A Nostalgia Era Melhor Antigamente: Super-Homem versus Muhammad Ali
Seja bem vindo à coluna A Nostalgia era Melhor Antigamente, na qual eu covardemente analiso histórias escritas em outro contexto e aponto incongruências inaceitáveis em gibis sobre pugilismo alienígena.
No episódio de hoje veremos como nem mesmo Muhammad Ali, com toda sua nobreza e convicções pacifistas, consegue suportar as doses kryptonianas de babaquice do Super-Homem e a estupidez terráquea de Jimmy Olsen.
Super-Homem vs Muhammad Ali
Roteiro: baseado numa história original de Denny O’Neil, adaptada por Neal Adams
Desenhos: Neal Adams
Arte-final: Dick Giordano e Terry Austin
Publicado no Brasil em Almanaque de Superman de 1979, editora EBAL
Nossa história começa com os intrépidos repórteres Clark Kent, Jimmy Olsen e Miriam Lane zanzando pelo centro de Metrópolis porque receberam uma dica de que o boxeador Muhammad Ali estaria ali (desculpe) e eles querem entrevistá-lo para o noticiário da WGBS.
Sim, você não leu errado. Nessa época, Lois Lane era conhecida no Brasil como “Miriam” e, junto com Clark e Jimmy, provavelmente previu o declínio da mídia impressa com algumas décadas de antecedência, porque os três largaram o Planeta Diário e passaram a trabalhar para uma emissora de TV. Agora, por que raios eles resolveram rodar por uma hora no centro da cidade à procura de uma das celebridades mais conhecidas do mundo em vez de agendar uma entrevista com seu empresário ou assessor de imprensa eu não faço ideia.
Depois dessa longa busca, finalmente eles encontram The Greatest jogando basquete na rua, que aceita ser entrevistado porque achou Miriam Lane linda. O que ela tem de bela, no entanto, Jimmy Olsen tem de estúpido, pois o vemos lamentando não ter carregado sua câmera fotográfica.
Eu realmente preciso enfatizar isso. Já vimos que Clark, Miriam e Jimmy não trabalham mais no Planeta Diário, eles agora são repórteres de televisão e Jimmy, aparentemente, é o cameraman. Longe de mim querer ensinar alguém a fazer seu trabalho, mas ele está com a porcaria da filmadora no ombro! Para que diabos ele precisa de uma câmera fotográfica?
De todo modo, entrevistadores e entrevistado são interrompidos pelo repentino surgimento de um ser alienígena com aspecto ameaçador, que convenientemente se teletransporta para aquele local naquele exato momento. Diante disso, Miriam faz o que qualquer um faria em seu lugar: presume que o alien fala inglês e tenta entrevistá-lo.
Surpreendentemente o alienígena até fala inglês, mas não compartilha da política de Ali no que tange a repórteres bonitas, ou talvez Miriam simplesmente não faça o seu tipo, porque ele a empurra de forma brusca, derrubando-a no chão e provocando a ira do boxeador.
Enquanto Ali soca o alien para lhe ensinar bons modos, Clark aproveita o furdunço para sair de fininho e vestir a cueca por cima da calça, afinal este é um trabalho para o Super-Homem! Embora Muhammad Ali seja um exímio boxeador, o tal alienígena está armado e ainda não se sabe quais são as suas habilidades e intenções, então nosso herói precisa intervir rapidamente!
…ou não. Baseado num palpite, nosso valente herói opta por ir até o espaço, deixando três humanos desarmados e sem poderes enfrentando um alien armado e obviamente perigoso.
Por sorte, a briga não demora muito e o extraterrestre explica seus intuitos: ele quer que o campeão da Terra lute contra o campeão do Planeta Scrubb, por duas razões. A primeira é que eles temem que os terráqueos um dia lhes causem problemas, já que nós somos uma raça muito treteira. A segunda é apenas provar a superioridade do campeão scrubbiano.
Ali protesta diante dessa última afirmação, afinal ele é o maior de todos, e não esse alien desconhecido que nunca teve que aguentar oito rounds contra George Foreman (o boxeador, não o grill. Pergunte aos seus pais).
Independente disso, Ali é um pacifista. Ele registra que surraria o campeão extraterrestre se lutasse com ele, mas não pretende fazê-lo por causa de suas convicções antibelicistas.
Mas o Super-Homem é profunda, irremediável e inapelavelmente babaca. Mesmo Ali tendo deixado claro que não pretende lutar, o Super-Babaca não pode admitir que alguém que não ele seja apontado como defensor da Terra, ainda que hipoteticamente.
Notem: Ali disse com todas as letras que não quer lutar, o Super-Homem está ofendido apenas porque o maior boxeador de todos os tempos conjecturou que se sairia bem caso fosse apontado como o campeão da Terra nessa luta. É muita insegurança, gente.
Cansado de tamanha babaquice, o tal alien decide mandar dois mísseis para destruir a cidade americana de St. Louis e assim provar que não está ali para brincadeira, afinal, cada minuto que eles perdem discutindo é um minuto a menos que o pay-per-view da luta poderia estar sendo vendido.
De toda forma, nosso destemido herói (mentira, foi o Super-Homem mesmo, já que Ali não voava, apenas flutuava como uma borboleta) parte para interceptar os mísseis, despachando-os para o mar “sem maiores consequências”.
