Crítica | Quarteto Fantástico – Primeiros Passos (Fantastic Four – First Steps, 2025)

Crítica | Quarteto Fantástico – Primeiros Passos (Fantastic Four – First Steps, 2025)

Seria a nostalgia melhor futuramente?

O futuro já não é o que costumava ser. No cansaço cada vez mais evidente do MCU e do cinismo que parece ter engolido a esperança do cinema de super-heróis, “Quarteto Fantástico: Primeiros Passos” surge como um respiro retrô, uma ode ao tempo em que a ficção científica ainda ousava sonhar com a humanidade. Pode não ser um filme audacioso ou revolucionário, mas há uma dignidade emocional e um senso de maravilhamento que faltavam à Casa das Ideias há anos.

Nem tudo, porém, é brilho. Apesar de sua elegância visual e afeto pelos personagens, o filme é marcado por uma segurança excessiva, por um medo de ousar que acaba revelando sua natureza de produto — e não de obra. A supervisão visível (e talvez excessiva) de Kevin Feige pesa sobre cada escolha narrativa mais previsível. Mas ainda assim, Quarteto Fantástico: Primeiros Passos consegue o que outros fracassaram em fazer: dar vida, com respeito e emoção, à maior criação de Jack Kirby. E fazer um velho fã voltar a acreditar que, talvez, ainda haja futuro para os heróis.

A isso está associada a boa escolha por uma ambientação retrofuturista, que não serve apenas como estética, mas como espírito e proposta narrativa. Ao situar o Quarteto em uma realidade alternativa inspirada nos anos 1950/60, o filme recupera um tempo em que ciência e imaginação caminhavam de mãos dadas — e em que a ficção científica ainda se permitia sonhar com o futuro da humanidade. Um universo onde a esperança e a ciência ainda caminham juntas, e onde a humanidade, mesmo ameaçada, ainda parece digna de ser salva.

Essa decisão resolve, com elegância, a velha questão de onde estão os outros heróis quando o mundo está para acabar. Aqui, eles simplesmente não existem. E isso dá ao Quarteto o peso de serem, de fato, os únicos heróis em cena, sem interferências ou conveniências narrativas que sempre fragilizam as ameaças de escala Thanos no MCU.

Apenas o parágrafo a seguir traz informações que podem ser consideradas SPOILER

O roteiro acerta ao costurar dois dos grandes arcos clássicos da Primeira Família da Marvel: a chegada de Galactus à Terra e o nascimento de Franklin Richards. E aqui entra o único aviso de spoiler: se você não quiser saber nada sobre como esses elementos são integrados, pule para o próximo parágrafo. A grande sacada de Shakman e Feige é unir os dois mitos em uma mesma narrativa, com um dilema ético e emocional digno de “A Escolha de Sofia”: e se Galactus, entidade primordial e devoradora de mundos, quisesse que Franklin o substituísse em sua missão cósmica? O resultado é um clímax de proporções filosóficas e afetivas, onde o destino do universo colide com os dilemas de uma família.

Fim do SPOILER

Matt Shakman dirige com competência, mas ainda lhe falta ousadia. Há soluções convenientes demais, que ecoam não por limitação narrativa, mas pela velha mão pesada de um MCU que insiste em pasteurizar seus dramas. A diferença para “Superman” de James Gunn é gritante: enquanto Gunn entrega um filme autoral, o Quarteto de Shakman é, ainda, um produto. Um bom produto, mas um produto.

Ainda assim, há mérito. O senso de urgência aqui funciona porque é tanto externo quanto interno: o mundo está para acabar, mas também uma família está sendo formada, testada e talvez destruída. E o roteiro tem sabedoria ao não condensar tudo em poucas horas de narrativa frenética: há tempo para silêncios, para escolhas e para as consequências delas. Isso dá verossimilhança e densidade rara a um blockbuster de heróis.

Os efeitos especiais estão acima da média do gênero e são utilizados com inteligência narrativa. Um destaque é a cena da perseguição em velocidade FTL, em que um disparo precisa ser calculado levando em conta a curvatura do espaço-tempo. Mas nada se compara à cena mais emocionante do longa: o parto de Sue Richards em pleno espaço sideral, com a nave sendo perseguida pelo Surfista Prateado através de um wormhole. Poesia cósmica.

A trilha sonora de Michael Giacchino merece um capítulo à parte. Conhecido por trilhas como a de “Lost”, Giacchino entrega aqui uma composição que não se limita a embalar a ação, mas amplia o sentimento de descoberta e maravilhamento que define o filme. É retrô sem ser nostálgico, é moderno sem ser cínico. Mais do que isso, a trilha tem algo raro entre os filmes da Marvel: tem personalidade. Enquanto tantas outras composições do MCU desaparecem na memória assim que a sessão termina, a de Quarteto Fantástico gruda — e permanece. É daquelas trilhas que, ao serem ouvidas fora do filme, imediatamente nos transportam de volta a ele. Um feito e tanto, sobretudo em um universo onde o som costuma ser genérico.

O elenco é um dos grandes trunfos. Pedro Pascal segura com carisma o papel de Reed Richards, mesmo com o insano bigodinho retrô. A dinâmica entre Ben e Johnny, ainda que pouco explorada, entrega momentos que parecem saídos diretamente das páginas de Jack Kirby.

Mas é Vanessa Kirby quem carrega o coração do filme. Sua Sue Richards é a melhor versão já vista da personagem no cinema: uma força feminina e maternal arquetípica, a verdadeira âncora emocional do Quarteto. Ao lado de Reed, ela é a grande liderança do grupo — e Kirby consegue transmitir isso com uma atuação sensível, poderosa e profundamente humana. É ela quem faz o espectador acreditar que uma mãe pode, de fato, mover céus e terras por seu filho. Nunca uma mãe foi tão super na telona.

E é mesmo através de seus atores e personagens que o maior mérito desse filme se revela: conseguir traduzir, com sinceridade e força emocional, a essência do Quarteto como o maior símbolo de afeto, lealdade e união incondicional do universo Marvel. Uma família que, justamente por isso — e não apenas por seus poderes — é capaz de enfrentar e vencer literalmente qualquer desafio que o universo coloque diante deles. Primeiros Passos entende isso. E por isso funciona — com coração, com coragem, e com uma fé quase esquecida no poder das histórias que ainda valem a pena ser contadas.


Uma frase: – “Tá na hora do pau!”

Uma cena: O parto de Sue Richards em pleno espaço sideral, durante uma perseguição FTL através de um wormhole.

Uma curiosidade: diretor Matt Shakman revelou que o filme se passa na Terra 828, uma homenagem ao aniversário de Jack Kirby: 28 de agosto.


Quarteto Fantástico – Primeiros Passos (Fantastic Four – First Steps)

Direção: Matt Shakman
Roteiro:
 Josh Friedman, Eric Pearson e Jeff Kaplan
Elenco: Pedro Pascal, Vanessa Kirby, Joseph Quinn, Ebon Moss-Bachrach, Julia Garner e Ralph Ineson
Gênero: Super-herói; Aventura; Ficção Científica
Ano: 2025
Duração: 115 minutos

Mário Bastos

Quadrinista e escritor frustrado (como vocês bem sabem esses são os "melhores" críticos). Amante de histórias de ficção histórica, ficção científica e fantasia, gostaria de escrever como Neil Gaiman, Grant Morrison, Bernard Cornwell ou Alan Moore, mas tudo que consegue fazer mesmo é mestrar RPG para seus amigos nerds há mais de vinte anos. Nas horas vagas é filósofo e professor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *