Crítica | Imaculada (Immaculate)

Crítica | Imaculada (Immaculate)

Terror é um gênero no cinema onde muitas vezes um artista usa seu filme como um comentário político. Assim o medo que sentimos na realidade é refletido na trama, seja ele sobrenatural ou algo mais próximo da nossa realidade. Agora em 2024 vemos o Congresso Nacional brasileiro em busca da aprovação da PL 1.904, projeto de lei em que a mulher que fizer um aborto após 22 semanas de gestação é criminalizada de forma maior que um estuprador. Não por acaso se tornou conhecida como “PL do Estupro”. Tudo isso em “defesa da vida” e em nome de Deus. Afinal de contas, o catolicismo (e as religiões cristãs de forma geral) utiliza dogmas religiosos para controlar o corpo das mulheres. Dito isso, “Imaculada”, protagonizada e produzida por Sydney Sweeney, fala um pouco sobre esse tema, abordando também a misoginia da Igreja Católica.

A protagonista da história é Irmã Cecilia, uma jovem freira americana que se muda para o interior da Itália para trabalhar em um convento. Logo ao chegar no país a moça é julgada pelos funcionários do aeroporto, que não acreditam que uma mulher bonita é uma freira e comentam sobre como isso é um “desperdício”. Essa microagressão é um reflexo de algo que as mulheres enfrentam todos os dias em qualquer lugar do mundo, isto é, o terror da vida real. No entanto, esse é apenas o início do drama de “Imaculada”.

Ela está em um país no qual não sabe falar a língua, dessa forma a comunicação com outras pessoas é um problema e que contribui para seu isolamento dentro do novo lugar de trabalho. Isso aumenta um pouco seu desconforto, no entanto Cecilia tem a sua fé e a certeza que fez a escolha certa. O conflito do filme começa quando a protagonista descobre que está grávida. Como pode uma freira engravidar? Será que ela é uma escolhida divina para gerar um filho de Deus?

O diretor Michael Mohan utiliza muitas convenções do gênero de terror na construção da parte visual de “Imaculada”. Felizmente o cineasta não aposta em sustos fáceis, criando um clima de tensão e suspense muito bons, seja utilizando ambientes escuros iluminados apenas por velas, como no próprio design de produção do ambiente do convento. O local é uma grande casa antiga, com paredes de pedra e poucas janelas, criando um ambiente hostil e de isolamento.

Obviamente, pelo fato de ser uma história envolvendo a Igreja Católica, “Imaculada” explora muitos simbolismos da religião. O principal deles é sobre Maria, mãe de Jesus. Afinal de contas o título se refere a ela por alusão ao dogma da concepção sem o pecado original. O melhor exemplo é quando vestem a Irmã Cecilia com as roupas de Nossa Senhora por acreditar que ela é a representação de Maria.

A trilha sonora de Will Bates explora cantos gregorianos e vozes de coral feminino para aumentar a imersão do clima religioso da trama. Ele os mistura com temas sombrios e sons que parecem sobrenaturais, criando o clima de tensão perfeito para o desenvolvimento da narrativa.

Já o roteiro de Andrew Lobel constrói bem a narrativa onde explora de forma eficiente o lado psicológico da protagonista. Será que ela está diante de algo sobrenatural e divino pelo fato de estar grávida? A trama é dividida em três atos, cada um deles representando um trimestre da gravidez e em cada um acompanhamos o processo de evolução da Irmã Cecilia.

Isso só funciona graças ao incrível talento de Sydney Sweeney, que em cada novo papel se mostra como uma excelente e versátil atriz, que tem um carisma impressionante. É fascinante ver como a Irmã Cecilia começa com todo um ar de inocência e no final tem uma força incrível ao lutar por sua sobrevivência.

Dessa forma, “Imaculada” é uma ótima surpresa ao explorar muito bem as convenções do gênero de terror. O filme funciona principalmente graças ao talento de Sydney Sweeney, que além de uma atriz de qualidade se mostra uma grande produtora ao reunir diretor, roteirista e financiamento para fazer o longa-metragem da forma que ela queria. O impacto da cena final é mérito totalmente dela, fazendo com a história seja incomoda, chocante e marcante. E o “pior” de tudo, verossímil. Um filme de terror funciona justamente quando se mostra “realista”, por mais fantasioso que ele seja. E quando pensamos no mundo real e projetos de lei que ainda tentam criminalizar as mulheres pelo controle de seus corpos, vemos que infelizmente talvez a obra não seja tão assustadora quanto a realidade…


Uma frase: – Irmã Cecilia: “De todas as mulheres do mundo por que Ele escolheu logo a mim?”

Uma cena: A última cena do filme.

Uma curiosidade: Sydney Sweeney fez o teste para este filme em 2014, quando tinha 17 anos. Mas o projeto nunca se concretizou. Anos depois, ela assumiu o papel de produtora e procurou o escritor, adquiriu e revisou o roteiro, contratou um diretor, encontrou financiadores e vendeu o filme para a Neon.


Imaculada (Immaculate)

Direção: Michael Mohan
Roteiro: Andrew Lobel
Elenco: Sydney Sweeney, Álvaro Morte, Benedetta Porcaroli, Dora Romano, Giorgio Colangeli e Simona Tabasco
Gênero: Terror
Ano: 2024
Duração: 89 minutos

Ramon Prates

Analista de sistemas nascido em Salvador (BA) em 1980, mas atualmente morando em Brasília (DF). Cinema é sem dúvidas o meu hobby favorito. Assisto a filmes desde pequeno influenciado principalmente por meus pais e meu avô materno. Em seguida vem a música, principalmente rock e pop.

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