Crítica | Legalidade
Legalidade é o filme do cineasta gaúcho Zeca Brito, que foi lançado no 35º Chicago Latino Film Festival, onde conquistou os prêmios de Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Direção de Arte e Melhor Direção de Fotografia no 42º Guarnicê Festival de Cinema. O longa tem como pano de fundo um momento decisivo para a história brasileira: a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, e o movimento liderado por Leonel Brizola (Leonardo Machado) – então governador do Rio Grande do Sul – para evitar o golpe militar e garantir o respeito à Constituição Federal.
Para além do contexto histórico, o filme narra também o drama de um triângulo amoroso fictício envolvendo a jornalista Cecília (Cleo Pires), o repórter fotográfico Tonho (José Henrique Ligabue) e o antropólogo e guerrilheiro Luis Carlos (Fernando Alves Pinto). Em meio ao caos social e político, o romance parece deslocado e desnecessário no roteiro e acaba por reduzir o drama e a tensão do longa em uma ineficiente narrativa novelesca.
Para completar o combo de equívocos narrativos que limitam o potencial de apreensão da mensagem política e da reconstrução histórica dos fatos, o filme também inclui uma trama paralela, que se passa por volta dos anos 2003 e 2004, no qual Bianca (Letícia Sabatella), filha de Cecília, investiga o que teria acontecido com seus pais no período da ditadura militar. A personagem é completamente subaproveitada e tem um desfecho confuso e pouco desenvolvido. Os momentos mais interessantes do filme de época são abruptamente intercalados por essas cenas do futuro, que nada acrescentam e pior: descrevem descobertas que o espectador é capaz de perceber sozinho, explicando o óbvio.

Temos ainda um bônus nesse pacote de problemas de Legalidade. A protagonista de Cleo Pires é hipersexualizada e objetificada. O papel reproduz estereótipos negativos referentes à sexualidade feminina, além de reforçar preconceitos de gênero. Com a falsa aparência de mulher independente e empoderada, Cecília utiliza a sedução para obter vantagens profissionais. A personagem parece inserida na trama apenas para atender aos fetiches masculinos. Enquadramentos de câmera e ângulos exploram o corpo da atriz. Há cenas de sexo com riqueza de detalhes desnecessárias para o desenvolvimento da narrativa principal.
Em síntese, à primeira vista, o longa parece ser um convite a um passeio histórico, mas a partir do segundo ato, o que vemos é a entrega de uma trama de novela mal feita. O que de fato ainda faz o filme valer a pena é a primorosa interpretação do ator Leonardo Machado como Brizola, repleta dos maneirismos típicos do político gaúcho. Além disso, também impressiona o louvável trabalho de fotografia e direção de arte, que recriam cenários e intercalam imagens de ficção e arquivo com bastante eficiência.
Uma frase: “Se eles querem um estado de exceção, terão um estado de exceção”
Uma cena: A cena do último discurso de Brizola na Rádio da Legalidade.
Uma curiosidade: O ator Leonardo Machado, que interpretou Leonel Brizola no filme, morreu aos 42 anos, em setembro de 2018, em decorrência de um câncer no fígado.
Legalidade
Direção: Zeca Brito
Roteiro: Zeca Brito e Leo Garcia
Elenco: Cleo Pires, Letícia Sabatella, Fernando Alves Pinto, Leonardo Machado e José Henrique Ligabue
Gênero: Drama, História
Ano: 2019
Duração: 122 minutos

Uma frase: “Se eles querem um estado de exceção, terão um estado de exceção”
Filmes assim, ainda mais no momento em que estamos vivendo, são muito importantes. Espero que “Legalidade” chegue ao máximo de cinemas no Brasil!