Westworld S02E05 – Akane no Mai
Bem-vindos a Shogun World! ( Finalmente!).
Eu gostaria de começar explicitando que esse texto não pode ser uma crítica, no sentido convencional que se dá ao termo, pois é, sobretudo, uma declaração de amor.
Na infância, certos personagens definem a experiência do imaginário que circunscreve nosso mundo. Somos, desde cedo, habitados por esses personagens que de alguma forma irão contribuir para formação de nossas identidades. Assim, brincamos de polícia e ladrão, piratas, astronautas; mas talvez a mais clássica das brincadeiras seja a de cowboys e índios. Isso, evidentemente, graças a influência massiva que a indústria cinematográfica estadunidense exerce em todo mundo.
Romper esse imenso bloqueio hegemônico erguido pelo capital da indústria cinematográfica estadunidense não é uma tarefa das mais ordinárias. Assim, embora o mundo seja dominado por Cowboys e Índios, há ainda alguns que brincam de Samurais e Ninjas. Eu incluso dentre estes alguns. (O verbo brincar no presente não está impreciso, embora eu jogue menos Legend of the Five Rings do que gostaria e treine menos Aikido do que deveria). A mera existência desses arquétipos orientais como referência das brincadeiras infantis, em mundo dominado pela indústria cultural que tem em Hollywood um de seus principais expoentes, já é um dado extraordinário. Quando se identifica que esse fenômeno pode ser relacionado a um homem, um gênio na verdade, talvez um dos maiores gênios que a sétima arte conheceu, é preciso lembrar seu nome: Salve, grande mestre, Akira Kurosawa!
Eu avisei que esse texto seria uma declaração de amor. A uma cultura que me fascina desde jovem. A um arquétipo que me ajudou a definir minha identidade. A samurais, à ninjas, à elegância e precisão mortal de uma katana; enfim, a um gênero, mas sobretudo àquele que tornou esse gênero possível. Akira Kurosawa. Mas essa declaração se explica apenas pelo fato de que o quinto episódio da segunda temporada de Westworld recorre ao gênero e nitidamente homenageia Kurosawa? Trata-se apenas de reminiscências de um talvez exagerado deslumbramento juvenil? Não. A questão aqui é que o recurso a Kurosawa através do episódio reforça o quão profundo é o conhecimento e o domínio que os produtores de Westworld possuem sobre o material que têm em mãos, e isso, consequentemente, reforça o valor artístico e a genialidade do produto final que é a série.
[button-red url=”#” target=”_self” position=””]Aviso de SPOILERS[/button-red]
Os comentários a seguir falam sobre acontecimentos encontrados em Akane no Mai, o quinto episódio da segunda temporada de Westworld.
Dito em poucas palavras, parece não haver limites para a metalinguagem em Westworld, através da exploração, nesse caso em particular, de uma curiosa relação entre linguagens que se sustenta em uma peculiar simetria de estruturas narrativas e arquetípica, que vemos claramente ser explorada ao longo de todo o episódio. Vamos por partes, porém, para evitar confundir o leitor. Antes de falar da questão da simetria que é o fio condutor de todo o episódio, falemos da importância da referência inicialmente sugerida. Falemos de Kurosawa. Por que ele é importante para cowboys e índios, para o gênero de western como um todo e, mais especificamente, por que diabos ele é importante para Westworld?
Bom, se você não sabe quem é Akira Kurosawa, sinto muito, não vou explicar. Primeiro porque não sou capaz de escrever um texto o definindo. Segundo por não faltar informação sobre ele na internet, para aqueles que têm interesse. Mas terceiro, e o mais importante, é o fato de que se você não sabe quem é Kurosawa, é porque você provavelmente nunca viu um filme dele. E não há forma melhor de explicar Kurosawa do que através de sua obra. (Guarde em seu coração essa afirmação pois ela será importante para que você compreenda o valor, além do subjetivo, que conferi a esse episódio). Se você quiser entender Kurosawa, assista seus filmes. Se não, então talvez nada disso seja para você. Nem esse texto, nem Westworld. Desculpe, talvez nem essa vida. Enfim, sigamos em frente. Por que diabos é importante falar de Kurosawa para falar de Akane no Mai? Ou, você deve estar se perguntando, por que diabos esse texto já tem tantos parágrafos e palavras e esse desgraçado ainda não falou nada sobre o episódio? Bom, essa última pergunta, fica por sua conta. Para a pergunta anterior há uma resposta bem direta (desculpe por não ter dito antes):
Crítica | Sete Homens e um Destino (The Magnificent Seven, 2016)
No link acima você poderá encontrar uma descrição mais detalhada da história que vou contar. Em linhas gerais, porém, cabe ressaltar a importância que o original de 1960 tem para Westworld. Afinal, o mais icônico personagem do filme Westworld, que ganhou uma nova leitura, porém se mantendo tão importante quanto, na série, não é outro senão o Homem de Preto. E na versão original do filme de 1973 que deu origem à série cabe a Yul Brinner dar vida ao famigerado pistoleiro autômato descontrolado e obcecado por dois visitantes que cruzaram seu caminho. Uma referência direta a Sete Homens e um Destino.
