primeira vista, a expectativa era de que a personagem ganhasse uma jornada bem desenvolvida, que explorasse mais a sua personalidade ambígua e questionadora, falível e ingênua – o que a levaria a assumir naturalmente um novo tipo de protagonismo, dissociado e independente da linhagem Skywalker, capaz de transformá-la em ícone de representatividade feminina da nova geração.
Em Os últimos Jedi, Rey recebe treinamento, começa a dominar a força, questiona sua origem, demonstra hesitação ao ser tentada pelo lado sombrio – numa trajetória ascendente que poderia entregar muito mais do que fato foi entregue aos fãs em Ascensão Skywalker. Tanto a revelação do seu parentesco com Palpatine, quanto a confirmação do romance com Kylo Ren reduzem a personagem feminina mais uma vez a um mero recurso narrativo da jornada dos personagens masculinos.
Apesar de demonstrar muito heroísmo, poder, coragem e obstinação, bem mais até do que a maioria dos personagens masculinos da saga revelaram até aqui, a guerreira Rey encerra a nova trilogia sem emocionar e nem empolgar o bastante. O término de sua jornada em busca de um propósito para sua existência não faz jus a tudo que foi estabelecido nos dois primeiros filmes da nova trilogia. A protagonista nem ao menos teve um antagonista à sua altura, já que esse papel deveria ter sido melhor desenvolvido em Kylo Ren, sem a necessidade do retorno de Palpatine. A própria redenção de Ben Solo, condicionada a uma paixão por Rey, superficializa a trama num nível inconcebível.
A crítica aqui não é ao romance em si, mas ao custo imposto por ele à construção dos personagens. E por falar nisso, Rose Tico (Kelly Marie Tran) – que aparece em Os Últimos Jedi para ser a parceira de aventuras de Finn e termina o filme beijando o personagem – sofreu com a repercussão desse projeto de relacionamento. A personagem foi mutilada em seu potencial de participação em Ascensão Skywalker por causa da má recepção do fatídico beijo entre o fandom mais purista.
Rose teve aproximadamente 70 segundos de tela e poucas e irrelevantes falas no seu segundo filme, enquanto poderia ter sido decisiva nas fileiras de batalha lideradas por Poe Dameron. Uma “morte” lenta e gradual de uma personagem feminina cheia de carisma e que trouxe uma nova perspectiva de representatividade para a saga – silenciada pelas escolhas de roteiro muito mais preocupadas com a quantidade de ingressos a serem vendidos.
Do mesmo problema padeceu a capitã Phasma (Gwendoline Christie), que apareceu em O Despertar da Força e em Os Últimos Jedi, sem ter sido desenvolvida e com o claro intuito de servir de muleta narrativa para a jornada de Finn. A sua posição no exército da Primeira Ordem oferecia a possibilidade de se explorar o olhar de uma mulher guerreira que luta pelo lado sombrio da força, suas motivações e propósitos. Ao contrário disso, a personagem teve um desenvolvimento superficial, um final breve e sem tempo para ter sido ao menos lamentado.
Por esses e outros tantos motivos, Star Wars segue cometendo erros na representação de suas personagens femininas. Uma saga que foi ao mesmo tempo promissora com a construção da princesa Leia nos anos 70 e resignificou em diversos aspectos o lugar da mulher nos filmes de ação e aventura – apesar dos pesares – agora desperdiça a oportunidade ímpar de estar na vanguarda da cultura pop do século XXI. Ao invés disso, o universo idealizado por George Lucas retrocede covardemente e impõe um ritmo descompassado com o contexto histórico e social de seu tempo.