Crítica | Nem um Passo em Falso

Crítica | Nem um Passo em Falso

Geralmente filmes sobre máfia mostram pessoas envolvidas em tráfico de drogas, bebidas alcoólicas ou algum tipo de produto que na época em que a história se passa seja ilícito. Então é sempre algo à margem da lei, assim é curioso ver que em “Nem um Passo em Falso”, novo trabalho do diretor Steven Soderbergh, sejam apresentados personagens envolvidos em uma máfia envolvendo empresas de automóveis, tipo uma espionagem industrial não tão sutil.

A trama se passa na cidade de Detroit nos anos 1950, época de ouro do município com a presença de diversas empresas de automóveis. Dois gângsteres: Curt Goynes (Don Cheadle) e Ronald Russo (Benicio del Toro) são recrutados por Doug Jones (um irreconhecível Brendan Fraser) para um trabalho aparentemente simples. Eles devem ficar de “babá” da família Wertz enquanto Charley (Kieran Culkin) leva Matt Wertz (David Harbour) para o trabalho – ele é contador da GM, onde o Sr. Wertz tem que pegar um documento no cofre do seu chefe.

A missão parece simples, mas obviamente o golpe não sai conforme o esperado, então Curt e Ronald se aliam para descobrir o motivo de terem colocado-os nessa enrascada e quem é o responsável. A dupla não se conhecia antes desse trabalho, dessa forma surge a questão do nível de confiança um no outro, ainda mais que ambos trabalham na margem da lei e sabem muito bem que não se deve confiar em qualquer um. Contudo a situação é urgente e a vida deles está em risco, então não sobram muitas opções.

Nem um Passo em Falso” inicialmente parece ser apenas mais um filme sobre máfia, mas a obra surpreende positivamente ao abordar temas como racismo e críticas ao capitalismo (assunto recorrente na filmografia de Soderbergh). Por exemplo, quando Ronald encontra com Curt Goynes ele questiona Doug sobre a presença de Curt pelo fato dele ser negro e querendo que Goynes sente no banco da frente do carro. Ao desenrolar da narrativa, observamos também as diferenças entre os mafiosos brancos e negros, como por exemplo, um amigo de Curt que fala sobre finalmente ter arrumado um emprego honesto, só que ganhando um salário bem baixo.

Outro ponto essencial é o estudo dos personagens, onde fica claro o protagonismo de Curt. Ele é o que tem a motivação mais “nobre”: acabou de sair da prisão e quer arrumar um dinheiro para começar a vida novamente em outra cidade. Para ele sua honra é mais significativa que o dinheiro, então é importante deixar sua imagem limpa junto a ex-colegas de máfia. Nesse ponto já vemos a diferença clara dele para Ronald Russo, já que na primeira cena que o vemos, o homem está em casa tendo um caso amoroso com Vanessa Capelli (Julia Fox), esposa do seu chefe Frank (Ray Liotta). Ou seja, Ronald é uma pessoa egoísta e que não se preocupa muito com a “honra” em relação a quem está acima dele na hierarquia.

O roteiro de Ed Solomon é muito bem construído e apresenta a trama de forma bastante didática, apresentando os personagens corretamente e desenvolvendo reviravoltas de maneira inteligente, sem parecer que está apenas tentando surpreender o espectador. Ao longo do filme surgem novos personagens e a trama vai escalonando de hierarquia dentro das máfias de forma curiosa, sem deixar de lado também a presença da polícia, representada pelo detetive Joe Finney (Jon Hamm). Dessa forma é preciso relembrar que “Nem um Passo em Falso” não é um filme comum de gangster, assim, se estamos diante de uma história que envolve empresas automobilísticas, já é possível imaginar então quem seria o “poderoso chefão”.

Steven Soderbergh acerta na temática, na escolha do elenco, que conta com nomes de qualidade que entregam atuações muito boas, mesmo que alguns tenham pouco tempo em cena. O diretor desenvolve o filme muito bem também de maneira técnica, utilizando uma fotografia com um recurso que lembra algo que ele fez em Traffic, onde a paleta de cores ajuda a distinguir o “universo” negro de Curt e o branco de Ronald. As cenas iniciais durante o trabalho na casa da família Wertz se passam durante o dia, então nesse ponto as luzes são mais claras, mas depois disso a distinção entre tons quentes e frios fica mais evidente.

A trilha sonora contribui para ditar o tom da narrativa, que é na maior parte do tempo séria, mas em alguns momentos tem alguns alívios cômicos levemente involuntários que são acentuados pela música de David Holmes, lembrando muito a parceria anterior dele com Soderbergh em “11 Homens e 1 segredo”. Os temas alternam entre algo mais policial clássico com outros mais alegres e de época, já que a trama se passa nos anos 1950.

Em síntese, “Nem um Passo em Falso” mostra Steven Soderbergh inspirado onde apresenta um filme de máfia que foge do lugar comum, expondo uma trama inteligente e interessante, construindo ótimas reviravoltas, que ainda contam com um elenco incrível, fazendo com que a obra cinematográfica tenha um resultado final bem acima da média.


Uma frase: – Matt Wertz: “Eu amo meu trabalho, senhor!”

Uma cena: A conversa de Curt e Ronald com o “poderoso chefão”. 

Uma curiosidade: Muitos meios de comunicação especularam sobre a aparência de Brendan Fraser neste filme, com muitos preocupados com sua saúde. A verdadeira razão para o dramático ganho de peso de Brendan Fraser foi que ele havia engordado para o próximo filme, The Whale, que Fraser está estrelando e é dirigido por Darren Aronofsky. 


Nem um Passo em Falso (No Sudden Move) 

Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: Ed Solomon
Elenco: Don Cheadle, Benicio del Toro, David Harbour, Jon Hamm, Amy Seimetz, Brendan Fraser, Kieran Culkin, Noah Jupe, Craig Grant, Julia Fox, Frankie Shaw, Ray Liotta e Bill Duke
Gênero: Crime, Drama, Mistério
Ano: 2021
Duração: 115 minutos 

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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