Lembrada essa importante relação entre Sete Homens e um Destino e Westworld, esclareçamos como diabos Kurosawa se relaciona com essa obra e vice versa. A resposta está em “Os Sete Samurais”. Foi a icônica obra-prima de Kurosawa que inspirou Sete Homens e um Destino. Da mesma forma como Yojimbo do mesmo Kurosawa influenciou Por um punhado de Dólares de Sérgio Leone. O certo é que, muito de como entendemos e experimentamos o Western na cultura pop nós devemos a Kurosawa. O que significa dizer, também, que Kurosawa está na essência de Westworld.
Em Akane no Mai toda essa essência é revelada e exposta em uma belíssima homenagem ao mestre dos mestres Akira Kurosawa. Embora esteja a milhares de quilômetros de distância da genialidade de Kurosawa o diretor do episódio é competente o suficiente para emular tropes clássicos do cinema do diretor japonês. Afinal, coube a Kurosawa definir através de seu estilo como o Ocidente passaria a compreender o Oriente, o Japão e período Edo, a era dos samurais. Enfim, toda a nossa compreensão estética dos guerreiros feudais foi determinada em seus filmes. E no quinto episódio da segunda temporada de Westworld vemos isso ganhar vida diante de nossos olhos. Que outra seria, que não Westworld, nos permitiria, inserida na sua narrativa principal, testemunhar tamanha poesia tanto em nível narrativo quanto metalinguístico?
E tudo isso é feito com um ótimo roteiro que recorre, com bastante irreverência, a uma interessante técnica de espelhamento, e sem dispensar excelentes atuações. O destaque, sem dúvida, fica para Rinko Kikuche. No papel da personagem que dá nome ao episódio (que poderia ser traduzido livremente como “A dança de Akane”), ela entrega uma performance tão delicada e sutil quanto poderosa e avassaladora. Akane, a gueixa, não é apenas o espelho de Maeve no Shogun World. Mais que isso, ela é a epítome de um arquétipo. Algo que, Maeve percebe, ela deve mirar ser; algo que talvez Dolores – se considerarmos particularmente os eventos desse último episódio relacionados a Teddy – jamais será. E essa epítome se traduz, justamente, em sua dança.
A dança da morte de Akane é a síntese da perfeita harmonia entre tudo aquilo que há de mais belo e de mais mortal em Westworld. Ao som de mais uma genial adaptação – melhor dizer reinvenção – do compositor Ramin Djawadi, dessa vez de C.R.E.A.M. do grupo de hip hop estadunidense Wu-Tang Clan, Rinko Kikuche, tal qual uma Mata-Hari, nos hipnotiza e nos leva ao êxtase em um estupor de selvageria e sangue.
Eu poderia citar alguns momentos importantes da trama como adendo, tais como o desenvolvimento das habilidades de Maeve a níveis extraordinários ou as controversas decisões de Dolores que as colocam em uma sombria senda, muito próxima àquela trilhada por Ford – ou talvez planejada por ele. Mas tudo isso, tal como uma flor de Sakura prenunciando a chegada do inverno, meio que fenece ante a dança vermelha de Akane. Tudo o mais parece ser desimportante. Longa vida a Kurosawa.
Westworld
Temporada: 2ª
Episódio: 05
Título: Akane no Mai
Roteiro: Dan Dietz
Direção: Craig Zobel
Elenco: Evan Rachel Wood, Thandie Newton, Jeffrey Wright, James Marsden, Tessa Thompson, Ingrid Bolsø Berdal, Fares Fares, Luke Hemsworth, Louis Herthum, Simon Quarterman, Talulah Riley, Rodrigo Santoro, Angela Sarafyan, Gustaf Skarsgård, Shannon Woodward, Ed Harris, Ben Barnes, Clifton Collins Jr., Jimmi Simpson, Katja Herbers e Neil Jackson
Exibição original: 20 de maio de 2018 – HBO