Crítica | Barbie (2023)
Gerações de meninas cresceram com a referência de Barbie, desde a estética padrão até o estereótipo comportamental. A boneca icônica, até certo ponto, foi revolucionária em fazer com que as pequenas pudessem se imaginar ocupando espaços diferentes dos que até então eram reservados à mulher na sociedade: o de cuidadora do lar e dos filhos.
Para o bem e para o mal, os feitos da Mattel, que surfou na onda do feminismo dos anos 1960 e 1970, param por aí.
Ao tirar sarro e ironizar essas questões logo de cara, o filme tira o elefante da sala, desarma a crítica pré-concebida sobre o longa e convida o espectador a dar gostosas risadas e a embarcar no deboche enquanto, ao mesmo tempo, propõe uma reflexão acerca das consequências nefastas para o emocional das mulheres de um modelo de sociedade falsamente inclusiva e ainda muito opressora.
Barbilândia é um mundo idealizado em que barbies vivem felizes, controlam suas narrativas, ocupam os espaços de poder, ditam as regras, ou seja, o oposto do mundo real. Nesse universo de fantasia do filme, o boneco masculino Ken é apenas um acessório, mais um item no cenário, cuja existência só se justifica pela presença da protagonista, assim como de fato são as brincadeiras infantis usando esses bonecos.
Margot Robbie interpreta a Barbie tradicional, a mais estereotipada de todas, que não foi feita para pensar e sua única ocupação é escolher o look do dia, sorrir e acenar para as amigas. A normalidade da rotina dessa mulher é rompida quando ela acorda e coisas fora do esperado acontecem e a fazem questionar sua essência, seu lugar nesse mundo perfeito, passando a experimentar pensamentos e sensações humanas, como a reflexão sobre a finitude da vida.
Com diversas referências estéticas e temáticas a clássicos do cinema, o filme avança nessa jornada de uma boneca em busca da menina que a controla, uma analogia interessante ao que muitas de nós somos confrontadas mesmo que não intencionalmente ao longo da vida: a procura por resgatar nossa criança interior, fazendo as pazes com ela, libertando-a e perdoando-a de todas as escolhas e os comportamentos opressores com os quais coadunou boa parte da vida para se encaixar no padrão esperado pela sociedade.
O Ken de Ryan Gosling é uma caricatura sincera da masculinidade tóxica. A maioria dos personagens masculinos, a exceção do boneco Allan de Michael Cera, é representado pelo excesso de vaidade, pelo culto excessivo à violência e a símbolos de força e virilidade. O comportamento deles é marcado pela estupidez e pela dificuldade de lidar com sentimentos. Taí um dos grandes feitos do longa, que com humor sagaz cumpre um papel pedagógico para o público masculino.
Além disso, Barbie também faz críticas contundentes à própria Mattel e a corporações que utilizam o discurso da igualdade de gênero apenas por estratégia de marketing, enquanto as decisões seguem sendo tomadas em salas ocupadas por homens brancos. É um ato de coragem do roteiro, mas não se engane, essa também é uma forma de a indústria hollywoodiana rir de si mesma e dos seus patrocinadores para se reinventar para o novo contexto sócio-cultural, frente a uma nova onda de feminismo, alcançando e apaziguando o público mais crítico e opositor.
Nada disso tira o mérito de Barbie como produto cultural de sua época, com grande chance de se tornar sucesso de bilheteria e clássico geracional, simplesmente por ser um filme feito por uma mulher, divertido e provocador, além de esteticamente brilhante. A produção tem potencial para arrombar algumas portas na cultura pop para o surgimento de mais e mais produtos semelhantes, que consigam preencher um vácuo de representação dessa geração consumidora de mulheres sedentas por experiências verossímeis sobre feminilidade.
A boneca Barbie se pretendeu revolucionária. O filme, no entanto, está longe de buscar algo do tipo. É intencionalmente superficial na abordagem do feminismo. Mesmo nas cenas em que tenta aprofundar certas temáticas, o faz dentro de um recorte muito claro e sob uma perspectiva liberal, partindo do pressuposto de um mundo que supostamente se define pelo american way of life. Não dava para esperar algo diferente nesse aspecto, pois assim incorreria no risco de o longa não ser fidedigno à própria simbologia que a própria boneca carrega há dezenas de anos na sociedade capitalista patriarcal.
Uma frase: “Os humanos têm apenas um final. As ideias vivem para sempre.”
Uma cena: Quando Barbie encontra uma senhora idosa sentada em um banco na rua e é Barbara Handler-Segal, filha de Elliot e Ruth Handler, os fundadores da Mattel e criadores da boneca.
Uma curiosidade: O diretor de fotografia Rodrigo Prieto criou uma paleta de cores exclusiva para o filme que Greta Gerwig chamou de “Techni-Barbie”, em homenagem ao formato Technicolor.
Barbie
Direção: Greta Gerwig
Roteiro: Greta Gerwig e Noah Baumbach
Elenco: Margot Robbie, America Ferrera, Ariana Greenblatt, Kate Mckinnon, Issa Rae, Ryan Gosling, Will Ferrell, Michael Cera e Simu Liu
Gênero: Aventura, comédia e fantasia
Ano: 2023
Duração: 114 minutos
que critica espetacular Bia, parabéns
vi o filme bem atrasado, gostei da forma como ele soube brincar com os proprios problemas (relacionados a boneca e a Mattel tb) e dei boas risadas.