Alheio ao massivo dano ambiental que causou, o Super-Homem decide aceitar o desafio proposto pelo extraterrestre, pois enquanto ele cuidava de St. Louis, outros dois mísseis destruíram uma ilha deserta e isolada no meio do Oceano Pacífico.
Voltando a Metrópolis, Jimmy, Miriam e Ali já estão sabendo da destruição que acabou de acontecer em uma ilha deserta a milhares de quilômetros de distância, porque, presumo, os aliens levantaram a hashtag #chupasuperhomem no Twitter. Assim, a discussão sobre quem vai defender a Terra é retomada e o Homem de Aço volta a se achar o último filtro solar de Krypton.
O Super-Homem é tão convencido que Ali sai do campo das hipóteses e resolve que quer lutar como representante da Terra. Notem: um sujeito que abriu mão do título de campeão e teve cassada a licença de boxeador em nome de suas convicções resolve abandonar o pacifismo porque não suportou essa dose kryptoniana de babaquice.
Para encerrar a discussão (e vender dois pacotes de pay-per-view em vez de um só, imagino), o alienígena propõe remover os poderes do Super-Marrento e realizar, dentro de vinte e quatro horas, uma luta preliminar entre os dois, sendo que o vencedor enfrentará o campeão do planeta Scrubb.
Diante disso, o Super-Homem decide levar Muhammad Ali até a Fortaleza da Solidão, para que eles possam treinar juntos para a grande luta do dia seguinte.
Por sinal, vale destacar o espírito esportivo de Ali. Ele está disposto a ensinar um pouco de boxe ao próprio oponente! Não é à toa que esse cara é o maior de todos os tempos.
Para possibilitar o treino, o Super-Homem toma algumas medidas. Usando materiais que por acaso estavam à mão, ele constrói um ringue, um dispositivo que faz o tempo passar mais lentamente e dois pares de luvas da marca Everlast. Tudo isso é montado sob uma luz vermelha que lhe retira os poderes, colocando-o assim em pé de igualdade com Ali.
Por “pé de igualdade” eu quero dizer que o Campeão derruba o Super-Babaca com apenas um soco.
Aproveitando o tempo que passa mais lentamente, Ali segue ensinando ininterruptamente os fundamentos do boxe ao Super-Homem, porque aparentemente nenhum dos dois precisa comer, descansar ou ir ao banheiro.
No dia da luta, ficamos sabendo que a contenda será televisionada para os confins do universo (mas não aqui pra minha casa, porque a Net ia dizer que o cabeamento não chega no meu bairro) e que Jimmy Olsen comandará a cobertura, muito embora ele não seja narrador, nem apresentador, nem comentarista, mas sim um cameraman que por algum motivo tira fotos — ou tiraria, se não fosse tão incrivelmente incompetente.
A luta finalmente começa, e o Super-Homem não consegue encaixar sequer um soco em Muhammad Ali — chega a ser humilhante, quase como se fosse uma luta entre um amador com umas poucas horas de treino versus o maior boxeador de todos os tempos. O Campeão obviamente nocauteia o Homem de Aço, que tem que ser mandado às pressas de volta para a Terra, na esperança de que o sol amarelo o recupere dos ferimentos. É hora da luta principal!
Enquanto jogadores de futebol reclamam se não têm no mínimo três dias de descanso depois de jogar um amistoso contra o Ibis, Muhammad Ali já tem que entrar novamente no ringue contra o campeão Scrubbiano apenas vinte horas depois de enfrentar uma das criaturas mais poderosas do universo. Que homem.
É claro que Ali também vence o campeão alienígena, com direito até a entrevista rimando e prevendo em qual assalto ele beijaria a lona.
Mas quando o imperador Scrubbiano se mostra um mau perdedor e determina que a Terra seja destruída mesmo assim, o povo e o próprio campeão alien, inspirados pela nobreza de Muhammad Ali, se revoltam e depõem o déspota.
Ou seja, ainda bem que ele foi o escolhido como campeão representante da Terra. Sabe-se lá o que teria acontecido se nós tivéssemos indicado um babaca qualquer.
Grande texto! The Greatest! O maioral mesmo. Tá ali um super “que homem!”. Um atleta e um ser humano fenomenal. Mas que, cá entre, também curtia lá suas tretas. Hehehe. Parabéns Lionel. Muito bom !
P.S.: queremos Jimmy Olsen narrando FIFA no lugar de Tiago Leifert.
“Queremos Jimmy Olsen narrando FIFA no lugar de Tiago Leifert”
HAHAHAHAHAHAHAHA!
P.S.: queremos Jimmy Olsen narrando FIFA no lugar de Tiago Leifert. [2]
O melhor texto da pocilga, de todos! Sensacional mesmo. Adorei o link da palavra treteiro kkkkk.
Adorei o link da palavra treteiro [2]
Em breve teremos que usar os superpoderes do nosso Treteiro mor em um podcast. Quiçá Jimmy Olsen possa ser o host!
“A luta finalmente começa, e o Super-Homem não consegue encaixar sequer um soco em Muhammad Ali — chega a ser humilhante, quase como se fosse uma luta entre um amador com umas poucas horas de treino versus o maior boxeador de todos os tempos”.
Mas não foi exatamente isso?