Review | Doctor Who 9×12: Hell Bent

Review | Doctor Who 9×12: Hell Bent

“Every story ever told really happened. Stories…are where memories go when they’re forgotten.”

Os comentários a segui contém spoilers do episódio final da nona temporada da série Doctor Who.

A 9ª Temporada da série de ficção mais longeva da história se encerrou de forma grandiosa, isso é inegável. O Doutor retornou a Gallifrey, como ele mesmo disse, pelo caminho mais longo, e colocou as coisas em seu devido lugar. Ocorre que ele não é apenas presidente do mundo. Ele também o homem que venceu a Guerra do Tempo e o Senhor de todos os Senhores do Tempo.

Um roteiro impecável em matéria de diálogos. Moffat tem a capacidade de cunhar frases avassaladoras que, proferidas por Capaldi, são de uma excelência poética arrebatadora. Que dizer por exemplo de “Toda história já contada realmente aconteceu. Histórias… são onde as memórias vão quando são esquecidas.”. A direção de Rachel Talalay é impecável, em um nível que raramente se vê na televisão, ou mesmo no cinema. Figurinos, cenários, enfim, tudo, garante que o Doutor tenha um final de temporada a sua altura, e à altura da excelente temporada que passou.

A estrutura narrativa do episódio, todo em formato de flashbacks, também, é muito bem trabalhada pela diretora e se integra perfeitamente com o enredo. É fantástico também conhecer um pouco mais da nova Gallifrey, e como Moffat consegue evocar com bastante sucesso, na apresentação da estrutura social dos senhores do tempo, todos as consequências nefastas que a guerra pode trazer, não apenas nas vítimas que perecem no campo de batalha, mas também no alto preço que uma sociedade tem a pagar.

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All about Clara

Mas há uma coisa que incomoda profundamente em Hell Bent: Clara Oswald.

Não me entendam mal. Eu não odeio Clara. Claro, há muito eu já vinha insistindo que Jenna Coleman estava desgastada no papel. Eu adorei Clara desde o primeiro momento que a vi, mas a meu ver, Moffat cometeu um erro ao insistir que ela retornasse para mais uma personagem, quando o arco da personagem claramente se concluíra na temporada anterior.

Se já é um grande problema narrativo insistir em um personagem que já cumpriu sua função, erro ainda maior é fazer como que toda uma temporada gire em torno desta. Pior ainda é apenas permitir que a audiência se dê conta disso ao final. Afinal, desde o princípio Moffat quis fazer parecer que essa temporada diria respeito ao Doutor e sua relação com a morte.

Claro, faz sentido que não seja apenas a relação do Doutor com sua própria morte, mas também com a morte de queridos – algo que provavelmente o aterroriza muito mais que sua própria morte -, mas querer nos fazer crer que ele pudesse ir tão longe para salvar Clara é forçar um pouco demais.

É um Doutor diferente de todos os outros, é verdade, mas o desespero que o toma e a extensão do que ele faz para ter Clara de volta, colocando em risco toda a existência do Universo, não faz o menor sentido. Quero crer que nenhum dos Doutores jamais faria isso. Muito menos essa última versão: mais cínica, dura e pragmática.

Por mais que ele quisesse salvar Clara, sua triste escolha seria saber que ele não poderia arriscar todo o continuum temporal para salvá-la apenas. Até mesmo porquê, no fim das contas, não havia sido outra coisa senão a morte de Clara que o levara a chegar a Gallifrey. Assim o Doutor não estaria inferindo apenas na linha temporal de Clara, mas efetivamente na sua, já que foi a morte dela que o fez ficar 4,5 bilhões preso no disco de confissão para enfim chegar em Gallifrey, que após sair da estase temporal havia se escondido literalmente no fim dos tempos.

Um buraco no espaço-tempo do roteiro

Mas esse ainda não é o principal problema do enredo desse episódio. Não. O pior é a solução. Pois Moffat entende que para salvar Clara o Doutor deve apagar a memória dela ou dele. A justificativa… também não é das melhores. O híbrido, que seria também um dos principais plot points da temporada, seria na verdade, segundo a teoria de Me/Ashildr (Maisie Williams), duas pessoas. Um humano e um time lord. O Doutor e Clara juntos seriam o infame híbrido que, segundo as profecias, estavam destinados a andar sobre as ruínas de Gallifrey após decretar o fim dos tempos.

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E acompanhem o raciocínio de Moffat, que ele imprime a um Doutor evidentemente um tanto quanto estabanado após sair dos 4,5 bilhões de anos de cativeiro: o Doutor salva Clara e isso ameaça todo o universo, o que ele está disposto a fazer pela sua amiga. Mas depois ele decide apagar a memória dela, para que ela possa sobreviver, longe dele, pois se eles ficarem juntos, eles poderão destruir todo o universo… talvez eu seja um tanto quanto burro… mas isso também não faz muito sentido.

Mais uma vez, se ele queria evitar o desastre, não precisaria submeter Clara ao esquecimento, ou mesmo ele, um destino sem dúvida pior que a morte. Bastava que ele encarasse de frente a dor da sua perda como o Time Lord que ele sempre foi, e como Clara também implorara que ele assim fizesse.

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Claro que isso incomoda bastante a mim, mas se você conseguir relevar esse “pequeno” problema na trama, você sem dúvida se deliciará com um dos melhores episódios dessa temporada e talvez da série. Que apesar de tudo consegue se concluir de maneira belíssima, poética e fantástica, com Clara e Me navegando pelo espaço tempo em uma outra Tardis que se disfarça não como uma cabine telefônica da polícia, mas como um diner decorado com motivos de Elvis e Rock’n’Roll. Cool. Pretty Cool.



Posters-TheMagicianApprenticeSérie: Doctor Who
Temporada:
Episódio: 12
Título: Hell Bent
Roteiro: Steven Moffat
Direção: Rachel Talalay
Elenco: Peter Capaldi, Jenna Coleman, Maisie Williams, Ken Bones, T’Nia Miller, Clare HigginsDonald Sumpter.
Exibição original: 05 de Dezembro de 2015 – BBC One
Graus de Kevin Bacon: 2 Donald Sumpter. esteve em Segredos da Vida (1994) juntamente com Theresa Russell que atuou em Garotas Selvagens (1998) com Kevin Bacon.


Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

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