Review | Quantum Break
“Arfante, me atirei para trás da bancada de metal. Precisava de alguns segundos para me recompor e verificar quantas balas ainda tinha no pente. Não que esses alguns segundos fossem algo muito difícil de conseguir pra mim. Mas eu ainda estava me adaptando às minhas novas habilidades e não sabia até que ponto eram confiáveis. Sete balas. Quatro caras. Seria suficiente. Me concentrei e saltei por cima da bancada.
O soldado mais próximo, portando uma submetralhadora tática, foi o primeiro a me ver. Já esperava por isso. Disparou uma rajada em minha direção, mas à minha vontade, as balas, a respiração, o soldado e tudo ao meu redor desaceleraram, quase pararam no tempo, e pude me posicionar atrás do guarda antes que ele pensasse em reagir ou entendesse o que aconteceu. Eu confesso, realmente estava gostando destes novos poderes…”
Os parágrafos acima podem facilmente ser usados para descrever um dos inúmeros momentos de ação proporcionados por Quantum Break, o novo game de ação da Remedy (Max Payne, Alan Wake), exclusivo para consoles Xbox One e PCs com Windows 10. O cerne do jogo, como já deve ter dado a entender pela minha singela narrativa, é o tempo e sua manipulação – empacotado e distribuído na forma de jogo de tiro em terceira pessoa.
Eu preciso confessar uma coisa aqui: sou bitch de histórias de viagem no tempo (quando bem-feitas). Quando fiquei sabendo desse jogo, em 2013, ele foi a razão que faltava para optar por um console Xbox One. Ele também trazia outras características peculiares, que na época de sua anuncio não ficaram muito claras: além de um game, seria também um seriado, e o que você faria no jogo influenciaria a trama que rolaria na TV. Um projeto um tanto quanto ambicioso… mas que depois de diversos problemas de produção e com o fechamento do estúdio de TV da Microsoft, parecia que não ia vingar. Depois de algumas modificações e uma reduzida nas ambições do estúdio, porém, podemos dizer que Quantum Break tem o mérito de ser uma das produções triplo-A mais singulares dos últimos anos.
Mas primeiro as primeiras coisas. A história do jogo, sem querer dar nenhum grande spoiler mas tentando manter o leitor interessado o suficiente, é a seguinte: Jack Joyce, um mochileiro/aventureiro retorna à sua cidade natal de Riverport para atender o pedido de ajuda de um amigo de infância, Paul Serene.
Quantum Break tem o mérito de ser uma das produções triplo-A mais singulares dos últimos anos
Paul não havia sido muito claro quanto ao que estava precisando, mas quando Joyce recebeu a passagem de primeira classe totalmente paga, não hesitou em atender o pedido do amigo. Porém, eram deveras estranhas as condições do encontro: Jack deveria procurar Paul no laboratório de física da faculdade da cidade, às quatro da madrugada do dia 8 de outubro de 2016. Deixando as perguntas para depois, Jack obedece ao chamado e encontra Serene no saguão do laboratório, que ele, um bem-sucedido empresário, ajudou a construir.
E aí que ele entende o que está acontecendo: seu irmão mais velho, um gênio da física com o qual não conversava há muito, estava ajudando Paul a construir… uma máquina do tempo. E por razões que em um primeiro momento não ficam tão claras, somente Jack poderia ajudar na ativação e no primeiro teste da máquina, já que Will Joyce tinha pulado fora do barco.
É claro que não precisamos falar que o teste deu merda (um clichê desgastado do gênero, mas que ainda dá pra engolir).
O lance é que, depois de ver Paul sumir e interagir com uma versão mais sombria de si mesmo vinda do futuro, Jack descobre ter desenvolvido a habilidade de manipular o tempo, devido à sua exposição ao núcleo da máquina. Essa habilidade será essencial para ele daí pra frente, já que um exército privado da megacorporação Monarch parece estranhamente interessado em capturá-lo (ou matá-lo).
A história de Quantum Break vai se desenvolvendo de duas maneiras: na narrativa in-game, da maneira que já estamos habituados, e no seriado, do qual falei acima. Mas a série não é um produto separado, ela está dentro do jogo. No final de cada um dos primeiros quatro atos do jogo, assistimos a um episódio em live-action de aproximadamente 25 minutos.
O legal aqui é que o que fazemos no jogo influencia na narrativa da série, como determinada hora que nos deparamos com uma equação matemática esquecida em um quadro-negro da faculdade: se interagirmos com ela durante o jogo, o fato é comentando por alguns personagens do seriado, que ficam se perguntando quem andou mexendo naquela fórmula.
Mas há também interferências mais drásticas: em algumas partes do jogo controlamos Paul, e ele tem que tomar algumas decisões sobre dois caminhos bem distintos. O que jogador escolhe na pele de Serene influencia todo o contexto do episódio. Tipo um Você Decide (para os mais novos, era uma série da Globo da década de 90 em que as pessoas ligavam para uns números de telefone a fim de escolher o final da trama) modernizado.
