Crítica | Blue My mind
Por Lilian Lordelo: psiquiatra, psicanalista e analista do discurso
O filme “Blue My Mind” é um maravilhoso exemplo – pois rico e sensível – de como existem outras formas de compreender os dramas humanos que não por meio das explicações neurológicas. A película nos permite experimentar uma angústia relativamente específica, que pode ocorrer em alguns adolescentes, e o faz explicando esse conflito existencial por meio de outras abstrações. Na obra, são empregados modos complexos de contar uma história que se passa externa e internamente com a jovem personagem principal, Mia.
Com 15 anos de idade e recém chegada em uma cidade e escola novas, Mia tenta enturmar-se com os “descolados” da sua sala de aula e, ao mesmo tempo, questiona sua relação com os pais, as transformações corporais pelas quais está passando e explora corpo, sensualidade e interações sexuais com os demais adolescentes com os quais passa a conviver. Conflitos, portanto, frequentes nessa época da vida e já retratados em várias outras produções fílmicas ou literárias. O que faz essa história ganhar destaque, então, não é o seu conteúdo, fatos e explicações, mas a forma com que é narrada, provocando identificação com as emoções e sensações da personagem. O filme alcança o tema por outra via que não a da racionalidade.
O título, por exemplo, remete à expressão “blow my mind”, que significa espanto, grande surpresa. Representa o estranhamento que Mia sente em relação a si mesma e às pessoas em seu entorno. “Blow” escorre como um líquido, digamos assim, ao “blue”, que, em inglês, faz alusão a tristeza. Espanto e tristeza ocorrem simultaneamente e o jogo de palavras condensa e expressa o duplo sentido experiencial da adolescente. Não são os vocábulos óbvios (espanto e tristeza) que são usados, mas “blow” e “blue” (metáforas de vivências e emoções). E não são apenas os significados desses termos que comunicam, mas a coexistência dos dois sentidos que é realizada pela estratégia linguística que sugere o deslizamento entre eles.

Aviso de spoilers
Característico desse estilo artístico chamado “realismo fantástico”, a extraordinária transformação da jovem em uma sereia é apresentada como parte da realidade sem o alívio cognitivo de uma explicação racional para sua ocorrência. A mistura do real, concreto e apreensível por meio dos sentidos com o mundo da imaginação amplia as possibilidades narrativas de representação e simbolização da vida humana. Mas evidentemente esse modo poético e estético que aborda simultaneamente a realidade e a fantasia pode incomodar e não satisfazer uma audiência habituada a fruir filmes por gosto ao conteúdo, à história e não à forma com que esta é contada.
Sinto dizer essa dura verdade, mas o fato é que não há explicação teórica que possa dar conta sem dúvidas da existência humana. Qualquer explanação neurológica, filosófica ou poética que se faça para tanto é apenas tentativa e a compreensão que promove é sempre parcial, incompleta, insuficiente para seu ouvinte/leitor/estudioso. E, assim, têm-se mais um ponto positivo para a forma de “Blue My Mind”: não haver explicação definitiva nos angustia e é apenas quando aceitamos o extraordinário em nós, quando paramos de resistir e tentar entender, quando simplesmente viramos sereia, é que encontramos a paz.

Uma fala: Gianna – “Sabe o que seria legal agora? Se pudéssemos dar pausa, e tudo ficar do jeito que está, aqui e agora, para sempre”.
Uma cena: Relato de Mia a uma médica sobre as transformações do seu corpo após a primeira menstruação, enquanto a profissional diz que aquelas alterações só poderiam ser de nascença.
Uma curiosidade: A diretora Lisa Brühlmann já havia abordado o mito das sereias no curta “Hylas und die Nymphen” em 2013 e retoma sua adaptação à contemporaneidade em “Blue My Mind”.

Blue My Mind
Direção: Lisa Brühlmann
Roteiro: Lisa Brühlmann e Dominik Locher
Elenco: Luna Wedler, Zoë Pastelle Holthuizen, Regula Grauwiller, Georg Scharegg, Lou Haltinner e Yaël Meier
Gênero: Drama, Fantasia, Mistério
Ano: 2017
Duração: 97 minutos
