Review | Doctor Who 9×08: The Zygon Inversion
Em The Zygon Inversion, Steven Mofat aproveita para se aprofundar um pouco mais em reflexões sobre a guerra, e em lembrar mais uma vez que ser um Time Lord é também sinônimo de ser um mestre da guerra e da destruição.
Claro que ninguém imaginaria que o Doutor seria destruído na explosão de seu avião presidencial. A solução encontrada para isso não é a das mais convincentes, mas, como ficará mais claro adiante, serve a um propósito no desenvolvimento da trama. O propósito é recolocar Clara Oswald como um elemento importante no enredo e mais uma vez nos fazer lembrar do quão ela é importante para o Doutor.
Essa importância inclusive, sugere-se em determinado momento, é muito maior do que poderíamos imaginar. Clara Oswald talvez tenha sido parte essencial de um dos momentos mais importantes de toda a longa vida do Doutor, e muito por isso ele ocupa um espaço tão importante em sua mente e coração. O que responderia a muitas questões relacionadas a Clara e deixaria justificados muitos dos atos do Doutor com relação a ela. Mas apesar de ser um elemento importante da mitologia da série que é insinuado, essa não é a coisa mais importante desse episódio.
O que mais importa não é aquilo que o Doutor parece se lembrar, mas aquilo que ele nos faz lembrar. Que guerra é antes de tudo uma escolha. E não a das mais racionais. E o Doutor sabe muito bem disso, pois, como ele bem lembra, já esteve inúmeras vezes diante daquela situação. A diferença foi que ele aprendeu, enquanto que a humanidade – ou qualquer representação dela na forma de alienígenas vermelhos transmorfos – aparentemente não. Assim, qualquer argumento que se queira evocar para justificar a guerra seria, num extremo, um espécie de sofisma moral, se permite a redundância. Colocando de maneira simples, é justificar o injustificável.
A paz, como nos lembrou bem o Doutor no episódio anterior, é complicada e traiçoeira; uma situação impossível Mas nem por isso devemos jamais abrir mão desta via. Pois aqueles que buscam justificativas para suas guerras raramente observam o sofrimento dos inocentes, de um lado ou de outro, que apenas querem viver em paz, e que não raro, constituem a ampla maioria numérica.
Há algumas coisas interessantes no oitavo episódio da nona temporada que mereciam ser citadas. A admiração mútua entre o Doutor e Petronella Osgood (sim, agora temos um primeiro nome!) é apenas uma delas. É muito divertido a forma como Mofat nos torna mais íntimos dos já polêmicos óculos escuros que substituíram a Chave de Fenda Sônica. O Doutor faz com que Osgood use os óculos e vai a ensinando a usá-los, e assim entendemos um pouco melhor como ele funciona. Há ainda uma cena bastante curiosa de um interrogatório com detecção de mentiras, mas não é nada disso que faz desse episódio um dos melhores da temporada. A resposta está em outro lugar.
The Zygon Inversion é um daqueles episódios de Doctor Who que nos fazem contemplar fundo o que há de mais assustador na humanidade: sua profunda e atávica vocação para se render ao medo e à ignorância. E um dos raros momentos em que uma alegoria tão simples se apresenta de forma tão natural e orgânica em um elemento narrativo da série.
Com diálogos magistrais mais uma vez interpretados de forma espetacular por Peter Capaldi, fica fácil acreditar que o Doutor de fato é capaz de abalar convicções e salvar duas espécies de suas maiores ameaças: seus próprios medos e ignorâncias que incessantemente as colocam no mesmo caminho de destruição.
A bem da verdade tudo funciona bem nesse episódio. Até mesmo as soluções que pareceriam mais forçadas – o destino de Kate Stewart, a interferência e interação de Clara com Bonnie – são logo encobertas pela suspensão da descrença quando o clímax do episódio nos é apresentado: a verdadeira natureza da Osgood’s Box.
E é deliciosamente genial como a revelação é feita, como tudo faz sentido e se encaixa e, mais ainda, como cada detalhe serve a um propósito dentro da narrativa, sem excessos, e de uma competência e delicadeza da parte de Peter Capaldi – sem dúvida o melhor ator a interpretar o Doutor desde que a série retornou em 2005 – que verdadeiramente nos emocionam.
Em episódios assim somos lembrados que o Doutor é um ser que viveu mais de 2000 anos, e não apenas um louco cruzando o espaço e o tempo em uma caixa azul, ele é ambas as coisas, e isso é o que há de mais sensacional.Tudo serve à história que está sendo contada e o resultado é surpreendente. Doctor Who nos apresenta uma profunda e tocante reflexão sobre a guerra, de uma maneira tão lúdica que até uma criança entenderia.
Seria difícil antecipar que um arco narrativo que começou de maneira tão despretensiosa no episódio anterior terminaria de forma tão gratificante com uma mensagem tão profunda. Com o melhor daquilo que uma espécie pode ser. Ou melhor, que duas espécies podem ser. Mantendo uma situação impossível, ainda que o preço para isso, seja sacrificar sua própria identidade.
Série: Doctor Who
Temporada: 9ª
Episódio: 08
Título: The Zygon Inversion
Roteiro: Peter Harness e Steven Moffat
Direção: Daniel Nettheim
Elenco: Peter Capaldi, Jenna Coleman, Ingrid Oliver e Jemma Redgrave.
Exibição original: 31 de Outubro de 2015 – BBC One
Graus de Kevin Bacon: 3 (Ingrid Oliver atuou em Gatos, Fios Dentais e Amassos (2008) com Libby Hayter que atuou em A Bunch of Amateurs (2008) com Charles Durning que esteve em Encontros e Desencontros (1979) com Kevin Bacon).