O lance é que surpreendentemente tudo funciona bem. A produção da série não chega a ser de primeiríssima linha, mas não atrapalha. O elenco, por outro lado, é excelente. Todas as atuações são muito boas, principalmente a de Paul, interpretado por Aidan Gillen (o Mindinho da série “Game of Thrones”). Por sinal, temos muitos atores conhecidos: Jack, o protagonista, é Shawn Ashmore, o Homem-de-Gelo dos X-Men do cinema. Seu irmão William é Dominic Monaghan, o hobbit Charlie, da série Lost. E Lance Reddick (o careca sinistro da série Fringe) está excelente no papel de careca sinistro.
O que fazemos no jogo influencia na narrativa da série
A trama como um todo tem seus erros e acertos, mas no geral é bem acima da média. Já disse que sou fanático por histórias de viagem no tempo, e Quantum Break faz um trabalho bem decente. Às vezes cai nas armadilhas tradicionais de ficar confuso demais, e às vezes esbarra no famoso erro de continuidade, mas o resultado final é muito competente e me deixou muito satisfeito.
Falando da jogabilidade: outro acerto da equipe da Remedy foi não querer viajar demais na maionese e manter o jogo simples no geral. As sequências de ação e tiro, inclusive, são bem old school – em mais de uma oportunidade me fez lembrar do clássico Max Payne – ainda que as habilidades de Jack vão muito além do bullet time do Max.
E apesar das mecânicas simples, não faltam opções de abordagem dos inimigos, graças às habilidades do protagonista. Podemos paralisar o tempo, usar um dash que coloca tudo ao redor em câmera lenta (lembra o bullet time), criar “bolhas temporais” que servem como escudos… todas as habilidades são funcionais e gostosas de usar. Ao contrário de muito jogos em que até esqueço que existem algumas mecânicas de certos personagens, aqui usei todas e com bastante frequência até o final.
A simplicidade do combate também cobra seu preço: a mecânica de cover é meio falha (não existe um botão para o personagem aderir às paredes e coberturas, ele se abaixa automaticamente quando você chega perto), e muitas vezes você acaba morrendo de bobeira — mas no geral a experiência é bem satisfatória.
E as mecânicas de tempo também são usadas para resolver puzzles, mas que acabam sendo em geral simples e repetitivos, assim como as partes em que você precisa saltar e escalar plataformas – já que o jogo limita as partes em que Jack pode subir.
Outra coisa que também não é muito legal: lutas com os chefes. Não acho que um jogo precisa tê-las, mas se você cria todo um clima para uma luta épica, e na “hora h” parece uma luta com um capanga normal do jogo, a parada acaba ficando um pouco broxante.
Tirando essas pequenas falhas, Quantum Break muito mais acerta do que erra, e quando acerta, acerta bem no meio do alvo. É divertido de assistir como série, gostoso do jogar como game, e faz algumas coisas bastante únicas, especialmente considerando ser um projeto de alto orçamento (geralmente são os indies que costumam arriscar). É um game com uma identidade muito própria, e com toda a certeza, mesmo não sendo perfeito, será sempre lembrado pelas coisas novas que tentou fazer pelo gênero.
Se você tem um Xbox One, esse jogo é OBRIGATÓRIO. É o melhor e mais importante exclusivo do sistema, além de ser tecnicamente impressionante, pois mostra realmente o que o console é capaz de fazer (tecnicamente o jogo é bonito pra cacete, o som também é excelente). Se você tem um PC com Windows 10, gosta bastante da temática de viagem no tempo ou era um fã da série Max Payne, também recomendo fortemente. Seguramente posso dizer que Quantum Break, mesmo com seus defeitos, sempre terá um cantinho especial no meu coração de gamer.
***Classificação***
Quantum Break
Plataformas: Xbox One, PC (Windows 10). Gênero: Ação, tiro em terceira pessoa Desenvolvedor: Remedy Entertainment Lançamento: 5 de abril de 2016 Modo de jogo: 1 jogador (single player).
Legal eles tentarem ousar com algo diferente, mas fico me perguntando se teria saco para assistir uma série no meio do jogo. Nada contra séries, alguns dos meus melhores amigos são séries, mas tudo a seu tempo; tem hora que eu quero jogar e hora que eu quero assistir alguma coisa.
Enfim, jamais descobrirei se funciona para mim, pois estou do lado certo da força e não possuo um Xbox One.
Bem feito, quem mandou ir pro lado errado da força e comprar um PS4.
Parece ser muito interessante, jogos narrativos que tentam se ‘reinventar’ são importantes, para não ficarem muito com cara de apenas um filme interativo, não que sejam ruins, Heavy Rain mesmo é sensacional.
Para mim a unica opção aqui seria via PC, mas pelos gráficos meu notebook velho de guerra não deve aguentar esse rojão.
Dario, parabéns, mais uma excelente análise.
Vou ali pegar a pipoca enquanto espero Dario vir aqui responder seu comentário sobre Heavy Rain.
Hahahaha. Eu não gosto de nada da Quantic Dream, mas minha birra maior é com Indigo Prophecy mesmo.
excelente review, dário, vou joga-lo assim que disponível na STEAM!