Crítica | O Dublê

Crítica | O Dublê

O Dublê é um filme que não se leva a sério, mas faz disso o seu trunfo. O que poderia ser uma forma de disfarçar os problemas de uma história mal contada, aqui faz todo o sentido, para divertir o espectador com as peripécias de Colt Seavers, vivido por Ryan Gosling, e sua relação amorosa com Jody Moreno, interpretada por Emily Blunt. E se essa descrição parece um pouco cafona e um tanto quanto “Sessão da Tarde”, é porque o longa do diretor David Leitch busca e alcança exatamente esse entretenimento leve e descompromissado.

É claro que o filme obtém esse equilíbrio muito por causa de seu casal talentoso, carismático e bem sucedido na indústria cinematográfica. Gosling talvez viva o auge de uma carreira versátil e de um estrelato que move paixões por todo o mundo. Blunt, por sua vez, pode ser considerada a “queridinha da América”, mas numa escala ainda mais global que suas antecessoras. E com essa expressão não há, de forma alguma, qualquer menosprezo à sua incrível capacidade de viver diferentes papéis em sua consistente trajetória como atriz.  

Assistimos à história de Colt Seavers (Gosling), um dublê com carreira consolidada, apaixonado e correspondido pela cinegrafista Jody Moreno (Blunt), que decide se afastar de tudo e de todos após um acidente de trabalho. No entanto, a produtora Gail Meyer (Hannah Waddingham) o faz voltar à profissão sob o pretexto de ajudar Jody, agora diretora, a finalizar seu primeiro filme. Mas o real motivo dela é que Colt ajude a localizar o astro desaparecido, Tom Ryder (Aaron Taylor-Johnson), de quem ele foi o dublê oficial até a fatídica queda durante uma gravação e que é o ator principal da película em produção.

David Leitch (Trem-bala, Deadpool 2, Atômica), que antes de ser diretor também foi dublê, concebe o filme para homenagear estes profissionais até hoje pouco reconhecidos na indústria cinematográfica, tornando este um projeto bastante pessoal. Não à toa, ele se inspira em Duro na Queda (1981-1986), série também sobre um dublê, mas que nas horas vagas tornava-se um caçador de recompensas.

O diretor se dedica a construir cenas de ação inventivas, bem coreografadas, em sequências longas, com uso de efeitos práticos, evitando ao máximo o uso de computação gráfica. Destaque para uma perseguição de veículos pelas ruas de Sidney (Austrália), na qual dois grupos disputam a posse de um objeto.

A escolha por Sidney como locação principal da história é também interessante e reflete o ganho de escala que a indústria obteve nas últimas décadas, aproveitando-se para diversificar as cenas em áreas urbanas, praias desertas e na baía da mais importante cidade australiana, inclusive evocando momentos das séries de ação rodadas em Miami.

Como tradicional num filme de ação, o nosso herói é capaz de continuar a sua jornada mesmo depois das mais incríveis porradas, porém o longa faz questão de informar que cada cena produzida não é livre de consequências, de muitas dores, ao profissional que a realiza. E faz muito sentido que isso seja verbalizado por um personagem que é também um dublê. 

Aliás, a metalinguagem é um recurso muito presente, ainda que não ao ponto de cansar. Afinal, o longa se passa durante a gravação de um filme. A cena com uso de tela dividida é a mais notória nesse aspecto, explicitamente utilizando uma discussão de produção para abordar o relacionamento do casal.

Ao retratar personagens da indústria cinematográfica, é claro que o roteiro de Drew Pearce e Glen A. Larson não perde oportunidade de fazer diversas referências, tanto a filmes e séries dos anos 1980, quanto aos mais atuais. Colt, por exemplo, adora e utiliza uma jaqueta com a marca de Miami Vice (série de TV, 1984–1989). A cena na qual Colt e seu gestor de equipe de dublês, Dan Tucker (Winston Duke), lutam dentro de um apartamento enquanto citam atores e cenas é especialmente hilária.

Leitch constrói um filme com muito ritmo e humor, no que tem se tornado referência, e que permite a Gosling exibir sua citada versatilidade, neste caso como ator de ação, já vista em Drive (2011) e Blade Runner 2049 (2017). Nas interações com a personagem de Blunt, ele adota um certo estilo kitsch, levemente parecido com o Ken de Barbie (2023), para demonstrar o seu encantamento com ela e sua tristeza pelo relacionamento amoroso ainda não consolidado. Note a cena na qual ele se encontra emocionado dentro do carro e tenta disfarçar quando Jody o encontra.

Emily Blunt consegue explorar todos os aspectos de Jody Moreno, desde sua decepção com o sumiço de Colt, a pressão por concluir o filme, até a sua habilidade em enfrentar adversários fisicamente. Assim, cria uma personagem que cativa e ganha o espectador, como a atriz já fez em tantos filmes, mesmo em gêneros diferentes, como Um Lugar Silencioso (2018), Sicário (2015), O Retorno de Mary Poppins (2018) e outros.

O filme conta ainda com um elenco muito afinado. Além de Gosling e Blunt, Hannah Waddingham, Stephanie Hsu (Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo), Winston Duke (Pantera Negra) e Aaron Taylor-Johnson (Trem-bala) também não deixam escapar a oportunidade de realizarem boas atuações, adotando o tom correto em suas participações para o contexto do longa.

Waddingham, que conquistou maior popularidade com sua Rebecca Welton em Ted Lasso, se sobressai ao criar uma personalidade convincente em meio às boas inventividades do roteiro. Hsu, em pouco tempo de tela, também comprova sua qualidade como atriz ao viver a assistente Alma Milan.

O Dublê, enfim, destaca-se por resgatar o descompromisso oitentista e é muito eficiente em unir ação, bom humor e a química do casal formado pelas duas estrelas hollywoodianas. E com tudo isso, ainda é bem sucedido em homenagear a categoria de profissionais que arriscam a própria vida para que a gente tenha tantas belas experiências no cinema.


Uma frase: – Tucker: “Daniel Day-Lewis”

Uma cena: Colt entra e caminha pelo set de filmagem e a câmera o acompanha, sem cortes, enquanto interage com os principais personagens do filme, em especial, Jody, até chegar ao ponto onde fará uma nova tomada de uma cena.

Uma curiosidade: Durante os créditos, é exibido o making-off de diversas cenas de ação, com a atuação dos dublês reais, e há também uma nova cena com participações especiais.


O Dublê

Direção: David Leitch
Roteiro: Drew Pearce e Glen A. Larson
Elenco: Ryan Gosling, Emily Blunt, Hannah Waddingham, Winston Duke, Stephanie Hsu, Aaron Taylor-Johnson e Teresa Palmer
Gênero: Ação, Comédia, Drama
Ano: 2024
Duração: 126 minutos

Carlos Willow

Jornalista, publicitário, analista de comunicação no setor público e empresário. Nascido em Salvador (BA), criado no Imbuí, mas morando em Brasília (DF) desde 2009. Fã incondicional de cinema, viciado em séries e em TV desde menininho, assistindo aos filmes e “enlatados” da Sessão da Tarde até o Corujão.

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